"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

25 julho 2008

O MAIOR DOM DO EVANGELHO: DEUS!












Por John Piper

Em nossos dias – como em cada geração – é impressionante observar o afastamento do conceito de Deus mesmo como o dom de amor todo-satisfatório. É impressionante como raramente o próprio Deus é proclamado como o maior dom do evangelho. No entanto, a Bíblia ensina que o melhor e mais importante dom do amor de Deus é o desfrutar da beleza dEle mesmo. Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo” (Sl 27.4). O melhor e mais importante dom do evangelho é ganharmos a Cristo. “Considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu SENHOR; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8). Este é o dom do amor de Deus, o dom que envolve todo o nosso ser e o recebemos por meio do evangelho: ver e experimentar o amor de Cristo para sempre.
Em lugar disto, temos transformado o amor de Deus e o evangelho de Cristo em uma aprovação divina de nosso deleite em coisas menos importantes, especialmente o deleite de sermos considerados importantes. O teste rigoroso do teocentrismo bíblico – e da fidelidade ao evangelho – é este: você se sente mais amado porque Deus o trata com muito valor ou porque, ao custo de seu Filho, Ele o capacita a regozijar-se em considera-lO importante para sempre? A sua felicidade depende de ver a cruz de Cristo como uma testemunha de como você é valioso ou como um meio de experimentar o quanto Deus é importante, para sempre? A glória de Deus em Cristo é o fundamento de sua felicidade?
Desde o primeiro pecado no Jardim do Éden até o Juízo Final, no Grande Trono Branco, os seres humanos continuarão a aceitar o amor de Deus como aquilo que nos dá tudo, exceto Ele mesmo. De fato, existem milhares de dádivas que fluem do amor de Deus. O evangelho de Cristo proclama as boas-novas de que Ele comprou, por meio de sua morte, inumeráveis bênçãos para sua noiva. Mas nenhuma destas dádivas nos levará ao gozo final, se não nos tiverem levado primeiramente a Deus. E nenhuma das bênçãos do evangelho será desfrutada por qualquer pessoa que não tenha o Senhor mesmo como a maior dádiva do evangelho.


O AMOR DIVINO É UMA APROVAÇÃO DA AUTO-ADMIRAÇÃO?
Uma triste realidade é que nossa cultura e nossas igrejas estão permeadas por uma visão de amor radicalmente centralizado no homem. Desde o tempo em que as crianças começam a dar os primeiros passos, lhes ensinamos que se sentir amado significa ser considerado muito importante. Temos construído todas as nossas filosofias de educação ao redor deste ponto de vista sobre o amor – currículos, habilidades paternais, estratégias de motivação, modelos terapêuticos e técnicas de negociação. A maioria das pessoas modernas dificilmente pode imaginar uma compreensão alternativa de sentir-se amado, exceto a de sentirem-se importantes. Se você não me trata como alguém importante, não está me amando.
Contudo, quando aplicamos a Deus esta definição de amor, ela enfraquece a dignidade dEle, minimiza a sua bondade e nos priva de nossa satisfação final. Se o desfrutar de Deus mesmo não é melhor e o mais sublime dom do amor, então, Deus não é o maior tesouro, o fato de Ele ter dado a Si mesmo não é a mais elevada expressão de misericórdia, o evangelho não é as boas-novas de que pecadores podem desfrutar de seu Criador, Cristo não sofreu para nos trazer de volta a Deus, e nossa alma precisa buscar algo além dEle para encontrar satisfação.
Esta distorção do amor divino em uma aprovação de auto-admiração é sutil. Introduz-se sorrateiramente em nossos atos religiosos. Alegamos que louvamos a Deus por causa de seu amor por nós. Mas, se o amor de Deus por nós é, na verdade, o fato de Ele nos considerar importantes, quem realmente está sendo adorado? Parece que estamos dispostos a ser pessoas centralizadas em Deus, enquanto Ele se mostrar centralizado no homem. Estamos dispostos a nos gloriarmos na cruz, contanto que a cruz seja um testemunho de quanto somos valiosos. Então, quem é a nossa glória e gozo?


