"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

26 fevereiro 2011

A luta contra o vazio



Por Pr. Luiz Fernando Ramos de Sousa

"Respondeu-lhes pois Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras de vida eterna". Jo. 6:68.

A luta do homem moderno é para preencher o grande vazio existencial. A busca porentretenimento, por conhecimento da vida de pessoas famosas (fofocas), por curiosidades e fórmulas artificiais, realça este vazio. Meios artificiais são criados pelas mídias televisivas para prender a atenção dos assistentes. Se observamos seus conteúdos, veremos que são inversões totais de valores. A moralidade é desprezada, a gentileza banida, a cultura depreciada etc. premiando-se a estupidez, a força física (estética) e a hediondez. Este vazio aumenta quando a sociedade se alimenta destas coisas. Vemos a perpetuação da maior mostra de vazio existencial, BBB. Milhões de lares são expostos e afetados pelo conteúdo deste vileza. Nossos filhos são expostos a comportamentos bizarros, anticulturais, anti-sociais e mesmo imorais. Aprendem os modos mais perversos de comportar em relação ao sexo, absorvem comportamentos imaturos e erráticos em relação ao enfrentamento das crises da vida e tomam para si como padrões vivenciais a mentira, o engano, a traição e a competição desonesta. Eles ainda colherão os frutos destes momentos em suas vidas futuramente. Realmente é uma inversão de valores.

O pior é que milhares de cristãos se posicionam a favor desta vileza usando a desculpa que aprendem como o mundo está perdido. Na realidade, escondem também seus vazios existenciais. Com certeza, após esta falácia do BBB, milhões de lares ficaram mais pobres. O diálogo em família é substituído pela imbbbecilidade do BBB. As brincadeiras em família são desprezadas em detrimento do BBB. A oração familiar e individual morre nestes dias. Enfim, todos perdem muito por tão pouco.

Santo Agostinho orou assim: "Senhor tu nos criaste para Ti e só alcançaremos descanso em ti". O mesmo Agostinho disse: "Existe um vazio no homem que é do tamanho exato de Deus". Deus disse através do profeta Jeremias: "Porque o meu povo fez duas maldades: A mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas". Jer. 2:13

Enquanto o homem não voltar para Deus, fonte de vida, encontrar-se-á lutando contra seu vazio existencial. Enquanto Cristo não for entronizado nos corações, o homem terá fome e sede pelo transcendente e nada o satisfará.

Como você está? Cheio da melancolia do BBB? Com raiva porque quem saiu era seu candidato? Ou frustrado consigo mesmo por perceber que tudo não passa de ilusão?

Somente o Senhor Jesus Cristo pode trazer significado para a vida.

Soli Deo Gloria

Nota: Texto disponível originalmente em "Ministério Força para Viver"

25 fevereiro 2011

Razão e fé, presciência e tricotomismo: três respostas

Por Roberto Vargas Jr. 

