"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

15 fevereiro 2011

A Aposta de Pascal


By Vanderson M. da Silva

Blaise Pascal
Blaise Pascal, retratado por Philippe de Champaigne, 1656-57

No presente post gostaria de tratar de uma proposição enunciada pelo célebre filósofo e matemático francês Blaise Pascal (1623-1662), o qual conhecemos bem de nossos tempos de ensino médio (o seu famoso triângulo, as probabilidades etc., lembram?). Ela ficou conhecida como aposta de Pascal, e é longamente exposta em seu livro Pensamentos, no Artigo II: “O que é mais vantajoso: acreditar ou não acreditar na religião cristã”. Constitui uma espécie de argumento indireto a favor da existência de Deus, com o seguinte teor:
Caso a tua crença em Deus e na Bíblia esteja correta, terás o céu por recompensa;
Caso a tua crença em Deus e na Bíblia esteja errada, não terás perdido nada;
Caso a tua descrença em Deus e na Bíblia esteja correta, não terás perdido nada;
Porém, caso a tua descrença em Deus e na Bíblia esteja errada, teu destino será o inferno.
É importante ressaltar aqui, para se evitar conclusões precipitadas, que não é a religião institucionalizada que o sábio tinha em mente. Isto é, não é a adesão formal de indivíduos a uma igreja que ele contemplava aí. Pascal provinha de uma família que abraçara o jansenismo, movimento católico dissidente, de moral e disciplina rigorosas, cujo conceito de predestinação e graça, aliás, é muito próximo daquele do calvinismo (mais sobre o jansenismo, clicar aqui). Em seu entendimento, trata-se o cristianismo de relação pessoal com o Altíssimo.
Feita essa necessária ressalva, não obstante, tem-se apontado que tal argumento incentiva a adoção oportunista da religião cristã apenas para se estar em consonância com a existência de Deus. Deus que, talvez, até tenha em melhor conta um ateu ou agnóstico sincero e de vida moral do que um semelhante apostador. De fato, a Bíblia é categórica: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Por outro lado, o conceito escriturístico de fé salvífica não se ajusta à ideia de aposta: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10.9). Por fim, falando em seu nome e no nome dos demais apóstolos, Pedro nos ensina qual a atitude que todo pecador que vem a Cristo salvificamente deve ter. Perguntado por esse sobre se queriam imitar a multidão e O deixarem, ele proferiu as palavras lapidares: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho de Deus” (João 6.68,69).
Porém, diga-se que mesmo entre os evangélicos há quem discorde disso e ainda julgue ser a aposta de Pascal uma estratégia apologética válida: confiraaqui.
Se é verdade que há controvérsias entre os teólogos reformados acerca do valor dos chamados argumentos teístas (e.g., Robert L. Reymond e Vincent Cheung concordam quanto a serem eles falaciosos, mas o último ainda vê utilidade no emprego deles), creio que, quanto a essa que é na verdade uma variante de tais argumentos, não devemos endossá-la de forma alguma: cliqueaqui para uma análise e discussão aprofundadas das insuperáveis dificuldades teológicas inerentes à chamada aposta de Pascal, bem como de seus riscos espirituais. Para uma refutação filosófica, recomendo este texto aqui, em inglês.
Numa era de crescente incredulidade e irreligiosidade como a nossa, a qual, além disso, é caracterizada por um pragmatismo exacerbado, eu não ficaria surpreso se surgissem pregadores e denominações inteiras passando a lançar mão de tal argumento em seus planos “evangelísticos”. Se a Deus aprouver que este meu modesto artigo sirva de esclarecimento e alerta sobre a matéria, será um motivo de especial gratidão minha a Ele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PASCAL, Blaise. Pensamentos. <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pascal.html>. Acessado em 14/02/2011.
REYMOND, Robert L. A New Systematic Theology of the Christian Faith.Nashville, EUA: Thomas Nelson Publishers, 1997. Págs. 131s.
CHEUNG, Vincent. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo, SP: Arte Editorial, 2008. Págs. 70ss.

Nota: Texto originalmente postado e disponível em "Polemista Reformado"

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