"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

27 maio 2010

Deus, o Autor





Por Vincent Cheung *

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus, a Timóteo, meu amado filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)

Deus é soberano – a vontade de Deus é suprema. Isso significa não somente que ele pode controlar algo se desejar fazê-lo, mas significa que nada pode acontecer a menos que ele decida que isso deveria acontecer e então faça com que isso aconteça mediante um poder ativo e invencível. A distinção é crucial. A falha em reconhecê-la tem resultado em absurdo e inconsistência mesmo naqueles que se consideram defensores da soberania de Deus. Deus não somente pode ativa e diretamente decidir e controlar tudo – como se fosse possível ele metafisicamente deixar algumas coisas funcionarem por si mesmas – mas Deus de fato ativa e diretamente decide e controla tudo, incluindo todos os pensamentos e ações humanas, quer boas ou más. Isso é verdadeiro por necessidade lógica, pois Deus é o único e universal poder metafísico que existe.
Sem dúvida, isso significaria que Deus é o autor metafísico do pecado e do mal. Ele foi aquele que criou Satanás bom e perfeito, e então inclinou o seu coração para o mal. Ele foi aquele que criou Adão bom e perfeito, e então fez com que Satanás o tentasse (a Escritura diz que Deus mesmo não tenta ninguém, visto que tentar é persuadir a praticar o erro, e Deus persuadir diretamente alguém a fazer algo torna esse por definição um ato justo; portanto, é logicamente impossível Deus tentar alguém diretamente), fez Adão sucumbir, e fez com que o seu coração inclinasse para o pecado. Teólogos ficam horrorizados por essa ideia, e quase sempre tentam distanciar Deus do pecado. Contudo, se distanciamos Deus do mal metafisicamente, isso significa que há outro poder metafísico que causa o mal. E isso significa que Deus não está no controle de tudo, que por sua vez significa que esse “Deus” não é Deus coisa alguma. Em outras palavras, contrário à noção popular que é blasfêmia sugerir que Deus é o autor do pecado e do mal, é blasfêmia dizer que ele não o é. Deus deve ser o autor do mal, ou o mal jamais poderia vir à existência. Deus deve ser o autor do pecado, ou o pecado jamais poderia ter acontecido.
Isso é muito diferente de dizer que Deus é mal. Uma coisa não implica a outra. Antes, Deus é aquele que define bom e mal, e mal é aquilo que viola seus preceitos morais. Embora o mal tenha vindo à existência, a Bíblia ainda chama Deus de bom. Isso necessariamente significa que Deus nunca impôs um preceito moral sobre si mesmo declarando que ele nunca deve fazer com que criaturas violem os seus preceitos morais. Portanto, não é mal Deus fazer com que suas criaturas violem os seus preceitos morais, mas é mal para as criaturas, causadas por Deus, violar esses preceitos morais.
Quanto a porquê Deus criaria o mal, e fazer com que suas criaturas violem seus preceitos, e então redimir algumas delas, é surpreendente que mesmo aqueles teólogos que se vangloriam de se referir à história bíblica como o “drama” da redenção não podem ver a resposta para isso. Pergunte ao escritor porquê há tanta oposição ao herói em sua própria história. O escritor não tem pleno controle sobre o que acontece em seu mundo? Se seguirmos as teorias absurdas de quase todos os teólogos, teríamos que dizer que os vilões aparecem e escrevem espontaneamente suas próprias linhas no manuscrito do escritor, e esse tem que dirigir seu herói para vencê-los. Ou, talvez o escritor de alguma forma “permita” que os vilões apareçam e causem destruição, mas eles aparecem sem o envolvimento direto do escritor escrevendo sobre eles na história. Os vilões dentro da história tomam controle da caneta para se inscreverem na história, mesmo antes que eles existam na história! Ou, personagens justos dentro da história tomam controle da caneta e inserem o mal neles, mesmo antes que haja qualquer mal dentro deles para movê-los a fazer isso! Alguém pode se perguntar se os personagens são infinitamente mais poderosos que o escritor. Quanta coisa sobre o decreto “passivo” de Deus e a “permissão” do mal! Em todo caso, se a Bíblia registra o “drama’ da redenção, e se Deus é o escritor e diretor, então a razão, propósito e significado da existência do mal num mundo onde Deus possui controle direto e completo é automaticamente abordada, exceto para aqueles que não tenham nenhuma compreensão do drama. Romanos 9 diz que Deus deseja “tornar conhecidas as riquezas de sua glória” (v. 23).