----- (1) -----
Estou já há algum tempo devendo algumas respostas… São três assuntos desconexos e eu poderia fazer três postagens separadas. Mas uma postagem única me auxilia em um tríplice objetivo.
O primeiro deles é obviamente dar as respostas que devo. O segundo é tentar fazer com que estas respostas não sejam longas e por demais cansativas. O terceiro… Bem, o terceiro objetivo é melhor ser esclarecido no tempo devido…
----- (2) -----
Razão e fé
Inicio pela questão que, talvez, seja a mais difícil de responder. Surpreendentemente, porém, terei a resposta mais rápida. Quando da postagem De certo racionalismo, o Helder me propôs o desafio (Helder, as duas outras questões eu deixo em aberto para, quem sabe, nova postagem):
Uma vez que tenhamos atingido os limites da razão...o que fazer? Dar uma de Kierkegaard e saltar no escuro? Calar-se e reconhecer a ignorância?
Não é assim que vejo. A razão tem seus limites, mas extrapolá-la como se fosse impossível usá-la depois de certo ponto é mesmo um irracionalismo que não me agrada (e provavelmente concordo com aqueles racionalistas neste ponto).
A razão não prescinde da fé desde o começo. Há uma dependência tal que, se quisermos mesmo fazer uma separação entre elas no processo de pensar, talvez devamos fazer uma tríplice divisão: fé-razão-fé. Temos todos nossos pressupostos, que nos permitem toda razão, que nos leva a mais pontos de fé…
Mas não posso dizer senão que tudo isso é sempre uma e a mesma ação. É impossível separar de fato razão e fé. Pelo que minha resposta mais direta seria: usamos fé e razão concomitantemente, quer nos pressupostos que temos, quer no que deles apreendemos, quer nos mistérios que restam.
Em relação à ignorância reconhecida, não é necessário calar-se quanto a ela. Ao contrário, este é sempre o princípio da sabedoria…
----- (3) -----
Presciência
Em três textos, o Clóvis afirma a presciência de Deus: Presciência, certeza e predestinaçãoA presciência mata o livre-arbítrio? e Conhecidos de antemão. Em um deles e via chat nós “brigamos” por causa do termo. Pois eu não gosto dele.
E não gosto dele do mesmo jeito que não gosto de “livre-arbítrio”. Não é que os termos sejam ruins ou “errados” em si mesmos. Nem que sejam ruins para serem usados comumente. Mas são ruins como termos técnicos. Pois posso falar em livre-arbítrio sem pudor se elimino de liberdade a autonomia. E posso falar de presciência sem pudor se o “conhecer antes” for anterior ao tempo.
Também, que fique claro que meu não gostar de “presciência” não pode ser pelo termo bíblico equivalente. Nas palavras do Clóvis ao citar Rm 8.29-30:
O termo traduzido pela NVI como "conheceu de antemão" deriva de uma palavra grega (proginosko), que é formada por uma preposição que significa "antes de um certo ponto" e um verbo que significa "conhecer". Daí, conhecer de antemão.
Ora, felizes as traduções que mencionam um “conhecer de antemão”. Pois “presciência”, em nossa língua e sem maiores explicações, remete demais ao tempo, chegando mesmo a ter ares de adivinhação, como em “prognóstico” ou “previsão”. E o próprio fato de termos que explicar demais o termo me faz não gostar dele. É certo também que “conhecer de antemão” terá a conotação de tempo para quem assim insiste em pensar. Mas o direcionamento para a eternidade é claro.
Falando em texto bíblico, é emblemático o texto grego em I Pe 1.20. Nele se afirma que Cristo foi "conhecido antes" "antes da fundação do mundo". Precisa mais para mostrar que o “conhecer antes” é um ato na eternidade? E, por ser eterno, é um ato único, junto com todo o decreto divino, o que deveria redimir o termo em português, além de torná-lo idêntico a “ciência” ou “onisciência”. Afinal, Deus simplesmente conhece e seu conhecimento é total, pleno e exaustivo. [1]
Mas não é só por remeter ao tempo que não gosto do termo. Ou melhor, justamente por remeter ao tempo, o termo é revelador de uma cosmovisão que não convém. Revela que os pressupostos mais profundos estão fora de foco. Pois partimos da eternidade ou do tempo? De Deus ou do homem?
É verdade que, como afirma Calvino, o conhecimento de Deus e do homem concorrem, sendo difícil dizer qual vem primeiro e qual ao outro origina. Mas isso é um foco diferente do que o que estou dizendo aqui. Eu falo do ponto de referência, e este deve ser sempre o Logos.
É por isto que, ainda que use de quando em quando termos como "presciência" ou mesmo "livre-arbítrio", faço-o com moderação, cuidado e, com toda honestidade, não gosto deles. [2]
----- (4) -----
Tricotomismo
Em certo ponto da postagem Homilia (esboços) 1 eu fiz, a propósito do texto em Lc 20.52, as relações: sabedoria com alma, estatura com corpo e graça com espírito. Isto levou o Zwinglio a me perguntar se sou tricotomista.
A pergunta é mais interessante (ao menos a mim) e de longa resposta do que parece de início. Sim, já fui tricotomista. Mas minha posição hoje é: não exatamente. Como assim? Tentarei explicar.
Antes de continuar, no entanto, aquiesço à ortodoxia que afirma que a Palavra muitas vezes usa os termos “alma” e “espírito” um pelo outro, e isto majoritariamente. Isto, no entanto, não me leva a um dicotomismo. E não é simplesmente porque alguns versos nos sugerem tricotomismo.
Na verdade, o que é absolutamente claro pelo texto bíblico é que há um elemento material e um espiritual no homem. E é apenas sugerido que o elemento espiritual seja duplo. Uma sugestão bastante forte, eu diria. Porém, novamente, isto não me leva ao tricotomismo.
Minha posição é a de um “monismo tricotômico”, ou nas palavras de quem me alertou para a ideia [3]: uma “unidade condicional”. O homem pode ter dois elementos, o material e o espiritual, seja este último um alma e espírito, seja um alma ou espírito, mas o homem só é homem se estes elementos estão juntos.
Um corpo sem alma/espírito é um cadáver, e quem já viu um sabe que aquela matéria já não pode ser identificada com a pessoa que um dia foi. Um elemento espiritual é, talvez, um fantasma (será que deveríamos tecer considerações sobre o estado intermediário, se houver?), o que me enche de dúvidas, mas homem mesmo por certo sei que não. Assim, um certo monismo se faz necessário. Um homem é um homem, indivisível em seus elementos material e espiritual.
Mas é possível “dividi-lo” em partes? Sim, do mesmo modo que dizemos que o homem é razão, emoção e vontade e estas faculdades andam inseparadas mesmo no louco, no retardado, no imoral ou no doente qualquer que a depravação total gere. Sim, é deste mesmo modo que os elementos material e espiritual podem ser atribuídos ao homem.
Se assim é, entretanto, e se há uma sugestão de divisão dentro do elemento espiritual, sem que deixe de anuir ao discurso dicotomista, restrição feita ao necessário monismo, não vejo porque não falar em corpo, alma e espírito. Ao menos didaticamente. Mas há um motivo adicional…
----- (5) -----
O que me leva ao meu terceiro objetivo. [4]
Há quem pense em Deus como um grande-moralista-estraga-prazeres-cósmico. Eu não posso ver, mesmo em meio às tragédias humanas, senão bom humor e certa ironia nas marcas que a Trindade deixa de Si em sua criação. Parece haver algo com o número três…
Três objetivos… Três temas… Três respostas… Uma postagem! Claro, estas não são as marcas do Deus Triuno. Mas mostram que meu terceiro objetivo transcende o texto que fiz até agora. Agora, observe…
O homem como razão, emoção e vontade e, o motivo adicional, o homem como corpo, alma e espírito. O esquema criação-queda-redenção. Os estados da matéria. As dimensões que ordinariamente apreendemos. E não é curioso que seja em três apenas um homem? Há apenas uma história de salvação, a mesma matéria, a mesma realidade apreendida. Até mesmo há a tríplice divisão do mesmo pensar a que me referi há pouco.
Não, não posso ver nisso mera coincidência. Vejo marcas indeléveis de um Deus que é um e três. Há certa bem humorada Poesia e Beleza! Num exacerbado antropomorfismo, vejo-O a sorrir meio de lado ao deixar Suas pegadas. Vejo-O com um imenso sorriso de prazer quando um dos Seus eleitos as encontra.  
Mas, ora, cinco pontos para mostrar três? Dizem-nos que uma boa homilia tem três pontos. Some-se introdução e conclusão e temos cinco pontos para mostrar três e, se boa homilia mesmo, apontar ao Um que é Três. Humm, isso não leva a algo além? Talvez seja por isso que temos os Cinco Solas… Os Cinco Pontos[5]… Mais uma bem humorada Poesia!
SOLI DEO GLORIA
………………………………….
[1] O “conhecimento exaustivo” leva muitos a afirmarem planos A, B e N na mente de Deus. Isto é algo completamente absurdo ao se perceber os atos de Deus como únicos desde a eternidade.
[2] Não gosto do termo, mas também não faço caso por meu não gostar. Continuarei a considerá-lo um termo técnico ruim e a própria contenda entre calvinistas e arminianos e a diferença de entendimento sobre o termo entre eles são provas do meu ponto. Mas quem quiser usá-lo, que o use. E explique-o.
[3] Erickson, M.J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.
[4] É claro que encerro este texto com uma grande brincadeira. Não, porém, que eu não creia no que eu disse ou que o tenha feito apenas para brincar (e, quem sabe, fazer pequena provocação). Eu creio num Deus bem humorado. Eu creio na Poesia e na Beleza. E creio que Suas marcas façam parte deste contexto de humor e Beleza. Apenas que não farei caso de defender este discurso. Quem quiser que me considere blasfemo. Mas sei que há quem veja a mesma Poesia…
[5] Quanto aos Cinco Pontos, isso não passa de uma referência ao Calvinismo que não o esgota. Há muitos mais pontos no Calvinismo que aqueles que o defenderam em certo tempo na história.

