"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

19 dezembro 2012

A perda dos valores faz o homem procurar a quem não se pode achar - Pequena reflexão sobre Ana Karenina, de Tolstói


Por Jorge Fernandes Isah

Em Ana Karenina, Tolstói aborda uma boa gama de problemas e dilemas que afligem a humanidade desde  o Éden. Temas como amor, traição, fidelidade, honradez, malícia, hipocrisia, ingenuidade, fé, etc, são ingredientes presentes no palco em que se desenrola a história.

Ele delineia minuciosamente os seus personagens, de maneira que os conhecemos profundamente. 

Muitas discussões iniciadas no sex XIX perduram até os nossos dias, mas, em especial, chamou-me a atenção a reflexão que o autor faz acerca da queda ou declínio intelectual e moral da sua época, o emburrecimento daqueles que deveriam defender e perpetuar a alta cultura, e o flagrante desprezo aos princípios judaico-cristãos na sociedade. De forma que entre os aristocratas e letrados é-se possível notar o que seria "regra" hoje: o desprezo ao conhecimento e à moral, e a exaltação dos instintos ao nível do irracional. 

Ana é um bom exemplo disso: viveu e morreu pelos seus prazeres e sensações, muitos equivocados, muitos exaltando-lhe o egoísmo e o narcisismo, muitos falsos e irreais, que culminaram numa segunda realidade, existindo apenas em sua mente. Mesmo sendo rejeitada pela sociedade, de maneira geral, seus pecados eram amenizados ou esquecidos por conta da sua beleza e sensualidade, onde os homens adoravam-na enquanto as mulheres desprezavam e invejavam-na. Pouquíssimos são os exemplos morais, num mundo infestado pela imoralidade, mas até mesmo esses reconheciam sua condição miserável e indigna, como a amante do irmão de Levine. A própria Ana reconhecia a desgraça em que se lançara, mas a ideia de uma felicidade amorosa e verdadeira e duradoura com Vroski era como uma espécie de recompensa a todo o mal que ela havia produzido [como se pudesse redimir-se a si mesma através da transgressão]. Temos as figuras dos ídolos, aqueles pelos quais se manifestam o desejo humano de deificação, seja o amor proibido ou qualquer forma de rebelião ao natural; pois, como criaturas imperfeitas e necessitadas poderiam gerar relações perfeitas e suficientes?

Interessante notar que o senso moral está presente, é reconhecido mas não aceito, como se acatá-lo significasse algum tipo de escravidão, e a sua rejeição consciente a liberdade. Ao contrário dos nossos dias, onde a moral, ética e os valores nobres do homem são desprezados por não serem reconhecidos como tais [o relativismo torna impossível qualquer verdade absoluta, entregando-se à irrealidade e contradição da "verdade relativa"; como uma roleta russa, em que o tambor está cheio de balas], lá, ao tempo de Tolstoi, o homem se entregava ao erro pela impossibilidade de não vivê-lo, ainda que reconhecido como tal, como erro, suas consciências fustigavam-nos, em uma montanha-russa de angústia e prazer. 

Esta é uma condição natural do homem, entre o bem e o mal e a escolha entre eles; ao passo que, atualmente, a ideia do mal está-se misturando de tal forma à do bem que o mal se faz bem e o bem mal, para a desgraça completa da humanidade. Aqueles que apontam esse estado de coisas como uma evolução social, o homem se desprendendo das amarras que o subjugaram pôr séculos, esquece-se de olhar para baixo e vislumbrar o abismo que está lançado. As amarras impediam-no de destruir-se, mas optou pela ruína. 

Recentemente, li uma crítica ao livro em que o autor dizia que a obra de Tolstói era uma denúncia ao conservadorismo e hipocrisia da Russia Czarista, e ao moralismo da época. Penso que é exatamente o contrário. Tolstói expõe, exatamente, o oposto, a decadência moral e cultural do período, em que o racionalismo e todas as suas consequências danosas ao homem, já revelavam um estado de degradação que atingia não somente as alcovas mas os gabinetes governamentais, eleitorais, e praticamente contaminava todas as demais relações. O homem provava do próprio veneno, sem saber que a morte seria uma consequência natural, sem acreditar-se moribundo. 

Tolstói é conservador, e dá à sua obra um caráter nitidamente existencial [ainda que o termo não tivesse, ao seu tempo, o conceito de hoje] e metafísico no desfecho final, indicando que o homem deveria fugir do comodismo e da lineariedade mental e espiritual à qual estava exposto e se sujeitava. Interessante que as implicações metafísicas têm respostas diretamente tiradas da realidade, num claro exemplo de lucidez e saúde espiritual [pode-se dizer até mesmo maturidade], como atestam as reflexões finais de Levine. 

O livro é um achado, e sua leitura pode surpreender, não como estamos acostumados a ser surpreendidos com o espanto e o susto gratuitos e muitas vezes bárbaro, mas levando-nos a meditar sobre questões cruciais ao ser humano: a vida e a morte, por exemplo. 

Leitura mais do que recomendada.

01 dezembro 2012

Quem os salvará de si mesmos?




Por Jorge Fernandes Isah


A partir do texto do jornalista Reinado Azevedo, publicado no blog "Impresões sem pressões", do amigo Tom Alvim, transcrevo a seguir o meu comentário por lá [que não sei se foi publicado], com as devidas correções feitas, o que, infelizmente, não pude realizar a tempo de enviá-lo ao amigo, por pura presunção de que não poderia errar em um trecho tão rudimentar. Mas o que não parecia possível aconteceu, de diversas maneiras, para o meu 
aprendizado, espero.

Bem, vamos ao meu comentário, então; mas não deixem de ler o texto do Reinaldo.


Quem os salvará de si mesmos?

O que o governo brasileiro faz, com a conivência e endosso da maior parte da sociedade, é justamente a guerra de classes, de raças, e o que mais puder gerar conflitos. O que eles querem é o caos, a desordem moral e intelectual, para implementarem o ajuste final da revolução: o totalitarismo em que negros e brancos, homos e heteros, empregados e patrões serão nada além de um cisquinho numa praia. Todos os "movimentos" libertários e igualitários que eles fomentam, a partir da ignorância e cegueira geral, subsistirão enquanto for-lhes necessário. A ditadura marxista tratará de, imediatamente, extirpá-los tão logo o golpe final aconteça. Surto? Teórico da conspiração? Basta ler um pouco da história e ver o que Lénin, Stálin, Mao, Castro e outros fizeram com os seus aliados e com as "minorias" instantes após chegarem ao poder.

Sociólogos, antropólogos, psicólogos e filósofos marxistas construíram um ambiente belicoso por décadas, insuflando a consciência popular da injustiça a que foram submetidos operários, negros, índios, mulheres, etc, e a necessidade de reparação por algo que não sofreram, numa busca incessante pela desordem mental e social, tornando-nos mais e mais suscetíveis ao controle e domínio de uma casta que se autodenominou “iluminada”, em que eles e nós, no final-das-contas, estaremos como cegos em tiroteio.

Qual de nós pode ser culpado pelo que aconteceu há 100, 200, 300 anos? Mas somos responsáveis, hoje, por permitir que a nossa consciência seja corroída pelo embuste, pela falácia, pelo cinismo e impudência de que é possível reparar o irreparável condenando o incondenável. E tudo começa quando não se percebe a responsabilidade que se tem, inclusive de se fazer a verdadeira justiça, enquanto se luta por algo imaginário, que nem mesmo pode ser chamado de "segunda realidade", mas é uma irrealidade, pior que o mais doentio delírio. Ao se buscar uma justiça para o passado [que raios vêm a ser isto?], continuamos injustamente não fazendo a justiça hoje, nem no futuro.

A legislação atual faz, cada vez mais, acentuar todo esse quadro de injustiça, ao ponto em que, como nos filmes da série Mad Max, os homens lutarão, cada um por si, como nenhum bárbaro jamais poderia imaginar-se como tal [alguém duvida de que isso aconteça? Basta ver os acontecimentos em S.P, p. ex., para se perceber que os bárbaros estão no controle; graças ao sucateamento premeditado da força policial, e mais do que isto, de todo o sistema legal e judicial, o que significa dizer que a sociedade está em frangalhos e não se percebe em ruínas, enquanto arrota caviar comendo bolor].

Então, quando todos os instrumentos de equilíbrio social estiverem extintos, a força do Estado se fará presente, para implementar a sua "ordem", e aí é que a porca torcerá o rabo... Pode durar décadas e séculos, mas o homem está construindo para si mesmo uma fornalha em que ele é o combustível [se lembrarmos, p. ex., que na Rússia czarista foram necessários pouco mais de 50 anos para a revolução bolchevique, e de que na Alemanha o Nazismo alcançou o poder em pouco mais de duas décadas, os nossos prognósticos podem significar  alguns anos talvez].

Eu não sei mais o que pensar... Tem momentos em que, se não fosse a paz que Cristo nos dá, e a esperança no porvir, abandonar tudo seria uma ótima solução para a aflição deste mundo. Mas temos um trabalho a fazer... Então, façamo-lo. E denunciar o cativeiro da mente do homem atual a tudo que de pior se produziu pelo próprio homem, faz parte desse trabalho.

Que o bom Deus tenha misericórdia de nós!

30 novembro 2012

Pode o cristão se casar com uma incrédula?
