O SUPREMO, O MELHOR, O FINAL E O DECISIVO BEM NO EVANGELHO
O evangelho de Jesus Cristo revela que esplendor é este. Paulo o chama de “a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2 Co 4.4). Dois versículos depois, ele o chama de “a glória de Deus, na face de Cristo” (v.6).
Quando afirmo que Deus é o Evangelho, estou dizendo que o supremo, o melhor, o final e o decisivo bem no evangelho, sem o qual nenhuma outra dádiva seria boa, é a glória e Deus na face de Cristo, revelada para nosso gozo eterno. O amor salvífico de Deus é o compromisso de Deus em fazer tudo que for necessário para nos cativar com aquilo que é mais profundo, durável e satisfatório, ou seja, Ele mesmo. Visto que somos pecadores e não temos qualquer direito nem desejo de ser cativados por Deus, o amor de Deus estabeleceu um plano de redenção para dar-nos esse direito e esse desejo. A suprema demonstração do amor de Deus foi o envio de seu Filho, para morrer por nossos pecados e ressuscitar, a fim de que pecadores tivessem o direito de se aproximarem de Deus e o prazer de sua presença para sempre.
Para que seja boas-novas, o evangelho tem de prover uma dádiva totalmente satisfatória e eterna que pecadores indignos possam receber e destrutar. Para que isso seja verdade, a dádiva precisa ser constituída de três elementos. Primeiro – a dádiva tem de ser comprada pelo sangue e pela justiça de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Os nossos pecados têm de ser cobertos; a ira de Deus contra nós, removida; e a justiça de Cristo, imputada a nós. Segundo – a dádiva tem de ser gratuita, não merecida. Não haveriam quaisquer boas-novas, se merecêssemos a dádiva, o dom do evangelho. Terceiro – a dádiva tem de ser o próprio Deus, acima de todas as suas outras dádivas.
Este livro seria entendido erroneamente, se fosse visto como uma minimização das batalhas que travamos em favor de uma compreensão bíblica dos caminhos e dos meios que Deus tem usado na consumação e aplicação da redenção. O fato de que este livro se concentra no infinito valor do alvo final do evangelho deve aumentar, em vez de diminuir, nossa determinação de não comprometer os grandes meios do evangelho usados por Deus para nos trazer até este momento.
O evangelho é as boas-novas de nosso gozo completo e final da glória de Deus na face de Cristo. O fato de que este gozo teve de ser comprado para os pecadores ao preço da vida de Cristo faz com que a glória dEle resplandeça intensamente. E o fato de que este gozo é um dom gratuito e imerecido faz com que a glória resplandeça ainda mais intensamente. Entretanto, o preço que Jesus pagou pelo dom e a gratuidade imerecida do dom não são o próprio Cristo, como a imagem gloriosa de Deus – visto e experimentado com gozo eterno.


VOCÊ SERIA FELIZ NO CÉU, SE CRISTO NÃO ESTIVESSE LÁ?
A pergunta crucial para nossa geração – e para cada geração – é esta: se você pudesse ter o céu, sem doenças, com todos os amigos que tinha na terra, com toda a comida que gostava, com todas as atividades relaxantes que já desfrutou, todas as belezas naturais que já contemplou, todos os prazeres físicos que já experimentou, nenhum conflito humano ou desastres naturais, ficaria satisfeito com o céu, se Cristo não estivesse lá?
E a pergunta para os líderes de igrejas é: pregamos, ensinamos e orientamos de tal modo que os crentes estejam preparados para ouvir esta pergunta e responder com um ressoante “Não”? Como entendemos o evangelho e o amor de Deus? Será que, juntamente com o mundo, temos deixado de ver o amor de Deus como a dádiva dEle mesmo para considerar este amor como um espelho que reflete aquilo que gostamos de ver? Temos apresentado o evangelho de maneira tal que o dom da glória de Deus na face de Cristo é secundário, em vez de central e essencial? Se temos feito isso, espero que este livro seja um instrumento de Deus para nos despertar, a fim de vermos o supremo valor e importância da “luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”. Espero que nossos ministérios tenham o mesmo ponto focal do ministério de John Owen, o grande escritor puritano do século XVII. Richard Daniels disse a respeito dele:
Havia um tema sobremodo importante para John Owen, o qual ele citava ampla e freqüentemente; e ao qual nos referimos como o ponto focal da teologia de Owen... ou seja, a doutrina que vemos no evangelho, por meio do Espírito Santo outorgado por Cristo, é a glória de Deus “na face de Cristo”, e por meio dessa doutrina somos transformados na imagem dEle.


AQUILO QUE O MUNDO MAIS NECESSITA
Quando celebramos o evangelho de Cristo e o amor de Deus, e enaltecemos o dom da salvação, devemos faze-lo de um modo que as pessoas vejam, por meio disso, o próprio Deus. Que os que ouvem, de nossos lábios, o evangelho, saibam que a salvação é o dom de ver e experimentar a glória de Cristo; e esse dom foi comprado com sangue. Creiam eles e digam: “Cristo é tudo!” Ou, usando as palavras do salmista: “Os que amam a tua salvação digam sempre: Deus seja magnificado!” (Sl 70.4). Não digam: “Magnificada seja a salvação!”, e sim: “Deus seja magnificado!”.
Que a igreja do Senhor Jesus confesse com intensidade crescente: “O SENHOR é a porção da minha herança e o meu cálice” (Sl 16.5); “Como suspira a corça pelas correntes da águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede Deus, do Deus vivo” (Sl 42.1,2); “Estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.8); “De um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23).
De nada mais o mundo necessita além de ver a dignidade de Cristo através de obras e palavras de seu povo, o qual foi atraído por Deus. Isso acontecerá quando a igreja despertar para a verdade de que o amor salvífico de Deus é o dom de Si mesmo e de que Deus mesmo é o evangelho.
Do livro, “Deus é o Evangelho”, Ed. Fiel

08 julho 2008

QUEM PRECISA DE SALVADOR?