Nota: Texto gentilmente cedido pelo autor e disponível originalmente em "Roberto Vargas Jr." 

23 fevereiro 2011

Vivendo

Por Joelma Rocha

Vivendo e sendo ensinada pelo Espírito Santo, forjando meu caráter e minha personalidade no meio das adversidades à despeito de todos os contrastes. Vivendo e aprendendo, sendo ensinada e lembrada. Sigo assim, colhendo preciosas lições...pérolas de aprendizado em cada etapa.

O Espírito Santo não me deixa esquecer que o bem sempre vence o mal. Que correção e obediência são demonstrações de amor. Que amar é cumprir a Lei. Que “morrer” para o mundo é “viver” para DEUS. Que quem for fiel até a morte receberá a coroa da vida. Que as motivações do meu coração são mais importantes que os meus sacrifícios. E que DEUS olha para mim e me vê pelo avesso.
ELE não me deixa esquecer que um homem não vive só de pão. Que más conversações corrompem bons costumes. Que DEUS recompensa quem age em segredo. Que os tesouros aqui da Terra não têm valor lá no céu. Que feliz é quem chora. Que a vitória não é dos fortes nem dos velozes. Que quem se humilha será exaltado. Que libertos do pecado, nos tornamos escravos da justiça.

Não me deixa esquecer que é possível ter paz em meio às tormentas. Que há provisão no deserto. Que os sofrimentos, quando manifestados em grande medida,fazem transbordar as consolações por meio de Jesus. Que “leve” é o peso que deveras sinto, e que “momentânea” é a tribulação que se apresenta sem fim, e que isso produz eterno peso de glória, acima de toda comparação.

“Pois a sabedoria de  DEUS é loucura para os homens... 
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes;
E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são.”
Por isso, não me preocupo com as coisas que vejo, e sim, com as que não vejo, por que as coisas que se vêem são temporais, mas as que não se vêem são eternas.
Sou assim amada, ensinada e lembrada pelo Espírito santo de DEUS, e quando não sou capaz, ELE intercede por mim. 

FONTE: Texto gentilmente cedido pela autora e disponível em "Verdade no Coração" 

22 fevereiro 2011

Vaso de Honra - Parte 1


  

Por André Luiz


Na última quinta-feira de janeiro de 2011, estávamos, eu, Fabiano e Mário - o primerio Presbiteriano, o segundo Pentecostal e o terceiro Batista - conversando sobre alguns assuntos bíblicos e chegamos brevemente a falar sobre predestinação, e também, por ser a hora de início de trabalho(estávamos na fábrica)não pudemos continuar o assunto. Pois bem, gostaria de continuá-lo por aqui.


Antes de começá-lo gostaria de esclarecer que essa é uma continuação de conversa e a dividirei em duas partes se Deus permitir. Dividi-la-ei em duas porque tratarei sobre a predestinação para a salvação, primeira parte; e, preterição, segunda parte. Contudo, não é por ser a continuação da nossa conversa que alguém fora nós não podem adentrar, aliás, faço o convite para que participem, comentando, discordando, questionando, enfim, colaborando.

Gostaria de começar lendo o texto de Romanos 9. 19-29 que diz:

"Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?
Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?
Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição,
a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão,
Os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? Assim como também diz em Oséias: Chamarei povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada;  e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados filhos do Deus vivo.
Mas, relativamente a Israel, dele clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo.
Porque o Senhor cumprirá a sua palavra sobre a terra, cabalmente e em breve;
como Isaías já disse: Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado descendência, ter-nos-íamos tornado como Sodoma e semelhantes a Gomorra."

Eu não tenho nada acrescentar de novo ao texto, pois acredito que o mesmo é suficiente para percebermos que Deus no verso 23 preparou os vasos de misericórdia de antemão e os chamou. Mas, entendamos o contexto anterior.

Nos versos 1-5 o apostólo Paulo abre o coração demonstrando sua tristeza e dor pelos seus compatriotas, dos quais descendia, e, não somente por ele ser seus irmãos segundo a carne, mas porque deles são todos os tipos, símbolos, a legislação e tudo mais que representava e tipificava o Cristo que havia de vir; contudo, sua maior tristeza está revelada nas duras palavras dos versos 6-13, nas quais é revelado dentre outras coisas que nem todos os de Israel são de fato Israelistas, ou seja, nem todos aqueles que estão dentro da nação políticae social de Israel, fazem parte da nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, o Israel Espiritual. Isso sim, é motivo de grande tristeza, não estar em Cristo.
E, continuando do 14-18 ele vai revelando que isso não faz de Deus injusto, pois Ele é Soberano para ter misericórdia de quem quiser e ter compaixão de quem quiser, também.
E, por fim, chegamos a passagem que será considerada por nós.