Suponha que um escritor pense que é o momento de Richard, um personagem em sua história, morrer. Ele pode fazer isso acontecer de muitas formas. Ele pode escrever, sem nenhuma explicação, “Richard morreu”. E Richard morreria. Ele pode lançar uma pedra do céu e esmagar Richard no chão. Ele pode simplesmente parar de mencionar Richard, e embora os leitores e outros personagens na história poderiam não estar cientes disso, ele estaria morto na mente do escritor. Mas já que estamos num drama, tornemos isso mais interessante. O escritor pode introduzir Tom na história. Ele cobiça a esposa de Richard, e no decurso de uma trama complicada e improvável, Tom dá um tiro na cabeça de Richard e o mata.
Seria absurdo distanciar “metafisicamente” o escritor do mal nesta história usando Tom para explicar a coisa toda. O escritor é aquele que concebe Tom em sua própria mente e o introduz na história. O escritor é aquele que o faz cobiçar a esposa de Richard e então atirar na cabeça de Richard. Além disso, o escritor é aquele que faz Richard morrer. Essa é a parte que muitos teólogos e filósofos esquecem quando lidando com metafísica. Na verdade, não é Tom quem mata Richard. Na realidade, não é a bala que mata Richard. Numa história onde o escritor detém poder onipotente, Richard não precisa morrer simplesmente por alguém ter acertado um tiro na sua cabeça. E se Richard morre, o escritor pode ressuscitá-lo dentre os mortos. De fato, o escritor pode ressuscitar Richard dentre os mortos e fazê-lo matar Tom simplesmente mediante um olhar desaprovador.
Esse é o porquê, como explicações metafísicas, as chamadas causas secundárias não têm sentido. Quando a discussão é limitada às relações dentro da história, então é aceitável dizer que Tom mata Richard. Mas quando uma explicação metafísica é necessária, devemos dizer que o escritor faz Tom puxar o gatilho, faz a bala ser arremessada do revólver, e faz Richard morrer. Esses eventos são metafisicamente independentes, e estão relacionados somente no contexto da história. Isto é, a relação entre essas pessoas e eventos existe  somente na mente do escritor, e é então registrada na história. Qualquer evento ocorre somente pela causa direta do escritor. Um objeto dentro da história não pode escrever suas próprias linhas e então produzir um efeito sobre outro objeto dentro da história.
É verdade que o escritor mata Richard usando Tom, e é verdade que Tom atira voluntariamente em Richard. Tom age sob o desejo mais forte do momento, e não é coagido por nenhum outro fator dentro da história. De fato, ele não é coagido nem mesmo pelo escritor, mas isso não significa que ele tenha livre-arbítrio, e seria tolo mencionar que seu desejo e ação são “compatíveis” com o controle do escritor, pois o escritor é aquele que, em primeiro lugar, insere o desejo e ação. O compatibilismo não é apenas falso mas também irrelevante, pois não compreende a questão. Ele não é coagido pelo escritor porque coerção requer resistência naquele que é coagido, mas Tom nem mesmo tem a liberdade para exibir qualquer resistência à vontade do escritor. Seu desejo é escrito em sua mente pelo escritor, e então uma ação que é consistente com esse desejo é escrita na história. Dizer que o desejo, escolha e ação de Tom são compatíveis com a autoria do escritor é dizer nada mais que o escritor é compatível consigo mesmo, ou que o exercício de seu controle é compatível com sua posse desse controle. Isso é irrelevante e inútil para a agenda do compatibilista.
A menos que Tom seja livre do escritor, Tom não é livre em nenhum sentido significante da palavra. Ele poderia ser livre de outros personagens da história, mas mesmo isso se dá somente porque o escritor decidiu assim. Dentro da história, há de fato uma relação aparente entre a ação de Tom, a física da arma e a bala, e a morte de Richard. Mas repetindo, isso acontece somente porque o escritor torna isso verdadeiro nessa ocasião particular. Em outras palavras, não existe nenhuma relação necessária entre a ação de Tom ou a bala, com a morte de Richard. A relação é estabelecida, aparentemente se você desejar, para o propósito da história, ou drama. Na realidade, a vontade do escritor é a única explicação para qualquer condição ou evento no romance.
Tom possui uma liberdade relativa – ele é livre do controle ou interferência de outros objetos e personagens na história na extensão em que o escritor decide que ele seja livre deles. Essa liberdade relativa não tem nada a ver com a responsabilidade moral de Tom para com o escritor. Se Tom é considerado responsável por algo, é porque o escritor decide mantê-lo responsável, não porque Tom possui algum tipo de liberdade. O escritor é capaz de mantê-lo responsável precisamente porque Tom não é livre. Se Tom fosse inteiramente livre, mesmo do escritor, então Tom não prestaria contas a ninguém. A responsabilidade moral de Tom reside inteiramente na soberania e decisão do escritor. Dessa forma, o escritor pode expressar sua desaprovação para com o adultério e assassinato arrumando um final extremamente sangrento para Tom. Se desejar introduzir uma dimensão espiritual, o escritor pode até mesmo enviar Tom direto para o inferno na história.