Por Jorge Fernandes Isah

Alguém pode pensar que este é um assunto morto. Tanto quanto o defunto mais velho enterrado no cemitério da sua cidade. Porém, isso me parece muito mais uma atitude para se afastar do assunto, rejeitá-lo ou negligenciá-lo, do que propriamente conhecê-lo à luz da Escritura.

Há muitos que consideram normal o casamento misto. Afinal, o marido crente abençoa a mulher não-crente, e vice-versa. Mas esquecem-se de que o contexto para esta afirmação não se encontra antes do casamento, quando um(a) crente poderia casar com uma(um) incrédula(o) e assim obter de mais tempo e empenho para convertê-la(o). Paulo nos diz que isso acontece quando dois incrédulos se casam, e no decorrer do casamento, um deles se converte a Cristo. Como o casamento é indissolúvel, não há porque o recém-convertido se separar da outra parte, a menos que esta não queira viver com ele.

Não há garantias de que um crente, casando-se com uma incrédulo, poderá levá-la a Cristo. Ora, como Paulo disse: "Porque, de onde sabes, ó mulher, se salvarás teu marido? ou, de onde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher?" [1Co 7.16]. A salvação é divina, e somente Deus poderá salvar ou não; mas o crente é chamado à obediência; e a Escritura é clara em fazer separação entre o fiel e o infiel. Portanto, considero essa posição [e há pastores, líderes e muitos de nós que a defendem] como um conselho temerário, senão, vejamos:

1) Como crentes, desaprovamos a desobediência a Deus;
2) Segundo os defensores do casamento misto, a desobediência tem um elemento que justifica a rebeldia, ou seja, o altruísmo de se levar o futuro cônjuge a Cristo, valendo-se da piedade por sua alma. Mas isso nada mais é que enganar-se, achando que o erro pode se converter em acerto pelo simples desejo do nosso coração de que assim ele seja.
3) Levando-nos à conclusão de que o crente, mesmo em rebeldia, deve buscar por uma bênção por seus próprios meios e esforços, à parte do preceito divino de que lhe devemos, sobretudo, obediência.

A coisa toda fica pior quando se utiliza do exemplo de Salomão, o qual se entregou aos casamentos mistos, para ratificar esse pecado. É evidente que a Bíblia nos revela os erros de Salomão não para serem seguidos, mas exatamente como um preventivo para que não incorramos neles; ao nos mostrar os efeitos danosos que sobrevieram ao povo de Israel [a idolatria, p. ex.], mas para o próprio Salomão, que também se tornou idólatra, e queimou incenso para outros "deuses", e teve o seu reino dividido, ainda que Deus o poupasse desse desgosto, por amor ao seu pai Davi; mas assegurando-lhe de que sob o reinado do seu filho Roboão, Israel se esfacelaria.

O argumento do casamento misto, nada mais é do que o desejo do desobediente de convencer-se a si mesmo de que existem motivos nobres e piedosos para se aventurar a uma empreitada que significará rebelião e pecado. É isso mesmo! Quem age deliberadamente assim não comente nada além do que pecado! E o pecado é o desprezo ao próprio Deus.

Muitos também alegam que Deus pode abençoar o crente na desobediência. É possível? Sim, claro! O que, contudo, não absolve o crente em sua desobediência, ao rejeitar o princípio tão claramente exposto na Escritura, a separação que Deus estabeleceu para o seu povo. Fato é que o desobediente será disciplinado por isso, caso seja realmente um filho de Deus. Do contrário, a ira do Senhor estará sobre ele, para todo o sempre.

Então, pode-se perguntar: o que o(a) crente deve fazer caso tenha se casado com uma(um) incrédula(o), e reconhece que pecou? Meu conselho é: arrependa-se! E dê o melhor testemunho cristão para que o(a) cônjuge também se arrependa de seus pecados, reconheça Cristo como Senhor e Salvador pessoal, e assim, formem um lar santo, em que a obediência aos preceitos divinos traga frutos de glória para o bom Deus.

Nota: Texto originalmente publicado no "Cotidiano Cristão", blog que tenho o prazer e a honra de dividir com o irmão Filipe Machado

16 novembro 2012

Sete razões não-bíblicas para ser calvinista


Quem disse que o facebook não nos pode surpreender com alguma boa novidade? Chegou a mim uma sugestão de texto que me foi como uma lufada de ar fresco. Tanto o ritmo quanto o próprio conteúdo se me apresentaram como uma leitura leve e agradável assim como cheia daquela profundidade que não precisa ser exposta para se fazer presente.
O texto sofreu poucas modificações. Como ele foi publicado em partes, tirei as referências às “próximas postagens”. Assim como eliminei uma referencia a comentários. De resto, está tal qual publicado em Voz do deserto, de Tiago Oliveira Cavaco.
AS SETE RAZÕES NÃO-BÍBLICAS QUE ME LEVARAM AO CALVINISMO
Ainda não trago grande bem ao mundo quando me envolvo em algumas discussões. Não porque essas discussões assentem sobre assuntos pouco importantes mas porque tenho um infeliz talento de ser capaz de pregar a higiene numa luta de lama. Os últimos anos têm sido por isso de aprender a ficar calado não porque ache que as palavras são desnecessárias. Estou cada vez mais certo da importância das palavras. Falta-me é o discernimento de usá-las na medida certa para que a fé brilhe acima do facto de ser minha. Não sei se todos compreenderão o dilema mas envolve boa parte da minha existência. No fundo, calar mais para falar melhor.

Posto isto não tenho como não fazer uma perninha no assunto do calvinismo. Desde que SDB se tornou uma Igreja autónoma e eu fui consagrado Pastor tenho tentado uma maneira mais crescida de debate teológico. Uma das maneiras mais crescidas de debate teológico que tenho assumido e encorajado aos membros da minha igreja é simples: abandonar quase todos os debates teológicos nos quais temos andando envolvidos, eu e os membros da minha igreja. Por ridículo que pareça, uma das jóias da Coroa da Igreja Baptista de S. Domingos de Benfica é a relativa tranquilidade dos seus membros em discussões nas redes sociais. E ainda podemos melhorar muito, muito mais. Mas de um modo geral o pessoal de SDB procura pudor onde os outros arrancam pujança. Por que razão? Porque, e simplificando muito, quando o debate teológico não nos custa pessoalmente é porque não tem um valor real na nossa alma. Conheço o dispositivo porque ainda me é fácil praticá-lo: saímos para amolgar as cabeças dos outros com o nosso coração duro. É tão difícil discordar em amor que acabamos por tentar fazê-lo só mesmo quando não existe alternativa. E com isto não estou a dizer que um cristão só pode meter-se em discussões onde tenha de discordar em amor. Há discussões onde a discórdia tem de ser até violenta porque não existem irmãos no horizonte. Aí, de qualquer modo, deve vigorar ainda a educação, a elegância e a elevação. Nem que seja para arrasar o adversário que está errado.

Falava-vos de calvinismo. A palavra calvinismo dá-me muito trabalho porque sou calvinista. Mais adiante já vos falarei melhor acerca das questões semânticas mas para o efeito imediato devo dizer que é o facto de ser calvinista que me leva a não dar grande valor ao termo. Um dos refrões que mais repito na minha Igreja é que, com a chegada de pentecostais e carismáticos à congregação, Deus não me chamou para fazer baptistas de pentecostais nem para transformar arminianos em calvinistas. O meu desejo é pura e simplesmente pregar o Evangelho que depende cem por cento de Jesus Cristo. Acontece que no último mês, e muito por conta de uma frase magistral do Dr. Shedd que citei, o assunto voltou a bater à minha porta de uma maneira que acho irresponsável não atender. Qual o meu compromisso então nesta hora? Dar-vos um breve roteiro pessoal que conte do caminho que me fez chegar ao calvinismo. Mas ao fazê-lo devo procurar um método amistoso. Como aqueles jogos de futebol na escola secundária em que uma equipa era tão mais forte que a outra que lhe dava avanço. O jogo começava com cinco a zero a favor dos mais fracos. Lembram-se? Neste caso, e perdoarão o que pode parecer arrogância mas é apenas misericórdia, vou explicar sete razões não-bíblicas que me levaram ao calvinismo. Porque se fosse falar de razões bíblicas receio que os meus opositores nunca mais se levantassem do chão. Embora qualquer calvinista reconheça a existência de uma minoria de textos difíceis todos os outros em que preto no branco a Palavra explica que é Deus quem toma a iniciativa de escolher os Seus filhos são tão esmagadores que me sentiria a bater em mortos. Tendo clarificado isto, avanço. E sem notificar um único versículo.

1. Kierkegaard.
Foi a leitura do filósofo dinamarquês que em muito me inclinou para o calvinismo. Reconheço que o embalo foi nesse sentido mais existencialista que da ordem da Teologia Sistemática. Ora, Kierkegaard fala muito de Lutero e nem por isso de Calvino. Mas é Kierkegaard que escreve nos seu diários uma coisa tão simples quanto óbvia: “a ideia de um livre-arbítrio abstracto é uma fantasia. O conceito de pecado mantém qualquer pessoa cativa de todas as maneiras.” Ou seja e numa paráfrase pessoal, se todos os homens são pecadores, como a Bíblia ensina, a liberdade só pode ser uma brincadeira de mau gosto.