Soberania versus vaso de barro!

Que Deus é Soberano ninguém duvida. Mas, que Deus Soberano é esse que não tem poder para do barro fazer um vaso para honra e outro para desonra? Existe Soberania sem poder de vontade, de escolha? Como Deus pode ser Soberano se o ser humano que é descrito como um vaso de barro tem a escolha de decidir por ele ou não?! Existe algum tipo de Soberania que exclui a escolha de alguns para si?!
Imagino não precisar detalhar a Soberania de Deus aqui, pois, creio eu, todos nós temos o mesmo entendimento quanto a este assunto em particular. Portanto, considerarei algumas expressões ali presente.

Vaso de barro!

Acho interessante neste momento entender o significado de vaso de barro e para isso vou citar Jonh MacArthur, que faz uma elucidação citando o texto de 2 Co 4.5-7, diz ele:

"Paulo chamou aqueles que carregam e pregam o tesouro do verdadeiro evangelho deostrakinos, traduzido aqui como "vasos de barro". Na verdade, a expressão "vaso de barro" é honrada demais; não que ela seja muito importante, mas é um termo exageradamente honrado para traduzir a palavra ostrakinos. O termo significa um pote de barro cozido muito barato, grosseiro, feio, quebrável, fácil de repor, sem valor. Era o pequeno pote onde se colocavam plantas."[1]

Por mais que a palavra traduzida não seja necessariamente a mesma, a ideia de fragilidade e insignificância está presente nas duas. 

O apóstolo Paulo nos chama de vasos de barro, todos nós temos a mesma origem, a mesma significância, a mesma qualidade. Todos somos objetos do Oleiro. e, Ele tem todo o direito para fazer destes objetos, nós, o que lhe apraz. Não é à toa que ele, Paulo, faz as perguntas retóricas: "de que se queixa ele ainda?... quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?... Pode o objeto perguntar a quem o fez: por que me fizeste assim?....

Deus quis!

"Que diremos, pois, se Deus, querendo..." v.22

O termo usado naquele momento é sinônomo de vontade consciente, propósito. Então, quando Deus quis mostrar a sua ira ou a sua misericórdia ele, tinha um plano eterno em mente. O Senhor Deus não é como o homem que faz as coisas, muitas da vezes, temerariamente, abruptamente, sem pensar. E, às vezes, quando o faz planejadamente ainda assim é capaz de ser frustrado, enganado. O Deus eterno tinha um Plano Eterno para todos os homens, em todas as épocas e em todas as circunstâncias. 
Duas outras expressões merecem destaque para ratificar essa consideração e são elas:
  • Dar a conhecer: Deus tinha um plano em mente e quis revelá-lo.
Revelar sua Ira e sua Misericórdia. O plano estava feito, faltava apenas revelá-lo.
  • Preparados: É como se Ele estivesse colocando as coisas em ordem, arrumando tudo.
Esses dois termos demonstram claramente que Deus ao fazer da sua massa, uma vaso para honra e outro para desonra, fez isso com um propósito que tinha planejado e organizado, com o fim de revelá-lo posteriormente.

Antes da fundação do mundo.

Espere um momento esse termo não aparece aí, André! Alguém poderia retrucar, contudo eu afirmo que aparece, sim. Aparece da seguinte forma: de antemão. A palavra antemão por si só já expressa a ideia de anterioridade, algo antes do fato,mas não de eternidade. É nesse momento que podemos ir à carta de Efésios que também foi escrita por Paulo e lá no capítulo 1 verso 4,5 encontramos o termo acima descrito:

"[...]assim como nos ecolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis;[...]"

Você também pode dizer até aqui o seguinte: olha aqui nesse texto ele não diz que escolheu os seus para serem salvos, mas para serem santos e irreprensíveis. Eu diria que sim, você não está errado; contudo para ser santo e irrepreensível não pressupõe necessariamente salvação?! Ou existe alguém santo e irrepreensível que não seja salvo?! Lembrando que Paulo está falando de bênçãos espirituais e, não de qualidades morais, apenas.
Mas se continuarmos lendo o texto encontraremos o seguinte:

"... e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade,..."

Essas duas palavras em destaque não foi à toa que coloquei. Predestinação significa em termos gerais algo ou alguém que fora preparado anteriormente para ser, fazer, receber e etc. algo ou alguém no futuro.
No nosso caso predestinados para a adoção de filhos, ou seja, para a salvação; ou você negará esta bendita evidência?!
E, tudo isso segundo o beneplácito(generosa, misericordiosa) vontade.

Não consigo deixar de considerar a riqueza de um texto tão claro desse, porém gostaria de ter demonstrado que essa predestinação e vontade beneplácita de Deus em nos adotar em Jesus como seus filhos, está fincada não no início do mundo, não do momento do nascimento do homem, não na sua escolha própria, porém antes da fundação do mundo, em Deus. O Deus Eterno.

Voltando a Romanos 9 percebemos pelo que foi exposto acima algumas verdades inconfudíveis. Que só não podem ser vistas por aqueles que não querem ver e, percebidas por aqueles que não querem ouvir.
O Senhor Deus é Soberano e, por conseguinte tem o poder de escolher e predestinar aqueles a quem amou. O homem não passa de um vaso de barro, a quem Deus em sua misericórdia decidiu usar para revelar as riquezas de sua glória. Decidindo e planejando isto antes da fundação do mundo para o seu louvor.

Aproveito a oportunidade para convidar você que não conhece a Cristo como Senhor e Salvador, e, até você que julga conhecê-lo, depois de ter lido essas simples palavras, a meditar se você faz parte daqueles que foram alvo do amor eterno de Deus; se és um predestinado ou um preterido, se és um vaso de honra ou de desonra, se fostes escolhido antes da fundação do mundo, se fostes amado por Deus antes mesmo de existir o próprio tempo.
Pense nisso, a predestinação e a eleição andam de mãos dadas com a santidade e a irrepreensibilidade.