Embora o escritor seja a causa direta e ativa do adultério e assassinato de Tom, dificilmente seria correto acusar o escritor desses crimes, visto que o escritor mesmo não cometeu adultério e assassinato, e não existe nenhuma lei no mundo (fora da história) do escritor declarando que um escritor não pode narrar um adultério e assassinato em seu romance. Tom, contudo, cometeu ambos, visto que o mundo da história desaprova ambos e reforça leis contra ambos.
Você pode se queixar que tudo isso soa verdadeiro quando diz respeito a escrever um romance, mas nós não somos meros personagens numa história. Bem, Deus não é homem, e quando escreve uma história, ele não está limitado a tinta e papel. Todavia, se você resiste à minha analogia, você pode lidar com aquela usada por Paulo em Romanos 9, onde somos meros montes de barro. Isso te ajuda de alguma forma, ou nos compromete ainda mais à minha visão? Ele diz que Deus introduz pecado, mal e conflito contra si mesmo e o seu povo (v. 17-18), pois ele deseja “mostrar” (v. 22-23). Você diz: “O que? Tudo isso para uma demonstração? Por que Deus ainda nos culpa? Que personagem pode resistir à vontade do escritor?”. Mas quem é você para questionar a Deus? Acaso um personagem pode dizer ao escritor: “Por que me fizeste assim?” (v. 20). O escritor tem o direito e o poder para demonstrar seus valores e talentos da forma que desejar (v. 21).
Estou lhe dizendo o que aconteceu a Paulo. Ele escreve que era um apóstolo de Cristo Jesus “pela vontade de Deus”. A frase em si pode se referir ao decreto ou preceito de Deus. Isto é, pode se referir à decisão eterna de Deus que Paulo seria um apóstolo, ou ao mandamento temporal de Deus que Paulo deveria ser um apóstolo. Parece que a frase em nossa passagem refere-se ao decreto de Deus. Deus decretou todas as coisas antes da criação do mundo, e ele concebeu Paulo e pré-ordenou que ele seria um apóstolo. Paulo escreve que foi separado no nascimento (Gálatas 1.15), mas ele não nasceu um cristão. João o Batista foi cheio do Espírito enquanto ainda estava no ventre da sua mãe, mas Paulo viveu uma vida de assassinato até o Senhor Jesus confrontá-lo. Ambos foram ordenados pela vontade de Deus, mas Deus decretou vidas diferentes para eles.
Não é que Deus “permitiu” Paulo correr solto até Atos 9. Deus tinha tanto controle de Saulo o Fariseu como de João o Batista. Seu plano demandou que Paulo estiver no caminho que estava antes de sua conversão. E Paulo nos diz pelo menos parte da razão: “Mas por isso mesmo alcancei misericórdia, para que em mim, o pior dos pecadores, Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza da sua paciência, usando-me como um exemplo para aqueles que nele haveriam de crer para a vida eterna” (1 Timóteo 1.16). O drama da conversão de Paulo serve ao drama maior da redenção. Deus tinha pré-ordenado que Paulo se tornaria um exemplo de um grande pecador que receberia misericórdia, de forma que “Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza da sua paciência”. Repetindo, isso foi em prol da demonstração, do drama. Mas para isso acontecer – para Paulo se tornar um grande pecador que recebe misericórdia – ele deve primeiro viver como “o pior dos pecadores”. Não foi um acidente que Paulo tornou-se uma demonstração da misericórdia divina, nem podemos explicar isso mediante alguma teoria ridícula de concorrência ou compatibilismo. Nem, esse foi seu destino pré-ordenado. Deus planejou e Deus fez acontecer – tudo isso.
No tempo determinado, o Senhor Jesus apareceu a Paulo e o confrontou. Paulo finalmente percebeu que ele estava errado o tempo todo, e que Jesus era de fato o Cristo predito por todos os profetas. Então Cristo ordenou que ele mudasse todo o curso de sua vida, e o comissionou para se tornar um apóstolo. A vontade de Deus era que ele se tornasse o representante mais eficaz e prolífico da fé na igreja primitiva. Ora, o escritor não tem nenhuma necessidade de Tom se deseja matar Richard, mas a história é sua e ele pode escrevê-la da forma que desejar. No mesmo sentido, Deus não precisa de nenhum homem para cumprir os seus desejos, mas agradou-lhe em seu plano, sua “demonstração” se desejar, empregar instrumentos humanos e ordenar relações humanas neste drama de redenção. E quando algo é dito ser “a vontade de Deus” no sentido de decreto de Deus, então isso será feito, pois sua vontade não pode ser frustrada na história que ele mesmo escreve. Portanto, embora Paulo tenha sido criticado, abandonado e aprisionado durante o seu ministério, os propósitos de Deus em sua vida foram cumpridos. Ele deveria ser o instrumento chave em estabelecer a presença do evangelho de Cristo na Terra, em assegurar sua perpetuidade mediante extensas explicações escritas da fé. Isso ele realizou, e ainda temos os seus escritos hoje, pois a vontade de Deus nunca falha.
  