Por Francis Schaeffer

Deus julgará não só o que se encontra publicado nas manchetes, mas todas as mais secretas coisas. Toda aquela boa gente. Todos aqueles que atiram pedras. Todos aqueles que escrevem os editoriais.
Mais uma vez é preciso recordar o contexto disso tudo. As pessoas dizem “Por que eu estou sob a ira de Deus? Será que Deus é justo em condenar-me?” E Deus diz: “você não consegue imaginar um bom motivo para estar sob a minha ira?” “ Ó homem”, (Rm 2.1), olhe bem para você. Será que isso não é justo (Rm 2.2-16)?
O julgamento será realizado por Deus, mas ele também será realizado “por meio de Jesus Cristo” (Rm 2.16), o juiz da humanidade. Isso poderia ser uma surpresa. Você certamente já encontrou pessoas que dizem: “Eu acredito em Deus, só não acredito em Jesus Cristo”. Mas a terrível verdade é que, quando homens e mulheres não salvos forem chamados para comparecer diante de Deus para julgamento e o encararem, eles só verão uma dentre as pessoas da Trindade como juiz, e esta será Jesus Cristo. Uma das expressões mais imponentes de toda Bíblia é a “ira do Cordeiro” (Ap 6.16). Em Romanos, Paulo fala da ira de Deus, mas em Apocalipse João se refere à ira do Cordeiro. A pessoa da Trindade que veio e muito sofreu para que as pessoas não tivessem mais de ser julgadas, será o seu juiz. A pessoa que tenta chegar-se a Deus sem passar por Jesus Cristo terá que estar face-a-face com Jesus no dia do julgamento. Certamente Jesus foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15); portanto, ele sabe muito bem o que é a tentação e ele compreende nossa humanidade. Mas isso não ameniza em nada a terrível verdade de que ele nos julgará. Jesus, o Salvador do mundo, será igualmente o seu juiz. “Não me envergonho do evangelho de Cristo”, diz Paulo. Mas agora ele acrescenta: Cristo é também o juiz. Não apenas não há outra forma de se chegar a Deus, a não ser por meio de Jesus Cristo, como o próprio Cristo declara (Jo 14.6), mas também que todos os que tentam, de alguma forma, pular esta etapa, não conseguirão, pois Jesus Cristo estará parado bem ali, na condição de juiz. Jesus diz: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Mas quando alguém diz: “Não quero ter nada a ver com você: posso muito bem comparecer diante de Deus diretamente, com as minhas próprias pernas, sem mediador, sem qualquer Messias sofredor”, isso seria como se estivesse tentando ascender diretamente aos céus, passando por cima desse Jesus Cristo. Acontece que não conseguirá fazer isso, porque lá está Jesus Cristo, o juiz. Ninguém que já tenha passado por essa vida foi capaz de escapar do relacionamento com Ele. De duas, uma: ou este relacionamento será o de salvação, conforme Paulo descreve em Rm 1.16, ou então será o relacionamento que ele descreve em 2.16 – o relacionamento de uma pessoa condenada e o seu juiz.
O profeta Miquéias disse “sofrerei a ira do SENHOR, porque pequei contra ele” (Mq 7.9). Jesus suportou a indignação do nosso pecado na cruz. Mas, se falhamos em aceitar isso, só nos resta o outro lado da equação – teremos de suportar a indignação do Senhor por nós mesmos.
Até mesmo as pessoas de hoje que se gabam por não acreditar em absolutamente nada certamente olham para outras pessoas com ar de superioridade e as condenam. Mas Paulo está nos mostrando que o pecado é universal. Todos nós nos apresentamos condenáveis diante de Deus. Nenhum de nós pode ser arrogante por causa de alguma “montanha sagrada”(Nota: o autor alude ao versículo de Sofonias 3.11) que possamos reivindicar. Qualquer coisa que seja um motivo para nos tornar mais soberbos não passará de mais uma razão para julgamento ainda maior.
Paulo declarou que tanto os gentios quanto os judeus de seus dias estavam sob a ira de Deus. Em Rm 3.9-20 ele dirá a mesma coisa, em maiores detalhes, chegando ao ponto mais alto com esta conclusão tão citada: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”(Rm 3.23), que é uma outra forma de dizer que “todos estão sob a ira de Deus”. Ou como em Isaías: “Todos nós andávamos desgarrados com ovelhas” (Is 53.6). Quem precisa de Salvador? O gentio pecou; o judeu pecou. O homem sem a Bíblia pecou; o homem com a Bíblia pecou. Quem precisa do Salvador? A resposta nos parece agora bastante simples, não é? Todo mundo, homens e mulheres, precisam do Salvador! E, se quisermos viver no mundo como ele é, e não em algum mundo de faz de conta, teremos de vir sob estas condições. Quando as pessoas nos perguntam: “Quem precisa de Salvador?”, devemos responder muito calmamente, muito sobriamente, e com real compaixão que “todos pecaram e carecem da glória de Deus”.
Quando consideramos que Paulo estava falando de todos os judeus e de todos os gentios como sendo pessoas igualmente pecadoras aos olhos de Deus, é importante que nós, os cristãos de hoje, não olhemos para trás, para os leitores do primeiro século, como se nos encontrássemos acima deles. Como Paulo nos lembra em Efésios 2.3, nós “éramos por natureza filhos da ira”, não passávamos do pior e mais desnorteado tipo de pecador. Todos nós temos estado sob a ira de Deus. Se tivermos aceitado Cristo como nosso Salvador, a ira de Deus já não estará mais sobre nós. Mas isso não se deve a alguma coisa de nós mesmos, alguma coisa que esteja embutida em nossa herança genética, ou em nossa cultura cristã. Se não estamos sob a ira de Deus neste preciso momento, isso se deve tão somente ao fato de que, devido à sua graça, Cristo morreu por nós e, igualmente pela sua graça, nós o aceitamos como Salvador. Não podemos supor termos sido resgatados graças à bondade inerente de qualquer um que ainda se encontra sob a ira de Deus. Sempre que analisamos a ira de Deus contra o mundo pecaminoso, a postura certa é a que diz: “Eu já estive nesta posição eu mesmo, e lá eu mereceria estar, se não fosse a obra consumada de Jesus Cristo”. É somente no espírito desta humilde constatação que ousamos prosseguir com nosso estudo de Romanos.
Pense em todas as vantagens que temos no norte da Europa e América do Norte. A possibilidade de comprar uma Bíblia em qualquer loja da esquina. Uma literatura cheia de referências à Bíblia. Se os judeus foram condenados por não terem crido, apesar de todas suas vantagens, o que Deus não teria a dizer sobre as nações “Cristãs” de hoje? Se os judeus tiveram alguma vantagem, quanto maior é a nossa! Se Deus condenou os judeus por sua falta de resposta adequada, que tenha misericórdia de nós!
Nós que temos a Bíblia hoje somos ainda mais condenáveis do que as pessoas de hoje que não têm a Bíblia – que se limitam ao testemunho da sua consciência. Mas nós também somos mais condenáveis do que aqueles que tinham a Bíblia nos dias de Paulo. Ter todas estas vantagens e não crer, ter estas vantagens e se desviar de Deus, ter estas vantagens e ainda assim dar motivo para que o nome do Deus vivo seja blasfemado. Que desculpa podemos ter? De que jeito imaginamos escapar disso? Se os jovens de qualquer lugar nas nossas universidades, e só o que aprendem é como serem mais pretensiosos e mais ateístas, deveríamos ficar surpresos quando Deus olha para nós e diz: “Vocês estão debaixo da minha ira!”?
Se há algum povo por toda a história que desesperadamente necessitou do Salvador, este povo somos nós mesmos, a nossa cristandade ocidental dos dias de hoje.
Do livro “A Obra Consumada de Cristo”, Ed. Cultura Cristã.