Deus nos abençoe.

Amém.

Notas:
[1]Crer é Difícil / Joh MacArthur Jr.; traduzido por Heloisa Cavallari Ribeiro Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
A citação encontra-se no capítulo três, sob o título: A verdade num vaso individual. Subtítulo: Vaso de barro.

FONTE: Texto disponível originalmente em "Crer é Difícil"

20 fevereiro 2011

Deus também odeia pessoas!

Por Marcos David Muhlpointner

Esse post é inspirado por uma pregação do Pr Paul Washer (veja aqui) e por uma pregação do Pr Décio Leme Júnior. Mas também, e talvez, principalmente, é inspirado pelo que vejo no espelho. Não fosse a graça maravilhosa de Deus e o sacrifício que Jesus fez por mim, eu mesmo seria o alvo desse texto. Spurgeon dizia que muitas vezes ele escolhia seus textos para o sermão com base naquilo que ele precisava ouvir do Senhor. Esse post é assim, tem esse mesmo sentimento.


            Quantas vezes já não ouvimos a seguinte frase: “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”. Aí vem Paul Washer e nos lembra desse texto do livro de Salmos (5:5-6):

“Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que praticam a maldade. Destruirás aqueles que falam a mentira; o SENHOR aborrecerá o homem sanguinário e fraudulento.”

            Devo confessar que não lembrava desse texto. Se algum dia já o tinha lido, não me recordava dele. E é impressionante a clareza com que o texto trata da questão. Em qualquer versão da Língua Portuguesa, Inglesa, no Hebraico é a mesma expressão: “...odeias a todos...”! Então vamos ao dicionário. Minha fonte de pesquisa é o Dicionário Houaiss.

Odiar: 1. sentir aversão por (algo, alguém, a si próprio ou um ao outro); detestar(-se), abominar(-se); 2. achar muito desprazeroso; 3. ter inimizade intensa a; detestar.
Aborrecer: 1. ter horror ou aversão a ou causar aversão, desagrado, mal-estar; abominar ou provocar abominação; 2. causar ou sofrer desgosto ou contrariedade; desgostar(-se); 3. causar tédio ou fastio a ou entediar-se; enfadar(-se), enfastiar(-se), maçar(-se); 4. tornar(-se) zangado; apoquentar(-se), enraivecer(-se), enfurecer(-se).

            Eu não sei o que você pensa quando medita sobre isso – se é que nós conseguimos meditar no ódio que Deus tem – mas o fato é que a Bíblia está afirmando que Deus também odeia pessoas. Não é preciso fazer grandes exercícios de hermenêutica e exegese. Da mesma forma que a Bíblia afirma que “Deus é amor”, que Jesus Cristo é “o caminho, a verdade e a vida”, ela também a firma que Deus odeia certo tipo de pessoa. Para entendermos o amor de Deus e a salvação assegurada por Jesus Cristo não recorremos a livros teológicos, análises teológicas de autores consagrados no meio evangélico. Aceitar que Deus é amor é uma das ações mais simples e básicas do cristianismo. Mas o mesmo não ocorre com essa verdade: a verdade de que Deus odeia pessoas.

            Entretanto, alguém dirá que essa postura de Deus é do Velho Testamento, de antes da vinda de Jesus Cristo, de antes do advento da graça quando Deus lidava com as pessoas através da Lei. Ou ainda, e pior, que a maneira de Deus lidar com as pessoas mudou depois de Jesus Cristo ter realizado seu ministério. Então vejamos o que escreveu o apóstolo Paulo em Romanos 11:22:

“Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado.”

            Voltemos ao dicionário:

Severidade: 1. qualidade, condição ou estado do que é severo; 2. ato rigoroso; atitude severa; 3. falta de flexibilidade ao julgar, disciplinar, castigar; 4. inteireza de caráter; rigor, austeridade.

            Querido leitor, será que já pensamos seriamente na severidade de Deus? Será que Deus será flexível no Seu julgamento? Será que Deus toma alguma decisão sem inteireza de caráter? Será que o comportamento que Deus nos exige não é rigoroso? Talvez não haja nada mais urgente na nossa vida do que vivê-la de modo digno à vocação com que fomos chamados.

            Iniquidade nós praticamos todos os dias contra Deus, contra nós e contra o próximo. Mas graças a Deus fomos colocados debaixo da graça e da misericórdia de Deus para estarmos livres da condenação do pecado. É só pela graça de Deus que não somos mais alvo do ódio de Deus. É só pelo sacrifício eterno de Jesus que não seremos cortados e lançados no fogo que nunca se apaga. Se não fosse a graça de Deus, estaríamos ainda correndo a passos largos e em grande velocidade para o futuro castigo eterno, como pregou Robert McCheyne.

            Não podemos fugir dessa verdade: Deus odeia o pecado e odeia as pessoas que praticam a maldade. Não podemos “tapar o sol com a peneira”. Deus não toma o culpado por inocente. Amamos o amor de Deus, desejamos esse amor mais que tudo, mas infelizmente não tratamos a Sua justiça com o mesmo amor. Não sabemos lidar com a ira de Deus porque não pensamos sobre ela. Quantos sermões você já ouviu sobre a ira de Deus?

            Concordo que pensar na ira de Deus é difícil e nos incomoda. Mas o Deus da Bíblia está contra todos aqueles que praticam a maldade. E Jesus Cristo é o único que pode nos tirar do alcance da ira de Deus. Certamente que pensar no amor de Deus e na Sua salvação dada à nós é mais prazeroso. Mas se quisermos agradar a Deus temos que procurar odiar o pecado com a mesma intensidade que Deus o odeia. Quanto a odiar os pecadores, só Deus pode fazê-lo!