* Fonte: Este texto faz parte do livro "Reflexões sobre 2 Timóteo", que está atualmente em fase de tradução por Felipe Sabino, que gentilmente autorizou a reprodução, e que será publicado brevemente pela Editora Monergismo

24 maio 2010

Uma Luta Com Classe!


Por Igor Miguel*


"Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta." (Marx & Engels no Manifesto do Partido Comunista).
Não posso concordar com Marx/Engels neste sentido! Não posso concordar com o pressuposto de uma revolução será desencadeada pela ideia de luta de classe. A ideia de "conflito constante" e de "guerra ininterrupta" como algo natural, que conduzirá o homem a uma transformação revolucionária, como se houvesse algum tipo de "desenvolvimento" como afirmará em vários pontos de seu manifesto, é insuportável. Se eles sustentam um "desenvolvimento" pela contradição, pelo conflito, então sugere que há algo de bom na tensão entre os interesses humanos, que é a própria cooptação do mal primevo, já afirmado por Adam Smith (auto-interesse).

O auto-interesse do autor da Riqueza das Nações, agora domado, torna-se o germe, que no final "redimirá" o mundo por meio de processos revolucionários que culminarão com o desenvolvimento da sociedade e por fim a humanidade. O que Millbank [1] chama de "vontade demiúrgica do individualismo humano", torna-se a mola propulsora para o desenvolvimento. O paganismo aqui é explícito! O paganismo de trazer o Olimpo para o mundo, de divinizar os homens e colocá-los na condição de seres autônomos. Aquilo que já era perverso nas raízes do capitalismo, torna-se ainda mais perverso na pena de Marx, pois o que era mau, agora torna-se o próprio meio que conduzirá os homens ao “paraíso” comunista. Adam Smith admitira o auto-interesse, procurou usá-lo para um fim objetivo, domando-o, legislando-o, Marx, diviniza-o, lhe dá um tratamento messiânico, um sabor escatológico à instauração da guerra dos deuses, dos indivíduos.

De acordo com a tradição cristã, principalmente de raiz reformada, é insuportável a ideia de revolução por meio da subversão contra autoridades determinadas. Biblicamente, as autoridades foram instituídas por Deus, que em sua soberania, eleva e abate os poderosos, principados e potestades. Logo, quem “conspira” contra um poderoso, conspira contra os desígnios de Deus.

Neste sentido assevera Abraham Kuyper:

... segue-se que todos os homens ou mulheres, rico ou pobre, fraco ou forte, obtuso ou talentoso, como criaturas de Deus e como pecadores perdidos, não têm de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos como iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens, exceto a que tem sido imposta pelo próprio Deus, visto que ele deu a um autoridade sobre o outro, ou enriquece um com mais talentos do que o outro, para que o homem de mais talentos sirva o homem de menos, e nele sirva a seu Deus. (A. Kuyper em O Calvinismo)
Isso significaria passividade ante à corrupção? Absolutamente não! Isto não significa em hipótese alguma que a tradição judaico-cristã seja “passiva” ante a corrupção, a injustiça e o abuso de poder. Diante destes males, tomamos a frase de São Pedro, “mais importa obedecer a Deus do que a homens”. Neste sentido, se uma autoridade falha em seu papel, julga-se que não se deve “derrubá-lo” pela “mão armada”, ou por qualquer tipo de “crime”. Pois isto seria responder “mal por mal”, seria fazer uso de tirania para derrubar o tirano.