04 julho 2008

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE










Por Celso Sousa*

I. INTRODUÇÃO
No início do século XX, a partir das grandes guerras que assolaram as grandes potências, surge no cenário internacional respostas ao fracasso da razão e a crise do sistema religioso.
Em busca dessas respostas, houve um acentuado aumento da especulação no sistema teológico, tais como as teologias 'do Processo', 'da Esperança', 'da Morte de Deus', 'da Libertação”, dentre outras.
O surgimento de fragmentos teológicos sem controle, gerou diversidade no foco, objetivo e propósito da exposição da Palavra de Deus. Tais focos não são mais os mesmos que a história do cristianismo ou a teologia bíblica propôs ao longo da sua trajetória: Deus, o mundo imaterial, eternidade, Cristo, salvação. Agora, isso não é mais o cerne da mensagem cristã e sim os desejos e vontades humanas, aquilo que é palpável. A satisfação espiritual e eterna de um relacionamento com Deus foi trocada pelo aqui e o agora. Deus que era o centro passou a ser a periferia. O homem que era periferia para si mesmo passou a ser o centro.
Toda forma de doutrina estranha, não leva em conta os fundamentos lançados pelos seus fundadores.
Pretendemos analisar e contrapor os ensinos da mensagem pregada pelo Apóstolo Paulo, especialmente em Atos 17:15-31, com os ensinos da teologia da Prosperidade. Para tanto, buscaremos as bases históricas dessas teologias.
Queremos por meio de uma hermenêutica sadia analisar, à luz da Bíblia, os principais argumentos.
O autor tem como princípio de análise não a parcialidade, mas o envolvimento espiritual e intelectual, visando lançar luz sobre o assunto proposto.


II. TEOLOGIA PREGADA POR PAULO X TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Teologia da Mensagem Paulina
1) Público Alvo: Filósofos estóicos e epicureus - gentios.(18)
2) Base Teológica: Cristo Ressurreto.(31)
3) Como Deus é visto: Criador, sustentador, soberano.(24-25)
4) Deus em Si: Auto-suficiente.(25)
5) Alvo da mensagem: A necessidade humana da salvação divina.(30-31)
6) Necessidade humana: Vida espiritual.(30)
7) Essência da mensagem: Teocêntrica.(24-31)
8) Atitude Necessária: Arrependimento.(30)
9) O homem: Servo.


Teologia da Mensagem da Prosperidade
1) Público Alvo: Pessoas necessitadas, carentes em diversas áreas - 'Os excluídos'.
2) Base Teológica: Os filhos de Deus devem ser prósperos.
3) Como Deus é visto: Negociador
4) Deus em Si: Servo dos desejos humanos.
5) Alvo da mensagem: Desejos e caprichos humanos.
6) Necessidade humana: Vida material.
7) Essência da mensagem: Antropocêntrica.
8) Aitutde Necessária: '...tomar posse...'.
9) O homem: Sócio.