2. Os calvinistas são vistos como bad boys e são os bad boys que ficam com a miúda.
Lembro-me da primeira vez que inquiri um amigo um pouco mais velho do que eu e que na altura me influenciava quando me apercebi que era calvinista: como é possível que sejas calvinista? A pergunta foi feita em jeito de acusação de um crime mas o que eu não esperava é que uma vida de crime pudesse ser tão atraente. Os calvinistas ao transgredirem os muros do livre-arbítrio quebram a suprema propriedade privada do mundo moderno: a crença de que o homem tem na sua liberdade o bem maior. Mais que bons teólogos os calvinistas são bons bandidos.

3. O livre-arbítrio é racionalmente ruim, raso e rarefeito.
A acusação típica é a que o calvinismo é absurdo, como se propusesse um jogo em que os dados estão viciados. Logo deposita-se na escolha toda a razoabilidade do cristianismo: cada homem decide o seu destino. Além do que já mencionei no ponto 1, o livre-arbítrio é racionalmente ruim porque como pode a criatura de um Criador ditar as regras pelas quais se quer comportar? O livre-arbítrio é racionalmente raso porque quer fazer de um oceano profundo um lava-pés daqueles que estão na entrada das piscinas municipais. O pragmatismo arminiano, a maneira como explica a salvação em poucos passos burocráticos, torna a santidade chata e espalma a teologia (e daí o degrau para o ponto 2, em que os calvinistas aparecem aos olhos dos outros como ovelhas negras - um dos segredos mais bem guardados é que os calvinistas identificam-se efectivamente mais com um pecador talentoso que com um beato automático). O livre-arbítrio é racionalmente rarefeito porque rouba o oxigénio. A pessoa vive oprimida com a reinvenção permanente da sua liberdade. Sem ar ninguém pensa bem. A inspiração, que permite a existência dos poetas, é criminalizada pelos advogados da escolha, maus a conviver com a subjectividade dos mais marginais. Pessoalmente só conheço em Portugal um poeta arminiano (um grande abraço para o João Tomaz Parreira). Já cada calvinista, identificado com os abismos do pecado e com as alturas da graça, tem dentro de si uma montanha de heterónimos.

4. As melhores histórias de amor são de rendição e não de escolha
Sob a possibilidade de arruinar esta verdade com um mau exemplo, devo indicar um dos primeiros momentos que ma mostrou na televisão da minha infância: Modelo e Detective. Basicamente “Modelo e Detective” era uma série que, no meio de assinalável impenitência e alguma libertinagem, exibia um romance entre dois sócios detectives que se detestam na mesma medida que se amam. A relação estava longe de ser biblicamente sustentável mas serve para o efeito deste argumento. O diálogo mais comum entre Bruce Willis e Cybill Shepard era blam! Por cada porta que batia a criança que assistia aos episódios tinha o seu entendimento de amor dilatado para a ciência do estrondo. E apercebia-se que um importante apêndice deveria ser acrescentado à moral dos romances aprendidos na infância: com frequência os amantes mais sinceros parecem quererem matar-se um ao outro. Romeu e Julieta de Shakespeare já tinham feito da morte voluntária uma conquista amorosa mas a tentativa de homicídio é outro negócio. Desde que fui exposto a essa compreensão ganhei a consciência que a luz que iluminasse a minha noiva na primeira vez que a visse podia ser crepuscular (e assim acabou por acontecer quando as minhas inaugurais interacções com a Ana Rute tiveram mais de guerra que de galanteio). Tudo isto para dizer que os calvinistas percebem bem que esta mesma lógica se aplica ao romance entre Deus e os seus filhos.

Os maiores amantes de Deus foram antes e sem excepção pessoas que o odiaram. O Criador não tem namoradinhos que o escolheram. Não é o seu estilo. As pessoas que amam Deus contam o enredo explicando que se tratou de um rapto de onde saiu um síndrome de Estocolmo (a estima inesperada que nasce do raptado pelo raptor). O amor cristão é um amante que encurrala o outro, não um encontro paliativo de sinergias. Não se escolhe o Senhor como se escolhe um par de sapatos. As pessoas que falam sobre a sua fé em jeito de opção por Deus além teologicamente equivocadas têm um péssimo critério para histórias de amor.

5. João Calvino não inventou o Calvinismo
O melhor a explicar isto é Spurgeon. Quando diz que o calvinismo é uma alcunha para o Evangelho, para a mensagem central expressa nas doutrinas da Graça. Alcunha não é nome mas para alguns efeitos práticos pode servir. É óbvio que Jesus não veio deixar uma mensagem calvinista. O maior JC é ele e não o João Calvino. O próprio João Calvino revolver-se-á no túmulo ao saber que fizeram do seu apelido um resumo do sistema intelectual sobre o qual assentam as verdades nucleares do cristianismo. Por isso nenhum bom calvinista lutará pelo calvinismo. Mas pelas ideias que levam a alcunha de calvinismo. Porque nessas ideias está um sumário de palavras humanas acerca do do valor infinito e extra-linguístico que tem a história de Cristo. João Calvino não inventou o calvinismo. O calvinismo é uma alcunha recente para a fé cristã, essa dos apóstolos, dos padres da igreja, de Atanásio, Agostinho, de Niceia e Constantinopla, dos nominalistas, dos reformadores, dos puritanos, dos evangélicos, e de todos os santos e de todos os pecadores regenerados. Uma ironia irresistível é que até os cristãos que estão convencidos que destestam o calvinismo serão, nesse sentido, salvos pela verdade que ele alcunha. No fim o que dirão os calvinistas? Viva o calvinismo? Céus. Não. Os rótulos têm graça mas Cristo tem a Graça. [1]

6. As pessoas que odeiam o calvinismo não têm sentido de humor (e de arquitectura)

Não gostaria de colocar a tónica na negativa quando vos falo das razões que me levaram ao calvinismo. Até porque o verbo atrair é fundamental para os calvinistas e a sua acepção é completamente positiva. No entanto, e como em tantas coisas na vida, há caminhos que se percorrem principalmente porque os outros nos desagradaram. E devo confessar que também escolhi o calvinismo porque as outras opções me pareceram piores. Ora, ao usar o verbo escolher sei que me podem acusar de contradição depois de tanta pancada dada no livre-arbítrio. E se o fizerem apenas confirmam a tese deste ponto: na incapacidade de acolherem paradoxos, coisas que parecem mas não são contraditórias, os não-calvinistas mais que revelarem pouca nuance revelam falta de sentido de humor.

Pode ser um cliché preguiçoso mas também acho que o humor é sinal de inteligência. Não afirmo que o humor é sinal de discernimento (o mundo está cheio de pessoas bem-dispostamente erradas) mas que os que têm discernimento têm também algum humor. Creio que o sentido de humor passa por uma capacidade de jogar com a proporção das coisas, sugerindo novas combinações a partir de comparar medidas diferentes. Humor é tanto recreio quanto medição. Para não tornar isto demasiado abstracto: rio-me com o que me faz parecer novo o que não o é (e para o efeito do argumento: nada é puramente novo num mundo que não foi criado pelas criaturas que o habitam). As coisas mais engraçadas são para mim inaugurações de antiguidades e provocam um efeito de surpresa que vai além da sua utilidade. Isto faz-me perceber a ligação directa entre beleza e verdade e estar mais sensível a alegrar-me com tudo aquilo que subsiste por ser bonito, independentemente de o compreendermos e o sabermos aplicar na hora. Por que se riem os homens de coisas que não lhes enchem o estômago? Porque a sobrevivência é também uma questão de alegria. É a verdade a ser saboreada antes de ser entendida.

É aqui que entram os não-calvinistas e a sua falta de sentido de humor. A minha tese é: o pragmatismo intenso do que crê que tudo só se resolve a partir da sua intervenção individual sobre o universo externo perturba todos os momentos que não trazem explicação (logo a acusação simplista de Deus não poder existir por causa do incompreensível sofrimento da humanidade, ou, existindo, não poder ser bom). A pessoa inquieta-se (e equivoca-se) e fica menos disposta a olhar à sua volta para tudo o que existe além da urgência da resposta que procura (não aceitar a existência do sofrimento é um recuo a só sabermos viver com o que sabemos explicar - uma triste ironia sobretudo para os cristãos que supostamente acreditam que Deus reconcilia o mundo consigo através do sofrimento voluntário do Seu filho). Logo tem menos atenção para ver. Quanto menos vê, menos aprecia e quanto menos aprecia menos compara. Quanto menos compara mais material de alegria perde, alegria essa de jogar com combinações frescas de medidas conhecidas. Resumindo muito: o não-calvinista preocupado em resolver o mundo a partir da sua liberdade ri demasiado pouco. Rir pouco é grave porque ajuda-o a reduzir o cosmos à sua ansiedade. Reduzir o cosmos à nossa ansiedade é uma distorção violenta da realidade porque uma coisa é uma pessoa e outra coisa é o cosmos. Rir é por isso discernimento (o contrário do provérbio português que diz “muito riso pouco sizo” e que alimenta a condenação que os vizinhos culturalmente católicos estendem às pessoas que saem das igrejas evangélicas sem o ar pesado da religião). Não saber rir é não saber avaliar. E fechar os olhos ao que não tem explicação imediata. Um mundo sem mistério é uma mentira grosseira porque o homem é pequeno demais para a grandeza da Criação. Os calvinistas estão mais abertos ao mistério do mundo que é Deus ter nas suas mãos a história de tudo. Riem mais porque reconhecem as larguras e os comprimentos e jogam com eles através das regras do Criador. Não é ao calhas que investem em arquitectura (ainda que possivelmente simples). Os não-calvinistas são péssimos em arquitectura (numa escala geométrica como comparar a vontade do homem com a vontade de Deus?) e por isso os primeiros a meter neóns e powerpoints pirosos (vocês já viram que este é-me um assunto caro) nas suas casas de oração. Onde a beleza e a verdade se submetem à ditadura da escolha qualquer pedaço de lata vale por termos sido nós os primeiros a ver nele o brilho do sol, uma metáfora possível da nossa obsessão com a novidade. A lógica da liberdade está a matar o deslumbramento com o que é belo e verdadeiro. E a fazer-nos rir menos. Os calvinistas não estão nessa.