Compete-nos, denunciar a injustiça pela justiça, confrontar a iniquidade com a lei, denunciar o “roubo” com o “não roubarás”. A exposição da lei, o exercício da denúncia profética, no estilo João Batista que denunciou as orgias de Herodes. Mas, nunca, nunca se deixar seduzir pela revolução, jamais fazer uso da mesma lógica dos tiranos, a lógica do golpe. Nunca dar ouvido ao jacobino que procurou seduzir 
William Wilberforce, que finalmente optou pela transformação pelos caminhos da justiça ao invés da conspiração. Neste sentido, uma percepção política cristã, deveria se basear na “reforma” ou na “restauração” e nunca na “revolução”, na imposição violenta e na conspiração.

Não há como ser progressista, não há como confiar no homem sob efeito da queda. Neste sentido, a visão agostiniana [2] de “queda” concebia que o cristão é um ser em permanente estado de “desconfiança” a respeito do homem e absoluta “confiança” na soberania de Deus sobre os poderosos. Não é possível confiar na revolução a partir da 
luta de classes, a resposta judaico-cristã envolve uma luta com classe e a sofisticação necessárias, para com graça, manifestar justiça onde opera a iniquidade.
“… o homem que vemos todos os dias – o trabalhador.... o pequeno funcionário... está mentalmente preocupado demais para preocupar-se com a liberdade. Ele é mantido sob controle com literatura revolucionária. É acalmado e mantido em seu lugar por meio de uma constante sucessão de filosofias insensatas. Ele é marxista num dia, nietzcheano no outro, super-homem (provavelmente) no dia seguinte e escravo todo os dias.” (G.K. Chesterton em Ortodoxia).
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[1] MILBANK, John. Theology & Social Theory: beyond secular reason. Malden, USA: Blackwell Pub., 2006.
[2] Se bem, que a visão de queda tem raízes profundas, mesmo em eras pré-paulinas. Há evidências de uma teologia da queda na escatologia dos essênios.



*Texto gentilmente cedido pelo autor
Fonte: Pensar...

22 maio 2010

POLUIÇÃO

Ave na baia da Guanabara no vazamento do Tarik

Por Folton Nogueira*

Em dezembro de 1952 a umidade, o frio e aos altos teores de dióxido de enxofre na atmosfera causaram a morte de cerca de 12 mil pessoas em Londres. Houve dias com 900 mortos. Este acidente é considerado um marco no registro das catástrofes ambientais modernas.

Em 1984 um vazamento de gás em Bhopal, na Índia, matou 27 mil pessoas. Em fins de abril de 1896, um vazamento de radiação em Chernobil, na Ucrânia, contaminou milhares, contaminou 4 mil e matou 56 pessoas. Em setembro de 1987, em Goiânia, a capsula de um aparelho de Raios X, desmontada em ferro velho, contaminou mais de 100 pessoas, levando 4 delas à morte, e deixou uma herança maldita de 13 toneladas de lixo atômico que precisa ficar guardado por quase 200 anos.

Em 1978 o Amoco Cadiz derramou 230 mil toneladas de petróleo no litoral da França. Em 1989 o Exxon Valdez derramou uma quantidade menor na costa do Alaska, mas até hoje é considerado o pior desastre ambiental devido a circunstâncias locais. Em 1975, o Tarik Ibn Ziyad derramou 6 milhões de litros de óleo na Baía da Guanabara. A foto acima é desse desastre. E como estes, mais de 30 outros acidentes com navios petroleiros engrossarão uma pesquisa rápida.

Nas últimas 4 semanas cerca de 800 mil litros de petróleo vazaram todos os dias no Golfo do México e não há certeza de que o vazamento tenha sido estancado.

Listei alguns dos muitos casos de poluição atmosférica e marítima, mas tenho certeza de que você conhece um rio, uma lagoa ou uma represa poluída. E, se não se recorda de terra poluída, procure saber de Santo Amaro da Purificação na Bahia.

Hoje falamos não apenas de poluição do ar, da água e da terra. Expandimos o conceito para poluição sonora, visual, etc. Vou mais longe: Sem alterar os critérios creio que poderíamos estender o mesmo conceito às coisas da alma.

Na verdade a primeira poluição foi a da alma e dela derivam-se as demais. Por poluir sua própria alma o homem degradou também o jardim de Deus: o meio ambiente.

