Por John Piper
Em nossos dias – como em cada geração – é impressionante observar o afastamento do conceito de Deus mesmo como o dom de amor todo-satisfatório. É impressionante como raramente o próprio Deus é proclamado como o maior dom do evangelho. No entanto, a Bíblia ensina que o melhor e mais importante dom do amor de Deus é o desfrutar da beleza dEle mesmo. “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo” (Sl 27.4). O melhor e mais importante dom do evangelho é ganharmos a Cristo. “Considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu SENHOR; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8). Este é o dom do amor de Deus, o dom que envolve todo o nosso ser e o recebemos por meio do evangelho: ver e experimentar o amor de Cristo para sempre.
Em lugar disto, temos transformado o amor de Deus e o evangelho de Cristo em uma aprovação divina de nosso deleite em coisas menos importantes, especialmente o deleite de sermos considerados importantes. O teste rigoroso do teocentrismo bíblico – e da fidelidade ao evangelho – é este: você se sente mais amado porque Deus o trata com muito valor ou porque, ao custo de seu Filho, Ele o capacita a regozijar-se em considera-lO importante para sempre? A sua felicidade depende de ver a cruz de Cristo como uma testemunha de como você é valioso ou como um meio de experimentar o quanto Deus é importante, para sempre? A glória de Deus em Cristo é o fundamento de sua felicidade?
Desde o primeiro pecado no Jardim do Éden até o Juízo Final, no Grande Trono Branco, os seres humanos continuarão a aceitar o amor de Deus como aquilo que nos dá tudo, exceto Ele mesmo. De fato, existem milhares de dádivas que fluem do amor de Deus. O evangelho de Cristo proclama as boas-novas de que Ele comprou, por meio de sua morte, inumeráveis bênçãos para sua noiva. Mas nenhuma destas dádivas nos levará ao gozo final, se não nos tiverem levado primeiramente a Deus. E nenhuma das bênçãos do evangelho será desfrutada por qualquer pessoa que não tenha o Senhor mesmo como a maior dádiva do evangelho.
O AMOR DIVINO É UMA APROVAÇÃO DA AUTO-ADMIRAÇÃO?
Uma triste realidade é que nossa cultura e nossas igrejas estão permeadas por uma visão de amor radicalmente centralizado no homem. Desde o tempo em que as crianças começam a dar os primeiros passos, lhes ensinamos que se sentir amado significa ser considerado muito importante. Temos construído todas as nossas filosofias de educação ao redor deste ponto de vista sobre o amor – currículos, habilidades paternais, estratégias de motivação, modelos terapêuticos e técnicas de negociação. A maioria das pessoas modernas dificilmente pode imaginar uma compreensão alternativa de sentir-se amado, exceto a de sentirem-se importantes. Se você não me trata como alguém importante, não está me amando.
Contudo, quando aplicamos a Deus esta definição de amor, ela enfraquece a dignidade dEle, minimiza a sua bondade e nos priva de nossa satisfação final. Se o desfrutar de Deus mesmo não é melhor e o mais sublime dom do amor, então, Deus não é o maior tesouro, o fato de Ele ter dado a Si mesmo não é a mais elevada expressão de misericórdia, o evangelho não é as boas-novas de que pecadores podem desfrutar de seu Criador, Cristo não sofreu para nos trazer de volta a Deus, e nossa alma precisa buscar algo além dEle para encontrar satisfação.
Esta distorção do amor divino em uma aprovação de auto-admiração é sutil. Introduz-se sorrateiramente em nossos atos religiosos. Alegamos que louvamos a Deus por causa de seu amor por nós. Mas, se o amor de Deus por nós é, na verdade, o fato de Ele nos considerar importantes, quem realmente está sendo adorado? Parece que estamos dispostos a ser pessoas centralizadas em Deus, enquanto Ele se mostrar centralizado no homem. Estamos dispostos a nos gloriarmos na cruz, contanto que a cruz seja um testemunho de quanto somos valiosos. Então, quem é a nossa glória e gozo?
O SUPREMO, O MELHOR, O FINAL E O DECISIVO BEM NO EVANGELHO
O evangelho de Jesus Cristo revela que esplendor é este. Paulo o chama de “a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2 Co 4.4). Dois versículos depois, ele o chama de “a glória de Deus, na face de Cristo” (v.6).
Quando afirmo que Deus é o Evangelho, estou dizendo que o supremo, o melhor, o final e o decisivo bem no evangelho, sem o qual nenhuma outra dádiva seria boa, é a glória e Deus na face de Cristo, revelada para nosso gozo eterno. O amor salvífico de Deus é o compromisso de Deus em fazer tudo que for necessário para nos cativar com aquilo que é mais profundo, durável e satisfatório, ou seja, Ele mesmo. Visto que somos pecadores e não temos qualquer direito nem desejo de ser cativados por Deus, o amor de Deus estabeleceu um plano de redenção para dar-nos esse direito e esse desejo. A suprema demonstração do amor de Deus foi o envio de seu Filho, para morrer por nossos pecados e ressuscitar, a fim de que pecadores tivessem o direito de se aproximarem de Deus e o prazer de sua presença para sempre.