7. A oração não é uma declaração de independência
Claro que a liberdade não é uma coisa má. Tanto não é que a Bíblia descreve-a como um efeito da presença de Cristo. Um efeito e não uma causa. A ênfase das Escrituras é que somos livres por causa de Cristo e não que somos cristãos porque somos livres. Isto é absolutamente claro nas páginas da Palavra e os seus autores humanos não precisaram de o escrever na defensiva, a uma cultura que idolatra a liberdade como o bem maior. É também por causa disto que nas Escrituras a vontade de Deus dança com a vontade do homem num movimento tão gracioso quanto veloz na ausência de territórios definidos. A simplificação (polémica mas que curiosamente nenhum dos meus irmãos arminianos me apontou durante a semana) é esta: quando as coisas correm bem a responsabilidade é de Deus, quando as coisas correm mal a responsabilidade é do homem. Se alguém que implicar com o Evangelho (e consequentemente com o calvinismo) é por aqui que tem de começar. Não foi ao calhas que os primeiros cristãos tiveram de ganhar uma noção da identidade de Deus (os primeiros quatro séculos a discutir a Trindade) e imediatamente a seguir uma noção da identidade do homem (sobretudo o quarto século a discutir e a concluir sobre antropologia e o pecado original). O que os arminianos devem recordar (e os católicos) é que o pelagianismo continua a ser herético para todos os cristãos. Não existe ponta de participação do homem na sua própria salvação.

Não sendo a liberdade uma coisa má também não precisa de ser a coisa acima de todas as outras. Continuo convicto que as coisas que nos são mais queridas são geralmente vistas como exercendo um domínio, pelo menos emocional, sobre nós que não olhamos como negativo. As nossas paixões são mais frequentemente descritas como tendo nos conquistado que nos persuadido. E com Deus não é diferente. Basta olharmos a maneira como louvamos e oramos. Nenhum cristão canta: “obrigado Senhor porque naquele dia escolhi-te”. Nenhum cristão ora: “Pai nosso que estás no céu, santificado seja o meu nome, venha a Ti o meu reino, seja feita a minha vontade assim na terra como no céu.” A oração, um fenómeno estranhíssimo que a Palavra nos mostra como um pedido de Deus para nós lhe pedirmos coisas, só ganha sentido com um coração mais aberto que a lógica pragmática da nossa autonomia. Se a liberdade é a chave de leitura da existência do cosmos por que razão Deus não se limita a fazer aquilo que deve ser feito sem depender que nós lhe peçamos? Talvez porque o que esteja em causa seja uma representação bela e verdadeira em que os filhos de Deus obedecem a uma vontade maior que a deles próprios. Oramos também porque quando nos submetemos à vontade de Deus somos transformados de uma maneira que a nossa liberdade não nos permite. A oração enche o coração daquele que acarinha a dependência e não tanto, parece-me, do que acarinha a autonomia. Pelo menos sei que enquanto mantive a posição arminiana da minha infância e juventude a oração nunca fez grande sentido.

Sei que prometi razões não-bíblicas e esta última resvalou para o terreno. Ainda assim não citei um único versículo. Estas sete razões não querem convencer porque o terreno onde os cristãos devem ser convencidos é a Bíblia e não a experiência individual. Muitos amigos e irmãos mostraram-se durante esta semana absolutamente invulneráveis às minhas razões e eu saúdo a liberdade deles de assim se sentirem. Claro que não posso saudar o modo como descartam a predestinação e outras coisas que a Bíblia dizendo sim, põem a dizer não (e permitam-me uma observação que desejo que seja mais fraterna que crítica: enquanto a comunidade evangélica, e a pentecostal em particular, permanecer ouvindo pregações temáticas e não-expositivas é óbvio que pode adiar por décadas os textos que não lhes agradam e seleccionar criteriosamente na Bíblia os excertos que lhes confirmam o dogma apócrifo do livre-arbítrio - the point is: leiam a Bíblia sem medos, caramba!).

Posto isto e como ponto final, uma grande simplificação: os hiper-calvinistas são a pior escória que já habitou o Planeta. Prefiro mil arminianos a um hiper-calvinista. O hiper-calvinismo é obsceno quando recusa a evangelização, uma tarefa que na Palavra é óbvia, não-opcional e urgente. O hiper-calvinismo é intelectualmente patético (o facto de Deus predestinar é diferente de nós Lhe conhecermos a predestinação), espiritualmente morto (os hiper-calvinistas não precisam de procurar Deus porque acham que Deus é que Se achou quando escolheu os eleitos), e blasfemo (o hiper-calvinista dá por si a achar que Deus lhe deve a salvação, fazendo desgraça da graça). Não chamem teologia ao hiper-calvinismo porque o hiper-calvinismo não passa de um zombie. Um tiro na cabeça e fica tudo resolvido.
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[1] (...) Ouço dizer que não precisamos de rótulos e que os rótulos estragam as verdades. Permitam-me discordar. Qualquer pessoa que use a linguagem aceita usar rótulos porque as palavras apropriam-se à realidade mas não a esgotam. Nesse sentido, todas as palavras são rótulos. Enquanto não comunicarmos telepática e espiritualmente vamos ter de usar rótulos. Há uma discriminação negativa de alguns termos que são apelidados de rótulos sempre que as pessoas não se agradam deles. E então o calvinismo leva nas orelhas porque é um rótulo. Dizem essas pessoas que preferem dizer que são apenas cristãs, seguidores de Cristo e outras expressões que em breve serão tão chatas como as que agora rejeitam convictamente (ou que já são). Na minha opinião esta atitude demonstra pouca humildade linguística e, em último grau, falta de sentido de humor. Os calvinistas usam rótulos porque usam a linguagem. E enquanto usam rótulos divertem-se (manifestamente mais que os seus opositores, sempre ansiosos para chegarem às línguas dos anjos). (...)

FONTE: ROBERTO VARGAS JR

25 outubro 2012

Qual é o seu nome?

 Por Igor Miguel
"Dize, portanto, à casa de Israel: Assim diz o SENHOR Deus: Não é por vossa causa que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo nome, que profanastes entre as nações para onde fostes." (Ez 36:22).


Nome: resumo ou narrativa?
Em termo bíblicos, o "nome" não é apenas uma palavra que serve para identificar uma pessoa ou um objeto. Ele é "substantivado", há "substância" associado ao nome. Também não é substância em sentido químico, mas biográfico. Como assim? Explico.

Lembro-me da trilogia "Senhor dos Anéis" de J.R. Tolkien, em particular quando o personagem Barbárvore (Treebeard), um
ent, pergunta a um dos "hobbits" como ele nomeava "aquilo", enquanto apontava para uma colina. A resposta do hobbit: "colina!". Barbárvore, surpreendido, replica: "- mas este é um nome muito curto para uma coisa que está tanto tempo ali!". Esta é uma das frases que mais me impressionaram na trilogia. Na língua dos "ents", as palavras não são "compactas", os nomes não são um atalho fonético que agrega sentidos atribuídos a uma pessoa ou coisa. Ao contrário, na língua dos ents os nomes são histórias, narrativas e biografias. Curiosamente, vi uma associação entre o sentido bíblico de "nome" com a forma como os ents nomeiam as coisas no mito de Tolkien.

A Bíblia nos mostra diversos personagens cujos nomes apontavam para uma história mesmo antes de sua conclusão. Poderíamos citar alguns exemplos, como: Abraão, cujo nome significa em hebraico "Pai de Povos", uma referência a sua biografia como patriarca da fé, cuja promessa, abençoaria as famílias da Terra (Gn 12 e 22). O nome de Jacó, que foi mudado para Israel, que significa "lutastes com Deus", faz referência ao encontro de Jacó com o Anjo do Senhor. Da mesma forma, Davi é o "amado"; Josué significa "o Senhor que Salva"; Adão vem de uma raiz hebraica que significa "terra", "solo" ou "avermelhado", uma referência ao fato do homem ter sido feito do pó da terra.

Mantendo a tendência do Antigo Testamento, Noé (hb. נח - noâch), cujo nome significa "consolo" ou "conforto", o recebeu como por uma profecia, como está escrito: "pôs-lhe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o SENHOR amaldiçoou." (Gn 5:29). Este mesmo Noé, no evento de seu filho Cam tê-lo visto nu, profere ditos oraculares sobre seus descendentes, em específico sobre Canaã (filho de Cam), Jafé e Sem (Gn 9:18-27). Ao filho, cujo nome era "Sem", ele diz: "Bendito seja o Senhor Deus de Sem." (Gn 9:26). O interessante é que "Sem" em hebraico "Shem" [שם] significa literalmente "Nome". Não é acidente que de "Sem" vieram os "semitas", agrupamento étnico donde descende os hebreus (descendentes de Héber) e o próprio Abraão (ver genealogia de Gn 11).