Os poluentes da alma são mais sutis e vazam com a aquiescência de algum e para o deleite de outros. Entretanto a lista de mortes causadas por eles é muito maior do que a soma de todas que se possa fazer dos desastres ambientais.

O senhor Jesus se referiu a eles como tendo origem no coração: “Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem. Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15.18-19), e o apóstolo Paulo entendeu isso com clareza ímpar e o aplicou à própria igreja ao dizer “as más conversações corrompem os bons costumes” (1Co 15.33).

Somos poluidores por natureza. Mesmo redimidos poluímos tanto o meio físico quanto o espiritual. E, a exemplo da lista de desastres ambientais com que abri este artigo, há como fazer muitas outras de desastres em que muitas almas foram vitimadas. O Senhor já advertia:“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós” (Mt 23.15).

Missionários ou poluidores? Disseminadores do verdadeiro Evangelho ou das piores desgraças que habitam os recônditos de uma alma poluída? Acaso você não tem visto defensores de adultérios ou prostituição disfarçados de pastores? Nunca percebeu tal “teologia da prosperidade” quando não é uma apologia do furto é uma disseminação de blasfêmias? No mínimo você há de concordar que há uma multidão de pregadores de “maus desígnios”.

Não é sem razão que “toda criação geme e suporta angústias até agora” e que nós “igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a redenção de nosso corpo” na esperança do fim deste cativeiro, do qual a poluição é apenas um aspecto.

* Fonte: FOLTON

16 maio 2010

Que é Recontrucionismo? E Teonomia?


por R.C. Sproul Jr.


Tal como ‘calvinismo’ e ‘teologia reformada’, estes dois termos (‘reconstrucionismo’ e ‘teonomia’) são volta e meia usados como sinônimos. Porém, é melhor entendê-los, respectivamente, como gênero e espécie. Ou seja: adesão ao calvinismo é uma parte do que significa ser um reformado mas não é a coisa completa. De forma similar, pode-se sugerir que teonomia é parte do conjunto mais amplo de convicções denominado de ‘reconstrucionismo’. Teonomia pode ser entendida como a persuasão de que a lei civil que Deus deu a Israel no Antigo Testamento também deveria ser a lei corrente em todas as nações do mundo.
Já o reconstrucionismo, caso não seja visto como um mero sinônimo, abrange, além de convicções teonômicas, uma escatologia otimista: a convicção de que o reino de Deus está crescendo e, antes do retorno de Cristo, cobrirá o mundo como as águas cobrem o mar. Teonomia também inclui, em grande parte, um compromisso com a apologética (defesa da fé) vantiliana (isto é, de Van Til), também conhecida como ‘pressuposicionalista’. Tal perspectiva sugere, dependendo de quem a defende, que devemos pressupor a existência de Deus no intuito de provar a Sua existência, ou então que é impossível e perverso tentar provar a Sua existência (e, assim deveríamos simplesmente a pressupor). Outras pessoas acrescentam ainda mais detalhes ao definir o reconstrucionismo (por exemplo, a teologia do pacto), mas estes quatro (calvinista na teologia, teonômico na ética, otimista na escatologia e pressuposicional na apologética) são os principais elementos.
Há dois pontos importantes. Primeiro, independente de se adotar a teonomia ou não, todos nós cristãos deveríamos ser teonomistas de alguma forma. Meus amigos teonomistas sempre propõem duas alternativas: “autonomia ou teonomia!”, eles dizem. E, obviamente, estão corretíssimos. Nós teremos ou a lei humana ou a lei divina, e somente um néscio prefiriria os homens a Deus. A questão, então, se corretamente entendida, não é se devemos ter a lei que Deus quer que tenhamos. A questão, pelo contrário, é a respeito de qual lei Deus quer que nós tenhamos. Será que Deus deu a lei civil (isto é, a lei que diz respeito ao governo) a Israel como um paradigma ou padrão para a legislação ideal de qualquer Estado?
A Confissão de Westminster nos convoca a adotar o que os teólogos na época chamavam de ‘equidade geral’ da lei. Isto é, embora haja princípios fundamentais da justiça de Deus em operação na instituição da lei civil do Antigo Testamento, talvez seja necessário dar os ajustes apropriados e levar em conta que o nosso contexto é diferente daquele. Um exemplo comum é o seguinte: no Israel do Antigo Testamento, os proprietários de imóveis tinham que ter cercas nos seus telhados. Tal lei faria pouco sentido nos nossos dias, pois não temos o hábito de passar o tempo em cima das nossas casas. A ‘equidade geral’ sugere que o objetivo desta regra é a segurança física dos familiares e dos eventuais hóspedes. Assim, pode-se dizer que os proprietários modernos deveriam ter ‘cercas’ nas suas piscinas. Uma medida para o seu nível de proximidade em relação à teonomia como ideologia é refletido na precisão da sua aplicação dessa ‘equidade geral’.
Em segundo lugar, cuidado! Não dê ouvidos àqueles críticos que não entendem coisa alguma de teonomia ou de reconstrução. Aqueles de esquerda (teológica e politicamente) gostam de retratar os teonomistas e reconstrucionistas, herdeiros dos puritanos, como se fossem ‘jihadistas evangélicos’ do inferno que desejam impor um regime fascista calvinista sobre o resto do mundo. Isso é uma calúnia sem par! Os teonomistas, bem como o resto de nós cristãos, querem ver justiça no âmbito político. Eles querem ver as nações serem disciplinadas. Eles querem que o reino se manifeste. Eles querem ver todo joelho se dobrar e toda língua confessar que Jesus Cristo é Senhor. E quem é que, estando em Seu reino, poderia desejar outra coisa?
Tradução: Lucas G. Freire
Texto disponível originalmente em Monergismo