Para que seja boas-novas, o evangelho tem de prover uma dádiva totalmente satisfatória e eterna que pecadores indignos possam receber e destrutar. Para que isso seja verdade, a dádiva precisa ser constituída de três elementos. Primeiro – a dádiva tem de ser comprada pelo sangue e pela justiça de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Os nossos pecados têm de ser cobertos; a ira de Deus contra nós, removida; e a justiça de Cristo, imputada a nós. Segundo – a dádiva tem de ser gratuita, não merecida. Não haveriam quaisquer boas-novas, se merecêssemos a dádiva, o dom do evangelho. Terceiro – a dádiva tem de ser o próprio Deus, acima de todas as suas outras dádivas.
Este livro seria entendido erroneamente, se fosse visto como uma minimização das batalhas que travamos em favor de uma compreensão bíblica dos caminhos e dos meios que Deus tem usado na consumação e aplicação da redenção. O fato de que este livro se concentra no infinito valor do alvo final do evangelho deve aumentar, em vez de diminuir, nossa determinação de não comprometer os grandes meios do evangelho usados por Deus para nos trazer até este momento.
O evangelho é as boas-novas de nosso gozo completo e final da glória de Deus na face de Cristo. O fato de que este gozo teve de ser comprado para os pecadores ao preço da vida de Cristo faz com que a glória dEle resplandeça intensamente. E o fato de que este gozo é um dom gratuito e imerecido faz com que a glória resplandeça ainda mais intensamente. Entretanto, o preço que Jesus pagou pelo dom e a gratuidade imerecida do dom não são o próprio Cristo, como a imagem gloriosa de Deus – visto e experimentado com gozo eterno.
VOCÊ SERIA FELIZ NO CÉU, SE CRISTO NÃO ESTIVESSE LÁ?
A pergunta crucial para nossa geração – e para cada geração – é esta: se você pudesse ter o céu, sem doenças, com todos os amigos que tinha na terra, com toda a comida que gostava, com todas as atividades relaxantes que já desfrutou, todas as belezas naturais que já contemplou, todos os prazeres físicos que já experimentou, nenhum conflito humano ou desastres naturais, ficaria satisfeito com o céu, se Cristo não estivesse lá?
E a pergunta para os líderes de igrejas é: pregamos, ensinamos e orientamos de tal modo que os crentes estejam preparados para ouvir esta pergunta e responder com um ressoante “Não”? Como entendemos o evangelho e o amor de Deus? Será que, juntamente com o mundo, temos deixado de ver o amor de Deus como a dádiva dEle mesmo para considerar este amor como um espelho que reflete aquilo que gostamos de ver? Temos apresentado o evangelho de maneira tal que o dom da glória de Deus na face de Cristo é secundário, em vez de central e essencial? Se temos feito isso, espero que este livro seja um instrumento de Deus para nos despertar, a fim de vermos o supremo valor e importância da “luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”. Espero que nossos ministérios tenham o mesmo ponto focal do ministério de John Owen, o grande escritor puritano do século XVII. Richard Daniels disse a respeito dele:
Havia um tema sobremodo importante para John Owen, o qual ele citava ampla e freqüentemente; e ao qual nos referimos como o ponto focal da teologia de Owen... ou seja, a doutrina que vemos no evangelho, por meio do Espírito Santo outorgado por Cristo, é a glória de Deus “na face de Cristo”, e por meio dessa doutrina somos transformados na imagem dEle.
AQUILO QUE O MUNDO MAIS NECESSITA
Quando celebramos o evangelho de Cristo e o amor de Deus, e enaltecemos o dom da salvação, devemos faze-lo de um modo que as pessoas vejam, por meio disso, o próprio Deus. Que os que ouvem, de nossos lábios, o evangelho, saibam que a salvação é o dom de ver e experimentar a glória de Cristo; e esse dom foi comprado com sangue. Creiam eles e digam: “Cristo é tudo!” Ou, usando as palavras do salmista: “Os que amam a tua salvação digam sempre: Deus seja magnificado!” (Sl 70.4). Não digam: “Magnificada seja a salvação!”, e sim: “Deus seja magnificado!”.
Que a igreja do Senhor Jesus confesse com intensidade crescente: “O SENHOR é a porção da minha herança e o meu cálice” (Sl 16.5); “Como suspira a corça pelas correntes da águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede Deus, do Deus vivo” (Sl 42.1,2); “Estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.8); “De um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23).
De nada mais o mundo necessita além de ver a dignidade de Cristo através de obras e palavras de seu povo, o qual foi atraído por Deus. Isso acontecerá quando a igreja despertar para a verdade de que o amor salvífico de Deus é o dom de Si mesmo e de que Deus mesmo é o evangelho.
Do livro, “Deus é o Evangelho”, Ed. Fiel
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