III. PÚBLICO ALVO DA TEOLOGIA PREGADA POR PAULO EM ATENAS - ATOS 17:15-31
O apóstolo Paulo era um homem de grande eloqüência, e detentor de grande conhecimento em sua época. Estudou com o Mestre Gamaliel, um dos mais respeitados de sua época.
Após uma experiência no caminho de Damasco, ele afirma ter visto o Cristo ressurreto. E que daquele momento em diante seria o portador de Sua mensagem, que afirma ele, recebeu do próprio Senhor Jesus Cristo.
Paulo, denominado apóstolo de Cristo, passou a ser um pregador itinerante, pregando o Cristo ressuscitado e a necessidade humana desse Cristo. Ele enfatiza o ministério, morte, ressurreição e ascensão desse Cristo.
Em atos 17:15-31, Paulo tem como ouvinte os gentios, principalmente, os filósofos epicureus e estóicos.
Os epicureus não estavam interessados com as questões metafísicas e sim em a matéria em movimento: o átomo. Seu fundador, Epicuro (300 a.c), foi quem criou o sistema religioso: o deísmo. Doutrina essa que afirma que Deus criou tudo, mas que não interfere na nossa realidade. Deus 'deu a corda no relógio', este não precisa mais do relojoeiro. Essa escola filosófica tem como base o prazer intelectual, a “gnôsis”. Sendo portando esses filósofos contrários ao ensino da teologia pregada pelo apostolo Paulo.
Os estóicos, por sua vez, tem como fundador Zenão. Dentro da realidade imaterial, metafísica, os estóicos acreditavam no determinismo dos eventos históricos. O homem só é realmente livre para aceitar o seu destino. Tem como sistema de pensamento o Panteísmo: Deus está em tudo e tudo é Deus. 'O mundo é o corpo de Deus e Deus é a alma do mundo'.¹
Sendo esse povo gentio, mais especificamente de Atenas, o apostolo Paulo direciona a mensagem do evangelho a um público que tinha como anseio o conhecimento puro e simples. O modo de pensar e os costumes eram obstáculos que precisavam ser transpostos sem deixar de lado a mensagem do Cristo Ressurreto, que era escândalo e loucura para seus ouvintes.
¹ R.N.Champlin.Teologia e Filosofia.Agnos.Vol. 2. pág.448.


IV. PÚBLICO ALVO DA MENSAGEM DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Com o fracasso do racionalismo e a crise do sistema capitalista no tocante a resolver os problemas econômicos, sociais, existenciais e de identidade do ser humano, a volta à religião tornou-se uma constante.
Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que existem duas vertentes históricas para o crescimento da teologia da prosperidade: O pentecostalismo e as seitas metafísicas.
Embora o pentecostalismo não seja o que gerou tal doutrina mas, serviu de refúgio durante muitos anos. Dentro dessa vertente cristã, a grande abertura para visões e revelações longe da Palavra já revelada na Bíblia, dá suporte à nova doutrina, cujos fundadores alegam ter recebido do próprio Cristo.
As seitas metafísicas que influenciaram a teologia da prosperidade, enfatizam a “confissão positiva”. Hoje não conhecemos essas seitas como antes, mas um modelo visível delas hoje é os ensinos da Nova Era (McConell, 1988).
Segundo a teologia da prosperidade, é inconcebível que os 'filhos do Rei' vivam na pobreza ou que sofram de algum mal físico. Esse argumento revela uma influência das seitas que pregam que o espírito domina sobre o corpo, logo, se somos filhos, nosso espírito precisa se portar de modo que nada de mal ocorra com o corpo.
Veja o que o marketing da teologia da prosperidade enfatiza:
Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras, depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento destruído, desunião na família, vícios (cocaína, crack, álcool, etc.), doenças incuráveis (câncer, aids, etc.), dores constantes (de cabeça, coluna e pernas), insônia, desejos homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos, ouve vozes, tem pesadelos, foi vítima de bruxaria, macumba, inveja, olha grande), má sorte no amor, desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, temos a solução para você! (Ultimato de 93,14).
Portanto, essa teologia surge como um auxílio aos pobres, necessitados e excluídos, que por estarem à margem da sociedade, precisam de uma mensagem que resgate seu senso de valor. Além disso, tem um forte apelo às necessidades vitais e anseios do homem. Talvez esteja aí a resposta para tanta popularidade.