A descendência do "nome"
A ideia é que Deus escolheu os israelitas, ligados a descendência de Sem, para testemunhar seu "nome" entre as nações. Mais para frente, na narrativa bíblica, Moisés (cujo nome significa tirado das águas - não só do Nilo, mas também do Mar Vermelho) em um encontro com o SENHOR no Monte Horebe, ante a sarça que ardia e não se consumia, realiza o seguinte diálogo:

Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros. Disse Deus ainda mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós outros; este é o meu nome eternamente, e assim serei lembrado de geração em geração. (Ex 3:13-15)

Observe que Moisés pergunta o "nome" de Deus. A resposta é surpreendente, pois Deus não se identifica com um nome "fechado", como o nome dos ídolos do Egito. As divindades pagãs possuíam nomes que especificavam sua "atuação" mítica. Deuses da fertilidade, da guerra, colheita, sabedoria ou saúde, possuíam nomes associados às suas respectivas "áreas de atuação". O Deus que se revela a Moisés, por sua vez, se identifica primeiro como o "Eu Sou o que Sou" e depois como "Deus de Abraão, Isaque e Jacó".

A expressão "Eu sou o que Sou" [hb. ehiê asher ehiê - אהיה אשר אהיה], adotada na versão Almeida Revista e Atualizada, encontra-se no original hebraico estruturada pelo verbo "ser" ou "tornar" usado no perfeito, na voz ativa do grau simples (QAL). Isto significa que este verbo poderia ser traduzido no futuro (uma ação não concluída ou em processo de conclusão), assim, a expressão poderia ficar como: "Eu serei o que serei" ou "Me tornarei o que me tornarei", como bem traduziu Lutero em sua Bíblia para o alemão "
Ich werde sein". A ideia é esta mesmo: Deus se "revelaria" e se "tornaria" ao longo do tempo, ou seja, uma revelação progressiva de seu "nome", um Deus que se revela na história e nas relações.

O "nome" assume o sentido de "narrativa" ou "revelação", uma história. Mas, ainda há um detalhe: por que Deus adicionou o sentido de seu nome como "Deus de Abraão, Isaque e Jacó" afirmando que este é "seu nome eternamente"? Ora, se Deus é portador de uma "história" e de um nome que se revela no tempo e nas relações, logo, Ele é um Deus que é conhecido na biografia das pessoas com quem se relaciona. A biografia de seus servos, torna-se a biografia dele mesmo, afinal Ele é um Deus se revela relacionalmente. Talvez, foi neste sentido, que o filósofo e matemático Blaise Pascal (1623-1662) tenha dito: "Deus é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, não o Deus dos filósofos".

Acho que já temos material suficiente para entender que o "nome" é muito mais do que "identificação fonética". O "nome" em termos bíblicos faz referência a uma "história". No caso, de Deus, uma referência à história de sua relação com seus servos ao longo das gerações. Quando é dito no livro do profeta Ezequiel que os israelitas profanavam o "nome de Deus" entre as nações, o que está envolvido é a profanação de um "história", da "revelação" de Deus em relação a seu povo. Por isso, a Bíblia é um livro que trata a respeito do Deus que se revela. A Bíblia é a exposição pública de Deus, o que ela chama de "glória".


O Nome que Está Sobre Todo Nome

Agora, façamos uma conexão com a revelação de Cristo, e vejamos algo interessante:

Deus quando firmara uma aliança com o Rei Davi, prometera a ele um descendente cujo trono nunca teria fim e que este descendente edificaria para Deus uma casa para seu nome (II Sm 7:13). Este texto é digno de uma leitura messiânica, no sentido que se refere ao Messias, e não ao descendente imediato de Davi, Salomão. Salomão não teve um trono "eterno". Logo, a promessa se refere a um descendente de Davi, cujo trono seria eterno, e que faria uma casa para o "nome" de Deus, bem no sentido que já exploramos até aqui.

Nós cristãos entendemos que Jesus é o descendente de Davi, que cumpriu todas as expectativas bíblicas e proféticas a respeito de sua messianidade. Jesus, certa vez, fez menção enigmática a respeito de seu corpo como um Templo:

Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás? Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. (Jo 2:19-21)

Jesus é o Templo onde o "nome" ou a "história" de Deus se torna mais evidente: "As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu respeito." (Jo 10:25). Agora, veja que interessante o que encontramos em um certo dito de João:

"Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou." (Jo 1:18)

A palavra utilizada no original, que foi traduzida aí por "revelou", é verbo no passado (aoristo) eksêgêsato [εξηγησατο] que poderia ser perfeitamente traduzido como "expôs", "relatou" ou "narrou" como utilizado em Lc 24:35. O sentido deste texto é que Jesus "conta" ou "narra" Deus o Pai para os homens.


Trindade: o nome de Deus se revela
Então, qual é o nome de Deus na Nova Aliança? Como Ele se revelou? Como podemos "narrá-lo?". Se fossemos ents, que nome daríamos a este Deus, sem sermos sintéticos de mais? Onde encontramos seu nome? A resposta deveria ser: no batismo. Como preservado em Mateus: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo." (Mt 28:19).

A grandeza de nosso batismo, não está em um fonema. A questão não é se chamamos Deus de Jeová, Javé, Yavé, Elohim ou Yeshua. A questão é: qual é a história de nosso Deus? Nosso Deus é uma história, a história da salvação. A salvação é um drama de amor em que Deus se volta para homens pecadores. E, para salvá-los, envolveu toda sua pessoa (Pai, Filho e Espírito Santo), desde a fundação do mundo, passando pelos patriarcas, os reis de Israel, os profetas, e agora, ele fala conosco pelo Filho, como foi dito:

Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles. (Hb 1:1-4).


Últimas palavras

Baseado em tudo que foi dito, fica claro o motivo de cristãos prezarem tanto pelo nome de Jesus. Afinal, foi na história de Jesus, como registrada nos quatro evangelhos, que Deus foi revelado (narrado). A glória de Deus se concentra na história/vida/nome de Jesus. Por isto, foi dito:

Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. 12 E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. (At 4:11-12)

Não é em vão, que por ocasião de uma das viagens de Paulo à cidade de Éfeso (At 19), exorcistas profissionais, como os filhos do sumo sacerdote Ceva, tentaram esconjurar demônios 'em nome de Cristo, a quem Paulo pregava', e os demônios gracejaram afirmando conhecerem "Paulo" e "Cristo", mas os tais exorcistas lhes eram desconhecidos, o que foi seguido pela agressão do endemoniado àqueles. Os demônios conhecem Cristo, Paulo e todos os eleitos do Senhor, por causa de uma história: a história de Cristo, e a história de todos que estão ligados a Ele. Estar fora de Cristo é viver em anonimato, é não ter uma biografia.

Todo Antigo Testamento narra a história dos atos salvadores de Deus. O clímax e cumprimento de tudo aquilo que a Bíblia Hebraica narra é Jesus Cristo. O Verbo se faz carne e se torna em "texto", uma "
narrativa", uma história sobremodo exaltada, o nome que está sobre todo nome. Fomos salvos por Jesus, por uma história, um conto de salvação, um drama trinitário. Os demônios tremiam e proezas eram feitas neste nome, não por um poder mágico, mas por causa de uma história com início e fim, com Alfa e Ômega, história que culmina na cruz e alcança sua plenitude na redenção de todas as coisas. O nome é a história, nosso nome se constitui no nome de Cristo.


"Ao que vencer darei a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe." (Ap 2:17)


FONTE: PENSAR... 

20 outubro 2012

Sobre Gigantes e anões teológicos

 
Por Natan de Oliveira
 
Sobre graça comum, eletiva, e dupla-predestinação.

Diferente do ultra-mega-power-pedagogo Jorge, eu creio na Graça Comum.



Deus é salvador de todos os homens pois está escrito que é, veja:

"Porque para isto trabalhamos e somos injuriados, pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis" [1Tm 4.10].

Você e eu e muitos ímpios são salvos pela Graça comum de serem tão malignos quanto Hitler foi.

Igualmente, como o Jorge, eu creio na Graça Eletiva, e o verso é o mesmo acima, além de dezenas de outros.

Também creio na dupla predestinação.

Sobre anões e gigantes...

Se o Spurgeon é gigante e o Vincent é anão, então eu e o ultra-mega-power-pedagogo Jorge somos a mosca do... digamos... do cavalo do bandido...

Não existe nada disto.

Apesar de o Spurgeon ter aparência de grande e vistosa “chave de fenda”, ele não tem utilidade nenhuma para o ajuste dos parafusos de uma clarineta.

Da mesma forma se o Vincet tem aparência de pequenina “chave de fenda”, ele não tem nenhuma utilidade para ajuste dos parafusos de um torno convencional.

Todavia nem o torno pode produzir os maravilhosos sons da clarineta bem ajustada, como também a clarineta não pode produzir as peças mecânicas que um torno pode dar vida.

Aos olhos dos homens podem ter tamanhos diferentes, mas aos olhos de Deus são meras ferramentas com aplicações distintas.