Para entender melhor a ira de Deus: O Futuro Castigo Eterno (Robert McCheyne), Pecadores na mãos de um Deus irado (Jonathan Edwards) e a Ira de Deus (Martyn Lloyd-Jones), todos sermões que foram editados pela Editora PES.

FONTE: Texto originalmente postado em Música, Ciência e Teologia

17 fevereiro 2011

Sem Vergonha da Bíblia







Por Ednaldo Cordeiro


Ontem li no Púlpito Cristão um artigo de autoria do irmão Avelar Jr. intitulado “O dia em que senti vergonha da Bíblia”, onde discorre sobre a dificuldade que muitos têm de compreender o significado das palavras da edição Revista e Corrigida da tradução de João Ferreira de Almeida, e dizendo que em certa ocasião sentiu, por causa disso, vergonha da Bíblia. Embora concorde que a edição de Almeida possui uma linguagem um tanto densa para o atual estágio educacional da maioria das pessoas, discordo que isto seja um problema da tradução, que podemos considerar arcaica.

Apesar do irmão Avelar se utilizar do texto de Atos 2.11, quero dizer que a linguagem utilizada nas versões de Almeida, é o nosso bom e velho português, e se ela é uma ilustre desconhecida da maioria dos brasileiros a culpa não é da Bíblia. Desculpem-me a expressão, mas creio que o “buraco é mais embaixo”, o problema não é a dificuldade vocabular da versão de Almeida, mas o nível educacional da maioria da população, diga-se de passagem, composta por analfabetos funcionais que mal sabem escrever o próprio nome e lêem textos simples aos trancos e barrancos. A linguagem usada por Almeida e já “atualizada” diversas vezes, em versões revisadas, revistas, corrigidas e etc. era na época de sua escrita a linguagem usada pela maior parte da população, de forma que palavras como “mancebo”, “varão”, “enxundia”, “ilhargas”, "ósculo", bem como o uso das 2ª pessoas do singular e plural e o vasto uso de mesóclises eram comuns na época.

O que temos que lutar é por melhores condições educacionais e não por uma simplificação que ao invés de elevar o nível cultural o reduz ao mesmo nível das tribos ameríndias do século XVI. Caso contrário, logo logo teremos a “Bíblia em Gíria”, que em pouco tempo terá de ser atualizada, onde Deus diz a Adão que ele “pisou na bola”, ou Moisés se referindo a José como “mó caô", ou que Davi “mandou ver” ou “botou pressão” em Bate-seba, ou ainda que Judas era o maior 171. Ou quem sabe não seria interessante uma Bíblia em “mineirês”, outra em “baianês” e outra em “caipirês”, afinal, na questão lingüística, existem diferenças regionais suficientes para respaldar esta idéia. Antes que alguma sociedade bíblica compre a idéia, quero dizer que estou sendo irônico, mas se comprar quero royalties.

Porque ao invés de reclamar das palavras arcaicas, não tentamos melhorar o vocabulário das pessoas que freqüentam nossas igrejas? A popularização da educação foi, sem sombra de duvida, um avanço conseguido pela reforma protestante, pois todos tinham o direito de ler as Escrituras, vamos despertar nas pessoas o desejo de aprender mais, não copiemos um mundo que produz versões condensadas e comentadas das obras de Machado de Assis porque os estudantes não conseguem compreender o português usado por ele.

Dizem que estamos ficando mais inteligentes, mas quando olho para trás e vejo o nível educacional de muitas pessoas do séculos passados, acho que o nosso nível caiu drasticamente. Podemos até possuir mais informações, um maior conhecimento, mas dizer que estamos mais inteligentes é burrice. Falta-nos prazer pela leitura de bons livros e principalmente da Bíblia, colocar a Escritura de lado apenas por não saber o significado de uma palavra é um atestado de preguiça e impenitência tremendo, pois para que é que existem dicionários? Não sinto vergonha da Bíblia, mas sinto muita vergonha do atual nível cultural e educacional do nosso povo.
__________________________________________
P.S. Este artigo não é uma critica ao artigo do irmão Avelar Jr., mas uma simples análise da situação considerando outro ponto de vista.

Nota: A foto não se encontra na postagem original.
Fonte: Texto originalmente postado em "Divinitatis Doctor"

16 fevereiro 2011

Série Trindade - Parte 1


Por Igor Miguel

A trindade é uma doutrina cujo objetivo é afirmar a unidade de Deus, e que, é inerente a esta unidade certa complexidade relacional. Trindade é uma explicação ao fato de que este Único Deus, apesar de sua unidade, se relaciona de forma complexa, ou seja, apesar dele ser um único Deus, Ele se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo. O cristianismo por ser uma religião monoteísta não está disposta discutir a unidade de Deus, pois é um fato, do contrário, o cristianismo seria mais uma religião politeísta ou idólatra. O Credo de Atanásio diz:
"Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. E contudo não são três deuses, mas um só Deus. "
Observe o cuidado de Atanásio, que ao usar o termo "Deus" três vezes associado ao Pai, Filho e Espírito Santo, deixa claro que não está com isso afirmando que existem três deuses, como ele mesmo explicita logo após "contudo não são três deuses, mas um só Deus". Atanásio está defendendo a interpretação cristã de que este único Deus, que sempre percebemos na revelação das Escrituras como Pai, Filho e Espírito, é trino em pessoa, mas não são três divindades distintas e independentes, do contrário, novamente estaríamos comprometendo a fé monoteísta afirmada pelas Escrituras (Dt 6:4).

Infelizmente muitos questionam esta belíssima doutrina enraizada na Bíblia e explicada pela Igreja. Muito deste questionamento é fruto primeiro de uma desconfiança moderna à doutrina e depois por desconhecimento das confissões e formulações clássicas a respeito. Eu mesmo fui vitimado por esta ignorância.