V. BASES E ENSINO BÍBLICO DA TEOLOGIA PREGADA POR PAULO EM ATENAS - ATOS 17:15-31
Paulo, denominado apóstolo aos gentios, tinha a possibilidade e a competência de transformar seus ensinos em pura filosofia diante dos filósofos atenienses. No entanto, ele não teve essa pretensão diante de seus contemporâneos. Por mais que a vontade do povo grego fosse ouvir mais um pouco sobre filosofia, Paulo resolve pregar simplesmente a mensagem Cristã: Cristo ressuscitado e glorificado. Ao optar por esse viés ele não despreza os seus ouvintes e nem enfraquece o seu discurso, mas lança mão da cultura da época para explica-lhes o Caminho.
Apresentando Deus como Senhor sobre todas as coisas, e o Deus que criou tudo que existe, o apóstolo expõe que esse mesmo Deus se importa com a criação e foi por isso que Ele enviou um varão que morreu e ressuscitou dentre os mortos (teísmo x deísmo). Isso para os epicureus e estóicos era quase que inconcebível, pois, como um Deus pode se importar com a criação?
Vemos que a mensagem pregada em Atos 17:15-31, não perde a sua essência, mas que com sua simplicidade alcança novos solos e culturas, levando a necessidade vital à vida: o arrependimento. Olhando por esse prisma Deus e somente Ele se torna Senhor e o homem servo. Esse era o interesse de Paulo, mostrar que sem arrependimento e o reconhecimento de uma instância superior, eles, os gregos, ficariam nas trevas da idolatria.
E importante ressaltar que a mensagem pregada não é um sincretismo religioso, ou um discurso aos desejos humanos, mas às suas necessidades.
O apóstolo lança mão da cultura da Grécia para expor o Cristo puro e simples, não vacilando em colocar Deus como o centro da sua mensagem, sendo Ele mesmo o Auto-suficiente e soberano sobre tudo e todos.

VI. BASES E ENSINOS DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Ao contrario de alguns outros sistemas que prometem muito aos seus associados, mas, exigem um alto preço e renúncia de algumas coisas, ou até mesmo de sua própria vida (marxismo), a teologia da prosperidade é um apelo à ascensão fácil e rápida para quem quer ser alguma coisa no “mundo do ter”. Basta apenas que o seu 'associado' seja fiel e que suas doações sejam generosas na hora de colocar a mão no bolso. Como vimos acima (o caráter de seu publico alvo), não fica difícil saber o porquê de tamanho progresso desta doutrina.
A teologia da prosperidade tem um eixo que queremos analisar aqui. Trata-se de um tripé que consegue ser visível na contemporaneidade, e que foi fundamental para alcançar as mentes e os desejos do homem pós-moderno.
O primeiro eixo é a autoridade espiritual da mensagem. Para Hagin (um dos fundadores do movimento nos Estados Unidos, na sua forma embrionária), ele recebeu do Senhor varias revelações, chegando mesmo a ir ao céu e ao inferno por várias vezes. Em uma delas, o próprio Cristo revelou-lhe o segredo da fé contido em Marcos 11:23,24:
'(...) A essência dessa revelação era que, para obter resultados da parte de Deus, o fiel deve confessar em voz alta seus pedidos e nunca duvidar de que tenham sido respondidos, mesmo que as evidencias físicas não indiquem que a oração não tenha sido respondida. Uma vez feita à oração, o fiel deve afirmar constantemente a resposta, até que surja a prova (...)'
A autoridade espiritual, na teologia da prosperidade, fica centralizada entre 'os esclarecidos', enquanto a maioria da massa apenas ouve o líder cegamente. Sua autoridade não pode ser colocada em suspeita ou ser questionada, pois seria o mesmo que questionar a Deus.
Em segundo lugar, essa forma de 'evangelho' enfatiza em demasia as promessas de saúde e riqueza. Afirmam que 'se somos filhos, devemos ser prósperos'. Nessa forma de coerção dos desejos humanos, o homem precisa exigir seu direito de filho, porque o direito faz parte da promessa. Logo, Deus passa a ser escravo dos desejos humanos.
Ainda é proposta pela teologia da prosperidade, uma forma de pacto com Deus. Ele fará prosperar os caminhos do homem para que esse glorifique-O. Deus é colocado apenas como um banqueiro que precisa subornar o homem para que este o glorifique. Essa forma de relação tira a auto-suficiência do EU SOU, e dá ao homem todo poder.
Como se pode perceber, a ênfase é o antropocentrismo. Os caprichos humanos são colocados em relevo sobre o Ser divino. Jeová é colocado como sócio e o homem como aquele que pode, por meio de pressão ou chantagem (oração, jejum etc.), barganhar, e tirar proveito do Criador.
Em terceiro lugar, essa teologia é baseada no método da confissão positiva. Segundo Barnett, a 'confissão positiva' pode ser dividida em três partes: conhecimento, fé e confissão propriamente dita.
É preciso conhecer os direitos que Deus deu ao homem. A Bíblia é um contrato que Deus assinou e tem de cumprir. Trato é trato. Os filhos só sofrem porque não conhecem os seus direitos para poder exigir de Deus. A fé é o elemento que faz com que as coisas aconteçam, sendo exercitada cada vez mais pelo desafio aos seus fiéis, para que contribua com grandes somas de bens materiais para a igreja.
O outro aspecto é a confissão do que se crê. Para os teólogos da prosperidade, com a firmeza com que se acredita, deve-se confessar para que aconteça. Fica implícito, nessa teologia de auto-ajuda, que é o pensamento que materializa as coisas, já que Deus se transforma em servo.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o leitor atento, o pesquisador coerente, e o religioso fiel, ficou evidente, ao longo dessa pesquisa, que a Teologia da Prosperidade não passa de conceitos de “palhas”, como disse Lutero sobre os livros que não tinham nenhuma relevância teológica em sua época; podemos aplicar isso, atualmente, à teologia que retira o mérito de Deus e glorifica o homem (não como fato, mas como tentativa frustrada).
A teologia da prosperidade lança ao esquecimento a historia do cristianismo e o desenvolvimento da história da teologia. Além disso, parte da premissa de que a Bíblia é o manual em que aprendemos as promessas de Deus para assim pressioná-lO o quanto bem entendemos, a fim de realizar os nosso desejos.
Essa forma de fazer teologia tem simplesmente obscurecido as mentes e mutilado as almas que buscam uma solução efetiva para os seus problemas.
Ao contrario, a velha e boa mensagem do Evangelho de Cristo está sendo alardeada em alguns púlpitos nesse século XXI.
É inegável que a mensagem de Cristo, cujo fundamento é a Bíblia Sagrada e a tradição apostólica, é muito superior a Teologia da Prosperidade. Além disso, essa é permeada de engodos e desvios da Verdade. Enquanto aquela é e sempre será a verdadeira Esperança do homem caído.