Quando eu entendi esta lição, eu descansei e desisti de ser um novo Moody, ou de querer ser um novo Clark... Eu sou eu, e estou no lugar exato, com os filhos certos, casado com a mulher exata dos sonhos de Deus, tendo os dias exatos que ele planejou para mim na eternidade.

Cheio de significados e emoções estou vivendo no presente aquilo que Deus preparou para mim.

Não sou anão, não sou gigante, sou instrumento nas mãos de Deus.

Spurgeon foi importante para Deus realizar obras em muitas pessoas.

Vincent foi importante para Deus me fazer nascer de novo (eu nasci de novo ouvindo um sermão baseado num escrito de Vincent Cheung).

Minha filha e meu filho, espero, conhecerão a Deus através do meu trabalho, que nem Spurgeon nem mesmo Vincent poderão fazer como eu posso e faço diariamente.

“Louvado” seja Deus por causa do Vincent, por Spurgeon, pelo Jorge, pela minha existência.

Em outras palavras:
“Seja cada vez maior a FAMA de Deus” por causa do Vincent, por Spurgeon, pelo Jorge, pela minha existência.

Nem gigantes, nem anões, seja somente famoso (louvado) o nosso Deus criador.


Nota: 1- Este é o fragmento de um comentário do Natan de Oliveira à uma postagem no Kálamos. Concordo que perante Deus todos somos meros instrumentos para a sua glória, sem, contudo, desconhecer que há homens com chamados especiais, e de que eu mesmo tenho um chamado especial divino para fazer algo que ninguém pode fazer além de mim. Por isso, decidi reproduzi-lo aqui, para a nossa meditação.
 
2- Spurgeon, no texto, refere-se ao pregador batista Charles Spurgeon; enquanto Vincent refere-se ao pregador sino-americano Vincent Cheung.

15 setembro 2012

A praga do fideísmo


Por Edson Camargo



Entre os muitos exercícios para a paciência que encaro todos os dias há um que está sempre no “hard mode”: ouvir cristãos, ao emitirem opiniões (opinião, essa deusa vulgar) sobre aspectos da doutrina, sobre vida devocional, ou sobre aquilo que crêem que é correto do ponto de vista teológico e bíblico, jogando o fideísmo ao quatro ventos. “Abandone sua razão para entender o que Deus quer de você e para você”; “pare de se ater ao seu entendimento se quiser viver uma vida cristã mais rica”; “deixe de raciocinar e ouça ao Espírito”. Quem nunca ouviu tais frases? Nem é preciso dizer que daí em diante surgem os pitacos mais estapafúrdios sobre as relações entre a fé e a racionalidade, e claro, as mais “maduras” e mui “espirituais” críticas a quem é visto como apegado ao estudo de temas sérios, ao aprendizado sistemático das doutrinas cristãs, ou meramente a uma vida intelectual menos miserável.

O fideísmo é isso: usar a razão para afirmar, sobre a fé, que fé e razão não se misturam. Soa engraçado e contraditório? Sim. Mas é uma mania consolidada em muitos segmentos da igreja brasileira. Kierkegaard caiu nessa. Karl Barth também. (Barth também caiu em outras piores, assunto para outra ocasião.) E que ninguém se engane. Às portas e mesmo dos púlpitos de templos das denominações de grande tradição e legado intelectual é possível ouvir tais disparates.

Agostinho, numa de suas Cartas, afirmou:

“É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto, recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não busque razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos crer se não tivéssemos almas racionais”. 

Pode-se citar diversas passagens das Escrituras em que Cristo, os apóstolos e os profetas do Velho Testamento instigam as pessoas a usarem sua inteligência e a razão (p. ex. Is. 1:18, Mt. 22:36,37; 1Pe. 3:15). Portanto, o fideísmo é também uma heresia. Infelizmente, é fácil perceber que muitos cristãos, na prática, preferem ser cientistas no trabalho e intuitivos na fé. E o desastre se vê quando começam as conversas sérias: versículos evocados fora de contexto, má compreensão de preceitos elementares, papo superficial. Logo se apela para os testemunhos ralos e cheios de clichês tirados das musiquinhas da moda gospel, e fica por isso mesmo. Presenciar a tudo isso é tortura chinesa.

O fideísmo presente nas igrejas tem, entre suas causas, uma influência considerável da teologia pentecostal, de raízes irracionalistas – como bem admite o autor “penteca” Rick Nañez, em seu ótimo livro ‘Pentecostal de Coração e Mente’-, no ambiente evangélico brasileiro. O caos educacional e cultural em que o país mergulhou nas últimas décadas também deve ser levado em conta. Outro fator elementar, mas sempre digno de nota é aquele que vem do conhecimento simples da natureza humana: a maioria é preguiçosa, desleixada, a vida cristã pujante e plena é um desafio monumental, estudar toma tempo e requer mudança de hábitos mentais e comportamentais. E claro: na cultura de massas, quase tudo glamuriza a mediocridade e os medíocres, os tolos, os que desprezam obstinadamente aquilo que lhes é imprenscindível para uma vida não só digna, como frutífera. Mas o interessante é que o estúpido, o néscio, também é objeto de investigações e reflexões milenares. Que tal estudá-lo no livro de Provérbios? Há também as obras de José Ingenieros, Eric Voegelin, Ortega y Gasset, La Bruyére, entre outros.

Não que eu pense que a educação tenha esse caráter mágico que os progressistas e os modernetes pensam que ela tem. No entanto, a educação ajuda, se começar pela velha fórmula: “o temor do Senhor”… não é preciso completar, certo? Ela ajuda, se começar pela busca do autoconhecimento. O mandamento do apóstolo Paulo ao homem diante da ceia, “examine pois o homem a si mesmo”, sempre me lembra o de Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Esse vácuo de lideranças fortes explica-se numa geração de pessoas alienadas de si mesmas. Quando não se sabe quem é, não se sabe o que se deve fazer. E aí vemos, por exemplo, a importância de uma disciplina como a antropologia bíblica.

O fato é que algumas perguntas feitas por ateus, agnósticos e até por alguns dos batalhões bestificados pela cultura de massa e pela hegemonia cultural da esquerda, são, de fato, muito boas e desafiadoras. Penso que um cristão que busca a maturidade espiritual deve ter um desejo sincero em buscar respondê-las. O fundamental é viver na verdade, mas se preparar para expressá-la pode custar menos do que se pensa, certamente irá gerar frutos para o Reino e também (e por que não?) benefícios para a vida diária.

A seara é grande e a oportunidade está aí, pois a tal cultura pós-cristã já evidencia que pode ser qualquer coisa, menos “sustentável”. O cristianismo continua a crescer em vários pontos do planeta. A possibilidade de algo como o “Renascimento Cristão” (a qualidade do termo é discutível) que o antropólogo René Girard afirma que está próximo, pode, sim, acontecer. Não sei onde, nem quando, mas sei que temos um Deus poderoso, com uma Palavra viva e eficaz. Só ela instrui e capacita plenamente os homens para grandes transformações, como já se viu ao longo da história.

Cabe aos cristãos usarem a cabeça.

(Imagem: Pedro e Paulo, de El Greco, óleo sobre tela, 1590) 

14 setembro 2012

O rolo compressor do Projeto Sarney [Reforma do Código Penal pretende esmagar o que resta de valores cristãos]



Por Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz 
[Presidente do Pró-Vida de Anápolis]

Em 27 de junho de 2012, uma Comissão de Juristas entregou ao presidente do Senado, José Sarney, o anteprojeto de reforma do Código Penal. Seria de se esperar, que o texto fosse submetido à apreciação da sociedade para receber críticas e sugestões[1]. Isso, porém, não ocorreu. Em 9 de julho de 2012, apenas 11 dias depois, o Senador José Sarney subscreveu o anteprojeto convertendo-o em projeto de lei: o PLS 236/2012. Ao assinar o projeto, Sarney agiu de modo semelhante a Pilatos. Declarou-se, “por uma questão de consciência e religião”, contrário à eutanásia, ao aborto, ao porte de drogas e seu plantio para uso, mas não retirou nada disso do texto que subscreveu. Lavou as mãos, disse que era inocente do sangue de Cristo, mas decretou a sentença injusta. Favoreceu a presidente Dilma que, embora favorável ao aborto, havia prometido na campanha eleitoral não enviar ao Congresso qualquer proposta abortista.

O anteprojeto – agora convertido em projeto – foi muito mais audacioso que o de 1998. Pretendeu reformar não só a parte especial do Código Penal, mas também a parte geral e a imensa legislação penal extravagante. E tudo isso no curto prazo de seis meses![2] O resultado foi um conjunto de 544 artigos cheios de falhas graves.

Animais e pessoas

Segundo a linha ideológica do PLS 236/2012, o ser humano vale menos que os animais. A omissão de socorro a uma pessoa (art. 132) é punida com prisão, de um a seis meses, ou multa. A omissão de socorro a um animal (art. 394) é punida com prisão, de um a quatro anos. Conduzir um veículo sem habilitação, pondo em risco a segurança de pessoas (art. 204) é conduta punida com prisão, de um a dois anos. Transportar um animal em condições inadequadas, pondo em risco sua saúde ou integridade física (art. 392), é conduta punida com prisão, de um a quatro anos. Os ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre não podem ser vendidos, adquiridos, transportados nem guardados, sob pena de prisão, de dois a quatro anos (art. 388, §1º, III). Os embriões humanos, porém, podem ser comercializados, submetidos à engenharia genética ou clonados sem qualquer sanção penal, uma vez que ficam revogados (art. 544) os artigos 24 a 29 de Lei de Biossegurança (Lei 11.101/2005).