De fato alguém que nega a trindade, se coloca fora do cristianismo e daquele fundamento que agrega todos os cristãos pelo mundo. E como veremos, negar a trindade, é negar a forma como Deus se dirigiu aos homens para salvá-los. A trindade é uma doutrina pastoral, comunitária e prática, diferente do que se pode imaginar, não é uma formulação especulativa ou de pouca importância prática. Ela define, de fato, quem é e quem não é cristão, e como, Deus mesmo, em amor trinitário, criou, amou, redime e consumará todas as coisas para Sua Glória.

Um dos problemas que eu mesmo tive com a trindade, vinha do próprio termo "pessoa". Meu entendimento da doutrina trinitária fora profundamente iluminada quando entendi duas coisas: a teologia paulina da adoção (que será discutida abaixo) e por outro lado, o uso do termo persona pela tradição cristã.

Persona não tem nada haver com o conceito moderno que temos de "pessoa", que está ligado a uma ideia de "indivíduo humano", "individualização" etc. A ideia de personana tradição cristã tem haver com "pessoalidade" ou "atributos relacionais". O termo é de origem teatral e tem a ideia de "personagem" ou "máscara". Em outras palavras, quando a doutrina da trindade afirma que Deus é único e subsiste em três pessoas, está dizendo com isso, que Ele é relacionalmente tri-pessoal. No século XVI, João Calvino, para sanar qualquer confusão, observa que a palavra "pessoa" deveria ser compreendida com o sentido de "subsistência", ou seja, que este único Deus subsiste relacionalmente em forma tríplice, em três pessoas com atributos (papéis/hipóstase) distintos, entretanto, paradoxalmente, unidas quanto a natureza (substância):
[...] designo como pessoa uma subsistência na essência de Deus que, enquanto relacionada com as outras, se distingue por uma propriedade incomunicável. Pelo termo subsistência queremos que se entenda algo mais que essência. Pois se o Verbo fosse simplesmente Deus, contudo não tivesse algo próprio, João teria dito erroneamente que ele estivera sempre com Deus [Jo 1.1].Quando acrescenta imediatamente em seguida que também o próprio Verbo era Deus, ele nos volve para a essência única. Mas, uma vez que não podia estar com Deus sem subsistir no Pai, daqui emerge essa subsistência que, embora fosse unida à essência por um vínculo indivisível, não se pode separar dela, possui, no entanto, característica especial em virtude da qual se distingue dela. (Institutas, Vol. I, Cap. XIII, parágrafo 6).
A palavra subsistência ou pessoa deve ser compreendida assim: quanto à natureza,unidade, quando aos diversos papéis-pessoais deste único Deus, diversidade(complexidade). Quando olhamos para o único Deus, em sua diversidade relacional, vemos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, distinguem-se completamente quanto a seus atributos. Um exemplo das características que distinguem as três pessoas de Deus são:

- O Pai que ama, envia o Filho;
- O Filho, o amado, e não o Pai, nasce de uma virgem e morre na cruz;
- O Espírito Santo, o amor, é quem consola e guia a Igreja a toda verdade.

Dessa forma, pode-se ver a clara distinção dos papéis.Seria totalmente errado à luz da doutrina trinitária, afirmar por exemplo, que Jesus é o Pai em carne. Pois isto não é bíblico, por isso a doutrina nunca afirma tal coisa. A explicação correta seria que Jesus representa o Pai, pois quem vê o filho vê o Pai, mas Ele (Jesus) não é o Pai em seus atributos pessoais. (Jo 1:18; 14:9) Jesus é Deus, pleno de divindade (Cl 2:9), gerado do Pai (Hb 1:5; 5:5).Quanto a natureza, pleno de divindade, entretanto quanto a seu papel, distinto.

Vejamos, por exemplo, como o Deus Único se mobiliza em toda sua pessoalidade para salvar os homens:
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da suaglória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória. (Ef 1:1-14).
O termo "glória"* funciona neste texto como um marcador de que como o único Deus em trindade se move para salvar os homens. No texto o PAI elege, o FILHO redimee o ESPÍRITO SANTO sela. Aí se vê claramente a atuação trinitária de Deus, para salvar os homens.
A questão é que se há alguma coisa neste movimento que não seja DIVINO, se o Pai, o Filho e o Espírito Santo não forem plenamente divinos e pessoas integrantes de um único Deus, não é Deus quem está salvando. Mas, aprouve a Deus, dirigir toda sua complexidade e pessoalidade, para eleger, redimir e selar aqueles que transformou em filhos.
Diferente do que muita gente pensa, a trindade não é uma formulação doutrinária especulativa, ou um jogo de palavras teológicas que só os "iluminados" podem entender. A doutrina trinitária é construída a partir das Escrituras e é uma doutrina com implicações práticas muito sérias. Esta foi a defesa de Agostinho de Hipona, ao postular que a trindade significa que Deus em sua totalidade relacional e em sua complexidade, se dirige aos homens, ou seja, que as distinções entre as subsistências divinas (Pai, Filho e Espírito Santo), são narrativas do amor divino em si dirigidos aos eleitos.
No batismo de Jesus, fica claro, que o Pai dirige seu amor ao Filho, por isso diz que ele é o Filho amado em que Ele tem prazer (Mt 3:17). Está claro que do Pai procede o amor ao Filho, e também está claro que o Filho é objeto de todo amor do Pai. Entretanto, nenhum homem pode ser objeto do amor do Pai, ou ser acolhido em sua família trinitária, sem se revestir de Cristo. Por isso, Paulo é categórico: "Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes." (Gl 3:26-27).
O revestimento de Cristo que o eleito recebe, coloca-o em condição ressurreta e o mais importante, em condição de filho de Deus. Isto significa que o Pai quando olha para o eleito, o vê como seu Filho (Jesus), e por isso, derrama sobre Ele seu amor. O eleito integra-se à família trinitária. Entretanto, a concretização deste amor, dá-se no Espírito Santo, por onde o Pai comunica seu amor, por isso, o Espírito Santo aparece no batismo de Jesus em forma de pompa, como sinal, do amor do Pai pelo Filho. Igualmente, o sinal do amor do Pai por seus filhos (os eleitos) dá-se pelo Espírito Santo, que é o mesmo Espírito que estava em Jesus Cristo:
"E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, {Aba; no original, Pai} Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus." (Gl 4:6-7). "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o Espírito de Adoção, baseados no qual clamamos: Aba, {Aba; no original, Pai} Pai." (Rm 8:15).
Ninguém pode chamar Deus de Pai sem adoção. Ninguém, pode chamá-lo de Aba, sem que o movimento redentor de Pai, Filho e Espírito Santo, tenham-no envolvido, acolhendo-o na família divina. Por isso, negar a doutrina trinitária, negar a trindade, é ignorar a doutrina que afirma que Deus é amor. Este amor se esclarece, justamente porque em Deus há uma relação de amor entre O Pai (que ama), o Filho (o Amado - Ef 1) e o Espírito Santo (o meio do amor):
"...porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado." (Rm 5:5)
As implicações da trindade sobre a vida comunitária e o amor na Igreja são cruciais. A falta de clareza e da própria vivência de um Deus que age de forma completa para amar seu Filho e por isso estende este amor aos santos, atinge profundamente nossa forma de compreender e de se relacionar com os irmãos em nossa comunidade. O termo "irmão" começa a fazer muito sentido à luz da trindade.
"Deus é comunidade" (Agostinho)
Continua...
______________________
* Devo esta observação a Guilherme de Carvalho durante um sermão de domingo, devo a ele a compreensão da teologia paulina da adoção. 