* O autor é aluno da Faculdade Batista de Teologia em BH.

01 julho 2008

QUEREM TIRAR A GLÓRIA DE CRISTO!

Por Martyn Lloyd-Jones

“Que são os israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém” – Romanos 9:4-5.

O famoso comentário escrito por Sanday e Headlam diz concretamente que provavelmente esta declaração tem sido mais discutida que qualquer outro versículo de todo o Novo Testamento. Por que há de ser assim? A controvérsia surgiu desta maneira: para começar, a dificuldade de alguns é com a expressão “sobre todos”, por isso vamos examiná-la primeiro. Que é que a palavra TODOS significa aqui? Literalmente significa tudo. Não devemos limitar o seu sentido a todas as pessoas, nem a um certo número de pessoas; significa sobre o céu e a terra, o mar, o inferno, tudo – sobre todas as coisas do universo inteiro e de todo o cosmos. Depois a questão é: a quem se refere? Quem “é sobre todos, Deus bendito eternamente”? Há aqueles que dizem que é o Senhor Jesus Cristo, enquanto outros sustentam que é Deus o Pai.
Pois bem, é importante examinar isso porque vivemos numa época em que se vendem muitas traduções diferentes da Bíblia, e as pessoas, em sua inocência, as compram, muitas vezes sem perceber o que estão fazendo. Assim, essa é uma das razões pelas quais eu chamo a atenção de vocês para isso e para que tratemos disso exaustivamente, para vermos o que essas traduções têm para dizer a respeito. Vivemos também numa época na qual há uma tendência marcante e notoriamente demoníaca para desacreditar a glória do Filho de Deus, privá-lO da Sua deidade singular, e reduzi-lO ao nível e à medida da humanidade. Essa tendência começou no fim do séc. XIX e avançou pelo século XX afora.
Além do que, estamos vivendo dias em que toda espécie e todos os tipos de “religiões” se propagam, vendedores pérfidos vindo à nossa porta para venderem os seus livros, parecendo crentes na Bíblia e aparentemente conhecendo as Escrituras.
Pois bem, a Versão Autorizada* diz: E de quem veio Cristo segundo a carne, que é sobre todos, Deus bendito para sempre. Amém”. Isso está bem claro, não está? Ela fala o tempo todo sobre o Senhor Jesus Cristo. Que dizer da Versão Revista (inglesa)? É igual, vejamos a Nova Bíblia Inglesa. Ela não descreve Cristo como DEUS BENDITO PARA SEMPRE. Não, aqui está essa tradução: “deles, por descendência natural, procedeu o Messias. Que Deus, supremo acima de todos, seja bendito para sempre!”. Vocês enxergam o que isso significa? Esse é o Pai – não o Filho. Aí está a diferença, e vocês podem ver por que estou chamando a sua atenção para isso. “A Nova Bíblia Inglesa” – as pessoas dizem – “magnífica, maravilhosa, todo o mundo pode entendê-la! Aí está o livro que se deve comprar, aí está a Bíblia que se deve ler, nenhuma das dificuldades que se têm na Versão Autorizada; aí a temos numa linguagem que podemos entender”. Exatamente! Essa é a isca, mas aí está o anzol – ocultando, ou melhor, privando o Filho de Deus deste título e desta glória.
Como isso tudo começou? As pessoas que realmente começaram isso foram os tradutores da Versão Revista (RV); foram eles os primeiros a introduzir isso nesta questão de traduções. Originariamente começou, é claro, com o movimento da “alta crítica”* na teologia da Alemanha desde 1840, aproximadamente, porém apareceu em traduções, aberta e popularmente, primeiro com a publicação da Versão Revista. Isso porque, embora a Versão Revista traduza no texto a frase corretamente, também inclui notas de rodapé – “traduções alternativas” – e foi ali que toda essa questão começou. Ela oferece três traduções alternativas:
1) “e de quem Cristo veio segundo a carne. Ele, que é Deus sobre todos, seja bendito para sempre”.
2) “e de quem Cristo veio segundo a carne. Ele, que é sobre todos, é Deus bendito para sempre”.
3) “de quem Cristo veio concernente à carne, o qual é sobre todos. Deus seja bendito para sempre”.
Noutras palavras, nesta terceira tradução os tradutores concedem que Cristo é sobre todos, mas depois colocam ponto final, seguido da frase “Deus seja bendito para sempre”.
Assim, em cada uma das três possibilidades, vocês podem notar, essa condição de “bendito” é atribuída, como doxologia, a Deus o Pai e é abstraída de Deus o Filho.
E então, que dizer da Versão Revista Padrão (RSV) da América, que desde o fim da segunda guerra mundial tem sido muito popular e tem sido vendida tão amplamente? Eis como ela traduz a referida frase: “e da raça deles, segundo a carne, é o Cristo. Deus, que é sobre todos, seja bendito para sempre”. É de novo a mesma coisa, e também assim é na tradução de Moffat.