Terrorismo e invasão de terras

O terrorismo é criminalizado (art. 239). Mas as condutas descritas (sequestrar, incendiar, saquear, depredar, explodir...) deixam de constituir crime de terrorismo se “movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios” (art. 239, §7º). Os invasores de terra são favorecidos, uma vez que “a simples inversão da posse do bem não caracteriza, por si só, a consumação do delito” (art. 24, parágrafo único).

Prostituição infantil

Atualmente comete estupro de vulnerável quem pratica conjunção carnal com menor de 14 anos (art. 217-A, CP). O projeto baixa a idade: só considera vulnerável a pessoa que tenha “até doze anos”. Isso vale para o estupro de vulnerável (art. 186), manipulação ou introdução de objetos em vulnerável (art. 187) e molestamento sexual de vulnerável (art. 188). Deixa de ser crime manter casa de prostituição (art. 229, CP) ou tirar proveito da prostituição alheia (art. 230, CP). Quanto ao favorecimento da prostituição ou da exploração sexual de vulnerável, a redação é ainda mais assustadora: só será crime se a vítima for “menor de doze anos” (art. 189). Deixa de ser crime, portanto, a exploração sexual de crianças a partir de doze anos.

Drogas

Quanto às drogas, somente o tráfico permanece crime (art. 212). Deixa de ser crime o consumo pessoal de drogas (art. 212, § 2º). Presume-se que a quantidade de droga apreendida destina-se a uso pessoal quando ela é suficiente para o consumo por cinco dias (art. 212, § 4º).

Aborto

Quanto ao aborto, o projeto reduz ainda mais as penas já tão reduzidas. O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, atualmente punido com detenção de um a três anos, passa a ter pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 125). O terceiro que provoca aborto com o consentimento da gestante, atualmente punido com reclusão de um a quatro anos, passa a sofrer pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 126). Se o aborto for provocado sem o consentimento da gestante, o terceiro é punido com prisão, de quatro a dez anos (art. 127). Curiosamente, ele recebe um aumento de pena de um a dois terços se, “em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente” (art. 127,§1º). Esse parágrafo parece ter sido incluído para estimular o aborteiro a fazer abortos “bem feitos”, evitando que, por “descuido”, ele deixe a criança com vida e má formada.

As maiores mudanças, porém, estão no artigo 128. Ele deixa de começar por “não se pune o aborto” e passa a começar por “não há crime de aborto”. O que hoje são hipóteses de não aplicação da pena (escusas absolutórias) passa a ser hipóteses de exclusão do crime. E a lista é tremendamente alargada. Basta que haja risco à “saúde” (e não apenas à “vida”) da gestante (inciso I), que haja “violação da dignidade sexual” (inciso II), que a criança sofra anomalia grave, incluindo a anencefalia (inciso III) ou simplesmente que haja vontade da gestante de abortar (inciso IV). Neste último inciso o aborto é livre até a décima segunda semana (três meses). Basta que um médico ou psicólogo ateste que a gestante não tem condições “psicológicas” (!) de arcar com a maternidade.

Eutanásia e suicídio assistido

“Matar por piedade ou compaixão” (eutanásia) passa a ser um crime punível com prisão, de dois a quatro anos (art. 122), muito abaixo da pena prevista para o homicídio: prisão, de seis a vinte anos (art. 121). Porém, o juiz pode reduzir a pena da eutanásia a zero, avaliando, por exemplo, “os estreitos laços de afeição do agente com a vítima” (art. 122, § 1º). Também o auxílio ao suicídio, em tese punível com prisão, de dois a seis anos (art. 123), pode ter sua pena reduzida a zero, nos mesmos casos descritos para a eutanásia (art. 123, §2º).

Renúncia ao excesso terapêutico

O artigo 122, § 2º parece inspirado na doutrina, aceita pela Igreja, de que o paciente pode renunciar a tratamentos desproporcionais aos resultados, que lhe dariam apenas um prolongamento penoso e precário da vida[3]. A redação, no entanto, é infeliz: fala em deixar de fazer uso de meios “artificiais” para manter a vida do paciente em caso de “doença grave e irreversível”. Ora, a medicina é uma arte e todos os seus meios são artificiais. Do modo como está escrito, o parágrafo pode encobrir verdadeiros casos de eutanásia por omissão de cuidados normais devidos ao doente.

Infanticídio indígena

Há tribos indígenas que costumam matar recém-nascidos quando estes, por algum motivo, são considerados uma maldição. De acordo com o projeto, tais crianças ficam sem proteção penal, desde que se comprove que o índio agiu “de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo” (art. 36).

“Preconceito” de gênero

De todos os males contidos no projeto, o mais difícil de corrigir são as cláusulas onde foi inserida a ideologia de gênero, que considera o homossexualismo (e talvez também a pedofilia e a bestialidade) como uma legítima “opção” sexual ou “orientação” (ao invés de desorientação) sexual. O PLC 122/2006 (projeto anti-“homofobia”) da Senadora Marta Suplicy (PT/SP) foi todo inserido no PLS 236/2012. Está no alvo do projeto o bispo diocesano que não admite um homossexual no seminário ou que o afasta do seminário após descobrir sua conduta (art. 472, V), o dono de hotel que se recusa a hospedar um “casal” de homossexuais (art. 472, VI, a) e a mãe de família que demite a babá que cuida dos seus filhos após descobrir que ela é lésbica (art. 472, II). Poderá talvez ser acusado de “tortura” o pregador que, ao comentar um texto bíblico desfavorável ao homossexualismo, “constranger alguém” do auditório, causando-lhe sofrimento “mental” (art. 468, I, c). Segundo o projeto, tais condutas são motivadas por “preconceito” de “gênero”, “identidade ou orientação sexual”. São crimes imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 474 e 468, § 7º).

A perseguição religiosa está preparada e tende a ser violenta. No entanto, o motivo mais grave que nos deve levar a rejeitar tais cláusulas não está nas suas consequências práticas, mas nos princípios em que se baseiam. Toda pessoa, ainda que pratique condutas sexuais reprováveis, como a pedofilia, o estupro, o incesto, a bestialidade ou o homossexualismo, continua sendo pessoa. E é somente na qualidade de pessoa que ela tem direitos. A deformidade moral que a atinge não pode acrescentar-lhe direitos. Quem aceitaria que alguém, ao assassinar um pedófilo, recebesse, além da pena devida ao homicídio, uma pena extra por demonstrar “intolerância” ou “preconceito” contra a pedofilia? É justamente isso que pretende o projeto. Agravar a pena de todos os crimes, se eles forem praticados por “preconceito” de “orientação sexual e identidade de gênero” (art. 77, III, n). Essa inadmissível agravante genérica aparece também em crimes específicos, como o homicídio (art. 121, §1º, I), a lesão corporal (art. 129, § 7º, II), a injúria (art. 138, § 1º), o terrorismo (art. 239, III), o genocídio (art. 459), a tortura (art. 468, I, c) e o racismo (art. 472).

Deus se compadeça de nós.

Notas:
[1] Assim aconteceu com o anteprojeto de Código Penal de 1998, que depois de publicado pelo Ministério da Justiça, ficou por um bom tempo sujeito às críticas da sociedade, inclusive dos Bispos. Porém, nunca chegou a tornar-se projeto de lei.
[2] Em 16/06/2011 o Senador Pedro Taques (PDT/MT) apresentou o Requerimento 756/2011 solicitando a criação de uma Comissão de Juristas para reformar o Código Penal no prazo de 180 dias. O requerimento foi aprovado pelo plenário em 10/08/2011. A Comissão começou a trabalhar em 18/10/2011.
[3] Cf. JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae, n. 65.


Meu Comentário: Se alguém ainda duvida das intenções dos marxistas no poder [vide PT e cia], de instalarem o caos, a injustiça, a guerra social, e o absurdo no país de maneira "legal", consumando o trabalho de anos e anos empenhados em construir uma "realidade" à base da supressão da dignidade humana, estejam certos, esse dia está próximo. E tudo começou com o desprezo e rebelião deliberados contra Deus, com a pretensão de "exaltar" o homem, e que acabará em colocá-lo, definitivamente, na condição mais vil e miserável que alguém poderá chegar: de nu, não ter com o que cobrir a própria vergonha [JFI]

29 agosto 2012

Cristo e a sexualidade - Parte 4: fornicação, divórcio, homossexualismo e eunucos




Por Jorge Fernandes Isah

Na seqüência 3, Cristo e a sexualidade: a mentira liberal, afirmei que não foi por causa do sexo que Cristo não se casou. Exatamente porque o sexo, dentro do padrão bíblico, estabelecido por Deus, é santo. As corrupções humanas à idéia original de Deus é que tornaram o sexo em pecado, pois descumpriram os propósitos ao qual foi estabelecido pelo Criador. Então, deixei a pergunta: Por que Cristo não se casou? A qual, tentarei responder a seguir; após algumas considerações ulteriores.
 