Nota [autor do blog]: Como Sproul colocou, o reconstrucionismo passa necessariamente pela escatologia, mormente, o pós-milenismo preterista parcial. Por isso, considero-me teonomista, e não sou reconstrucionista. É possível ser o primeiro e não ser o segundo, mas sendo reconstrucionista, certamente se terá de ser teonomista. 
O texto é simples, objetivo e delineia claramente os dois pontos e suas diferenças, ainda que não seja exaustivo.

10 maio 2010

Disseram que eu preciso de terapia



Por Alfredo de Souza *

No final do ano passado participei de algumas bancas de defesa na universidade onde trabalho. Pude julgar pesquisas levadas a cabo, estruturadas em forma de monografias meticulosamente elaboradas.
Tudo teria ocorrido normalmente não fosse por um comentário que ouvi acidentalmente de uma aluna no final de uma defesa. Ao se dirigir a outra pessoa ela disse: “o professor Alfredo precisa de terapia.”
Em circunstâncias diferentes isso teria me encafifado, pondo sob profunda reflexão a minha atuação como pesquisador, docente e membro das várias bancas. Mas o comentário cheio de ironia foi mais que um elogio, foi uma lisonja, pois a referida aluna se baseou na minha postura contrária ao marxismo e seus desdobramentos.
Meus comentários como membro das bancas de defesa insistiram nessa postura crítica contrária a toda metodologia ou cosmovisão esquerdista. Na oportunidade reafirmei minha total discordância relacionada ao marxismo e seu estilo ultrapassado e panfletário que, como método, não consegue dar conta dos fenômenos sociais mais específicos, fazendo-o ficar anos-luz das análises mais sofisticadas (vale ressaltar que até mesmo o estruturalismo binário de Lévi-Strauss ou a lingüística de Saussure não me são simpáticas).
Paralelo às pesadas criticas contra o marxismo, apresentei como sugestão aos formandos as várias teorias culturalistas que, a meu ver, são as melhores opções que temos na atualidade para a compreensão de certos fenômenos humanos, seus conflitos e suas adaptações.
Minha militância (ou loucura) anti-esquerdista já se tornou conhecida na universidade, suscitando admiração por parte de alguns e ódio da parte de outros.
Sempre que dou palestras, ministro aulas ou realizo orientação, busco persuadir ou até mesmo dissuadir os alunos para que se libertem da análise que se detém quase que unicamente sobre os modos de produção. Incentivo-os a mergulhar em aspectos mais específicos e peculiares ao cotidiano.
Nessa empreitada, utilizo até mesmo o bom humor. Em minha sala, por exemplo, há dois pôsteres engraçados: o primeiro traz o ator Ramón Valdés (Seu Madruga da “Turma do Chaves”) estilizado de Che Guevara; o segundo pôster traz a figura de um asno ao estilo “looney toones” onde se pode ler: “looney left, it’s all folks”. O mais surpreendente é que a maioria não percebe a zombaria carregada de sarcasmo e humor.
É por causa disso que fui chamado de alguém que precisa de terapia. E se a necessidade de terapia significa loucura, logo sou o maior mentecapto da universidade, e faço questão de ser reconhecido assim. Quero ser visto como louco que rejeita as teorias, as éticas, as morais, as estéticas e as políticas oriundas da esquerda (o uso do plural é de proposito).
E por que sou assim? Sou assim porque sou um cristão reformado, ora bolas! Devo ser coerente com o que professo! Como cristão quero combater os horrendos pecados promovidos pelo esquerdismo moral, ético, estético e político. Afinal de contas, ser cristão reformado hoje em dia é ser viril teologicamente, corajoso epistemologicamente, é ser lúcido holisticamente. O meu compromisso com as Sagradas Escrituras faz de mim um tresloucado para o mundo, e não há Freud nesse mesmo mundo que possa “curar” esse estado de espírito incondicionalmente compromissado com o Evangelho.
A alegria que tenho está em frustrar a minha aluna crítica (sim, ela é minha aluna no curso que coordeno), pois não há remédio capaz de “curar” esse devaneio que mantém a minha voz contra la belle théorie tão bajulada desde o início do século XX.
Para falar a verdade, sou louco porque sou lúcido!
Sola Scriptura