FONTE: Texto cedido pelo autor e disponível originalmente em "Pensar..."

15 fevereiro 2011

A Aposta de Pascal


By Vanderson M. da Silva

Blaise Pascal
Blaise Pascal, retratado por Philippe de Champaigne, 1656-57

No presente post gostaria de tratar de uma proposição enunciada pelo célebre filósofo e matemático francês Blaise Pascal (1623-1662), o qual conhecemos bem de nossos tempos de ensino médio (o seu famoso triângulo, as probabilidades etc., lembram?). Ela ficou conhecida como aposta de Pascal, e é longamente exposta em seu livro Pensamentos, no Artigo II: “O que é mais vantajoso: acreditar ou não acreditar na religião cristã”. Constitui uma espécie de argumento indireto a favor da existência de Deus, com o seguinte teor:
Caso a tua crença em Deus e na Bíblia esteja correta, terás o céu por recompensa;
Caso a tua crença em Deus e na Bíblia esteja errada, não terás perdido nada;
Caso a tua descrença em Deus e na Bíblia esteja correta, não terás perdido nada;
Porém, caso a tua descrença em Deus e na Bíblia esteja errada, teu destino será o inferno.
É importante ressaltar aqui, para se evitar conclusões precipitadas, que não é a religião institucionalizada que o sábio tinha em mente. Isto é, não é a adesão formal de indivíduos a uma igreja que ele contemplava aí. Pascal provinha de uma família que abraçara o jansenismo, movimento católico dissidente, de moral e disciplina rigorosas, cujo conceito de predestinação e graça, aliás, é muito próximo daquele do calvinismo (mais sobre o jansenismo, clicar aqui). Em seu entendimento, trata-se o cristianismo de relação pessoal com o Altíssimo.
Feita essa necessária ressalva, não obstante, tem-se apontado que tal argumento incentiva a adoção oportunista da religião cristã apenas para se estar em consonância com a existência de Deus. Deus que, talvez, até tenha em melhor conta um ateu ou agnóstico sincero e de vida moral do que um semelhante apostador. De fato, a Bíblia é categórica: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Por outro lado, o conceito escriturístico de fé salvífica não se ajusta à ideia de aposta: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10.9). Por fim, falando em seu nome e no nome dos demais apóstolos, Pedro nos ensina qual a atitude que todo pecador que vem a Cristo salvificamente deve ter. Perguntado por esse sobre se queriam imitar a multidão e O deixarem, ele proferiu as palavras lapidares: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho de Deus” (João 6.68,69).
Porém, diga-se que mesmo entre os evangélicos há quem discorde disso e ainda julgue ser a aposta de Pascal uma estratégia apologética válida: confiraaqui.
Se é verdade que há controvérsias entre os teólogos reformados acerca do valor dos chamados argumentos teístas (e.g., Robert L. Reymond e Vincent Cheung concordam quanto a serem eles falaciosos, mas o último ainda vê utilidade no emprego deles), creio que, quanto a essa que é na verdade uma variante de tais argumentos, não devemos endossá-la de forma alguma: cliqueaqui para uma análise e discussão aprofundadas das insuperáveis dificuldades teológicas inerentes à chamada aposta de Pascal, bem como de seus riscos espirituais. Para uma refutação filosófica, recomendo este texto aqui, em inglês.
Numa era de crescente incredulidade e irreligiosidade como a nossa, a qual, além disso, é caracterizada por um pragmatismo exacerbado, eu não ficaria surpreso se surgissem pregadores e denominações inteiras passando a lançar mão de tal argumento em seus planos “evangelísticos”. Se a Deus aprouver que este meu modesto artigo sirva de esclarecimento e alerta sobre a matéria, será um motivo de especial gratidão minha a Ele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PASCAL, Blaise. Pensamentos. <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pascal.html>. Acessado em 14/02/2011.
REYMOND, Robert L. A New Systematic Theology of the Christian Faith.Nashville, EUA: Thomas Nelson Publishers, 1997. Págs. 131s.
CHEUNG, Vincent. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo, SP: Arte Editorial, 2008. Págs. 70ss.

Nota: Texto originalmente postado e disponível em "Polemista Reformado"