Ao falar sobre casamento e divórcio, Cristo disse que o homem jamais poderia repudiar a sua mulher, a não ser por causa de fornicação, ou seja, a mulher ter relações sexuais ilícitas com outro homem. Não entendo que Cristo está a falar de adultério. O adultério acontece dentro do casamento, e a Lei exigia a morte do adúltero, não o divórcio. O divórcio, mesmo entre os judeus, era praticado por outros motivos que não fosse o adultério. O adultério exigia a pena capital para o infrator. Penso que Cristo não veio "suavizar" a penalidade do adúltero, mas esclarecer que o divórcio somente era possível nos casos em que a fornicação fosse comprovada. Os judeus divorciavam-se por qualquer motivo, normalmente, banais. Cristo veio colocar um ponto final na banalização do divórcio, de tal forma que, apenas a depravação antes do casamento era a condição. Descobrindo o marido o que a esposa fizera, sem que o soubesse antes de casar, estaria permitido o divórcio. Qualquer outro motivo alegado para o divórcio não seria considerado, e ambos, ao se casarem novamente, cometeriam adultério [Mt 19.4-9].

Ao que os discípulos de Jesus disseram: "Não convém casar" [v.10]. Ao que o Senhor respondeu: "Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido" [v.11].
 
Um aparte: o fato de Jesus ter dito que somente nos casos de fornicação o homem poderia repudiar a mulher e pedir o divórcio, não o torna a única opção. Há ainda a opção do marido perdoar a esposa, pelo passado que ela viveu e não lhe confiou antes do casamento. É claro que o marido terá de perdoar a esposa ainda sobre a omissão do seu passado. Mas creio que essa é uma possibilidade mais que real, especialmente se houver arrependimento da esposa em relação aos dois pecados. Não seria apenas um ato "nobre" do marido, mas, sobretudo, de amor e piedade, revelando o seu caráter cristão. É claro que isso envolverá várias circunstâncias, inclusive de personalidade e caráter de ambos, mas deixo registrado como uma probabilidade que eu defenderia nesse caso, como um princípio igualmente bíblico.

Os discípulos se assustaram com a afirmação de Jesus. Já que o homem não podia dispor da mulher e do casamento como e quando bem quisesse, assim, era melhor não se casar. A ideia é mais ou menos a seguinte: se não posso ter o que quero, do jeito que quero, prefiro não ter. Eles estavam dispostos a abrir mão de um privilégio, o casamento, por não querê-lo na forma como instituído por Deus. E estavam dispostos à intransigência, a um comportamento intolerante de não suportar a Lei de Deus. Acontece que a obediência à Lei deve ser entendida como a prova do nosso amor e temor por Deus, e a prova do nosso amor para com opróximo. A dicotomia Lei versus amor, não existe. Ela foi criada exatamente para que o homem cultivasse a desobediência e o desamor.
 
Cristo então dá outra ducha de água fria sobre os discípulos, ao dizer que nem todos podem suportar a condição de solteiro. Provavelmente, devem ter-lhes passado pela cabeça: “estamos num beco-sem-saída”. Como diz o ditado popular: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Nem todos, implicaria que muitos deles não estariam aptos a viverem solteiros sem fornicar, sem pecar. A voz de Paulo podia ecoar em seus ouvidos [pois é a voz do próprio Deus]: "Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar do que abrasar-se" [1Co 7.9]. Em outras palavras, ou resistiam ao pecado da fornicação e mantinham-se solteiros, ou teriam que ser obedientes a Deus no casamento, e não divorciar. Era a encruzilhada em que muitos deles se viram, senão, todos.
 
Novo aparte: O casamento somente é possível dentro do princípio divino de unir macho e fêmea. Qualquer outra conceituação, seja macho-macho, fêmea-fêmea, macho-fêmea-macho, macho-rodentia, fêmea-canis lupus familiaris, etc, pode ser chamada de qualquer outra coisa, menos casamento. O casamento pressupõe o casal, e para se ser um casal, tem-se de ser macho e fêmea, originalmente [Mc 10.6]. "Por isso deixará o homem a seu pai e sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne" [Mc 10.7-8]. Formas deturpadas de casal, como dois homens coexistindo maritalmente, em que um faz o "papel" da mulher enquanto o outro o do homem, nada mais é do que a corrupção da criação. Operações de mudanças de sexo também são corrupções da criação, de tal forma que não são nada mais do que aberrações, imposturas ao padrão normativo de Deus. Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, "por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si" [Rm 1.24]. Deus denomina as formas de sexo não bíblicas [pois há apenas uma forma bíblica: entre homem e mulher, no casamento] como imundícia, e desonra aos que assim agem. A palavra imundícia quer dizer porcaria, sujidade, lixo. É nisso que os homens e mulheres que praticam o sexo fora dos padrões bíblicos se tornam. Seja o sexo heterossexual ou homossexual, apesar deste ter um percentual ainda maior de torpeza e depravação. A fornicação heterossexual é pecado, onde se preserva o gênero. Há uma rebelião não quanto ao que Deus criou, mas na forma como os criou. A fornicação homossexual além de pecado contra a forma, a Lei, peca-se também contra a criação. Portanto, o homossexual é um pecador duplamente condenável, pois se rebela em duas frentes; ele guerreia contra Deus em duas batalhas distintas, resistindo-lhe como Senhor e como Criador. 

Voltando a Mateus, Cristo explicou aos discípulos porque nem todos podiam ser solteiros, visto ser necessário preencher uma das três condições seguintes:

1) Há os que são eunucos de nascença;
2) Há os que foram castrados pelos homens, que tiveram parte ou o todo do seu órgão sexual extirpado;
3) Há os que se fizeram a si mesmos eunucos, por causa do reino dos céus.
Ou seja, provavelmente, a maioria não estaria capacitada a ser e permanecer solteira.
 
No primeiro caso, o eunuco seria alguém em cuja natureza não haveria nenhuma disposição ao sexo, do ponto de vista físico [uma deficiência congênita em seus órgãos genitais, ou hormonais, p. ex] ou uma condição estabelecida por Deus, em que não houvesse nenhum desejo pelo sexo, a fim de que ele cumprisse um determinado propósito divino. Aqui, vai um novo aparte. Alguns cristãos pensam, erroneamente, que Cristo se referiu a homossexuais quando disse "eunucos de nascença"; e o detalhe é simples: os eunucos eram impossibilitados de realizar o ato sexual. Um sinônimo para eunuco é castrado. A sua função mais importante era como guardião das mulheres, do harém do rei. Por isso, eram castrados, ou escolhidos aqueles que não eram funcionais, por motivos óbvios. O homossexual, que na Bíblia é chamado muitas vezes de sodomita ou efeminado, não tem disfunção sexual, e pratica uma sexualidade antinatural. Eunuco não é sinônimo de homossexual, pois o homossexual, via de regra, é ativo sexualmente, enquanto o eunuco, não. O que os homossexuais reivindicam é a posição de um terceiro sexo, quando mesmo um retardado, diante da foto de um homem e de uma mulher nus apontaria quem é quem. A questão é que se está levando a discussão para o lado da subjetividade, e, com isso, tudo o que é subjetivo adquire o caráter objetivo, ao ponto de se promulgar leis que defendem a subjetividade do terceiro sexo. O fato é que, por mais que se queira distorcer as palavras de Cristo, o "eunuco de nascença"não será, jamais, um homossexual. Apenas a ignorância poderá sustentar esse falso argumento.

Quanto aos eunucos que são castrados, já falei deles, e não há muito mais o que se dizer.
 
Há, também, aqueles que se fazem eunucos, por causa do reino dos céus. Com isso, Jesus não está a dizer que são homens que se automutilaram fisicamente. Foi-lhes dado por Deus o privilégio de viverem exclusivamente para o Evangelho. Eles optaram em manterem-se castos, abstendo-se voluntariamente dos prazeres e da prática de qualquer relação sexual, por amor ao Reino. Eles não são eunucos no corpo, mas na mente. Estes são, verdadeiramente, os que podem receber as palavras de Cristo; e assim, como Paulo, ficarem como ele, porque "o solteiro cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor" [1Co 7.32].
 
Na fala de Paulo, em conformidade com o que disse Cristo, nem todos podem ser solteiros porque "cada um tem de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira e outro de outra" [1Co 7.7], de forma que aquele que casa tem o dom para o casamento, e o que não casa tem-no para a solteirice. E o importante é que, esteja casado ou não, o nome de Cristo seja glorificado, vivendo em obediência aos seus mandamentos.

E a resposta para a pergunta: Por que Cristo não casou?
 
Tenho duas hipóteses; as mesmas respostas para a sexualidade de Cristo:
1) Cristo já nasceu casto, para se cumprir o propósito divino de se dedicar integralmente à sua obra e ministério.
2) Cristo se fez casto para cumprir a vontade do Pai e se dedicar integralmente à sua obra e ministério.

Pode ser qualquer uma das duas a resposta, mas tenho para mim que são ambas. Cristo nasceu para fazer a vontade do Pai, e quis viver para realizá-la, perfeita, santa, e completamente. Para que os eleitos pudessem ingressar no seu reino de glória, através da sua obra consumada; o fruto do trabalho da sua alma, no qual se satisfez [Is 53.11]; abstendo-se do sexo, não porque fosse pecado, mas para entregar-se completamente à sua divina missão.

Que Deus nos capacite, no casamento ou não, a viver em santidade, assim como o nosso Senhor é santo; sendo conformados, dia a dia, à sua imagem e semelhança, que nos levará a ser, pelo poder do Espírito Santo, como ele sempre foi e é.

Nota: Texto publicado originalmente no Kálamos