Nota - Texto gentilmente cedido pelo autor e disponível originalmente em Alfredo de Souza

07 maio 2010

A Separação Marxista da Igreja e o Estado







por Rousas John Rushdoony *

Um entendimento da doutrina marxista da separação da igreja e o Estado é urgentemente necessário, porque há uma crescente confusão entre a visão marxista e a antiga posição americana.
No mundo marxista, como na União Soviética, a separação da igreja e o Estado significa que a igreja deve ser totalmente separada de cada área da vida e pensamento. Ela não tem a permissão de educar ou influenciar a educação, muito menos influenciar o Estado. Porque as crianças são vistas como propriedade do Estado, a igreja não pode influenciar ou ensinar as crianças. Em todas as esferas, a igreja é isolada do mundo e vida dos seus tempos e requer-se que ela seja irrelevante e impotente. Na visão marxista, a separação da igreja e o Estado é um grande obstáculo e penalidade legal impostos sobre a igreja. É na verdade uma separação da relevância, do poder de influenciar, e da liberdade para funcionar.
Na visão americana histórica, a Primeira Emenda coloca todas as restrições sobre o governo federal, que é impedido de estabelecer, governar, controlar ou regular a igreja. A visão marxista algema a igreja; a visão americana algema o Estado.
Em anos recentes, o Estado, Congresso, os tribunais e vários presidentes têm manifestado, em diferentes graus, uma aderência à visão marxista. Assim como o poder estatal invadiu todas as outras esferas da sociedade, agora ele está invadindo a igreja. Assegura-se que o Estado tenha total jurisdição sobre cada esfera, e os tribunais em anos recentes têm se pronunciado sobre absurdos tais como código de vestimenta nas escolas e tamanho do cabelo de um garoto. Nenhuma questão é demasiadamente insignificante para ser ignorada pelos tribunais em seu zelo por jurisdição totalitária. Sem serem marxistas, eles compartilham da crença marxista da jurisdição total do Estado. Como esperado, eles estão se movendo na mesma direção.
Isso não deveria nos surpreender. Dada a crença humanista no homem ou Estado como absolutos, qualquer liberdade ou poder alegado pela igreja é visto como irrelevante ou errado. O humanista está sendo fiel à sua fé, às suas pressuposições.
O fato triste é que muitos teólogos compartilham da visão marxista. Para eles a separação da igreja e o Estado significa que a igreja nunca deve se envolver com algo que seja de preocupação política. Sou com frequência informado por leitores sobre pastores e líderes de igreja que não permitem a menção de aborto, homossexualidade, eutanásia e questões semelhantes no púlpito, e nem mesmo nas instalações da igreja. Tais assuntos, insistem eles, são “políticos” e “violam” a separação da igreja e o Estado. Eles chamam de ortodoxia a sua confusão, covardia e heresia.
Os profetas, pregadores de Deus de outrora, eram ordenados pelo Senhor a proclamarem a lei-palavra de Deus com respeito a todas as coisas e a corrigir e repreender reis e governadores. Quando o nosso Senhor promete aos seus discípulos que eles seriam levados diante de governadores e reis por Sua causa, e “para testemunho contra eles” (Mt 10.18), ele não quis dizer que então eles deveriam repudiar a fé, ignorar o aborto e o homossexualismo, e ficarem calados sobre os pecados do Estado!
Não há limites para a área do governo, lei e controle soberano de Deus. Não pode haver limites para as áreas de testemunho da igreja, nem para a sua pregação e preocupações ordenadas.
*FonteChristianity and the State, de R. J. RushdoonyTradução: Felipe Sabino de Araújo Neto, maio/2010
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