Há ainda outra tradução, e lamento ter que apresentá-la, mas sou constrangido a fazê-lo. O mestre prudente deve advertir as pessoas contra erros, e contra perigos e heresias. As Escrituras são claras sobre isso, e o pastor que não protege o seu rebanho e não procura os interesses do seu rebanho nem procura adverti-lo dos perigos é um mercenário, e não merece o nome de pastor.
E, pois, meu dever chamar a atenção para isso. No último estudo referi-me ao Dr. William Barclay, professor na Universidade de Glasgow, e novamente o menciono porque muitos evangélicos o consideram confiável. O Dr. Barclay é um especialista em lingüística, e é muito bom quanto ao sentido das palavras. Mas você pode ser muito bom quanto ao sentido das palavras, e ainda assim descaracterizar a verdade. Há diferença entre perito em lingüística e um bom teólogo. Há muitos que são muito bons sobre a mecânica das Escrituras e que não entendem o seu ensino, e o prof. Barclay é adepto declarado da “Alta Crítica” das Escrituras. Ele não crê na doutrina da expiação como os evangélicos crêem: ele é universalista e diz que todos serão salvos. E em seu comentário sobre a Epístola aos Romanos ele traduz esta passagem nestes termos: “e deles, em Seu lado humano, veio o ungido de Deus. Bendito para sempre seja o Deus que é sobre todos. Amém” Ele deixa a questão aí; contudo o seu significado é claro e evidente.
Outra tradução, a do ex-prof. do Novo Testamento em Oxford e Cambridge, C. H. Dodd, autor de um comentário sobre Romanos, com alto índice de venda popular. Como ele a traduz? “Deles é o Deus que é acima de todos bendito para sempre”. Essa tradução liquida com o nosso Senhor, vocês vêem! Ele forma da frase uma nova sentença, mantendo também essa mesma idéia. Mas ele tenta dar uma explicação do motivo pelo qual o apóstolo introduziu de repente esta doxologia, esta atribuição de louvor a Deus e desta proclamação dEle como bendito: “Movido pela idéia do imensurável favor de Deus para com o Seu povo, Paulo irrompe numa ação de louvor votado a Ele”. Portanto, Dodd não somente traduz dessa forma o texto, mas também procura justificar a sua nova tradução.
Por que será que toda essa gente se opõe à tradução da Versão Autorizada? Eis a resposta – de novo citando o Dr. Dodd – “uma tão direta aplicação do termo DEUS a Cristo seria única nos escritos de Paulo; mesmo atribuindo a Cristo funções e dignidades coerentes com nada menos do que a deidade, ainda assim ele evita chamá-lO categoricamente ‘Deus’”. Essa é a razão dada pelo prof. Dodd, e por isso ele diz que devemos mudar essa tradução (da V.A)*.
Por que é importante? Por que demorar nisso? Por que dar resposta a todas essas traduções alternativas? Por que defender a Versão Autorizada, e como fazer isso? Responderemos a essas perguntas em nosso próximo estudo.
Estamos vivendo dias de frouxidão e de debilidade em que as pessoas geralmente dizem: “Que importância têm estas coisas? Todos nós juntos somos cristãos, trabalhemos juntos. Introduzamos entre nós até Roma, sim. Que importa, contanto que todos nós sejamos contra o comunismo?”! Vivemos nesse tipo de clima de opinião e atmosfera, e algumas das verdade mais preciosas estão sendo negociadas, e muitas vezes por pura ignorância da parte do povo de Deus, por não conhecer e não perceber a sutileza.
Por conseguinte, continuemos protestando e sustentando a verdade, enquanto Deus nos der fôlego e energia. Digam os homens e as mulheres o que disserem, não podemos calar-nos enquanto, de diversas maneiras, como essa, eles tentam tirar do nosso bendito Senhor algumas das Suas prerrogativas eternas.

*Nota: 1- A Alta Crítica tem como o maior dos seus pecados, não acreditar na inerrância da Bíblia, na sua inspiração divina, na sua infalibilidade, portanto, analisam-na como um outro livro qualquer (traduções como a ARA, NVI, Almeida Séc. XXI, NTLH, Almeida Melhores Textos e tantas outras que proliferam nas prateleiras das livrarias evangélicas se baseiam nas “traduções” da Alta Crítica.
2- Versão Autorizada é a KJV, ou Versão do Rei Tiago, cuja tradução em português é a ACF (Almeida Corrigida e Fiel) publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.
3- O Dr. Lloyd-Jones aponta várias passagens nas cartas do apóstolo Paulo nas quais ele afirma que o Senhor Jesus é Deus (comentando-as no cap. 7, de sua Exposição de Romanos 9).

Do livro Exposição sobre o Capítulo 9 de Romanos: O Soberano Propósito de Deus - Ed. PES, pg 97 a 102