"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

15 setembro 2012

A praga do fideísmo


Por Edson Camargo



Entre os muitos exercícios para a paciência que encaro todos os dias há um que está sempre no “hard mode”: ouvir cristãos, ao emitirem opiniões (opinião, essa deusa vulgar) sobre aspectos da doutrina, sobre vida devocional, ou sobre aquilo que crêem que é correto do ponto de vista teológico e bíblico, jogando o fideísmo ao quatro ventos. “Abandone sua razão para entender o que Deus quer de você e para você”; “pare de se ater ao seu entendimento se quiser viver uma vida cristã mais rica”; “deixe de raciocinar e ouça ao Espírito”. Quem nunca ouviu tais frases? Nem é preciso dizer que daí em diante surgem os pitacos mais estapafúrdios sobre as relações entre a fé e a racionalidade, e claro, as mais “maduras” e mui “espirituais” críticas a quem é visto como apegado ao estudo de temas sérios, ao aprendizado sistemático das doutrinas cristãs, ou meramente a uma vida intelectual menos miserável.

O fideísmo é isso: usar a razão para afirmar, sobre a fé, que fé e razão não se misturam. Soa engraçado e contraditório? Sim. Mas é uma mania consolidada em muitos segmentos da igreja brasileira. Kierkegaard caiu nessa. Karl Barth também. (Barth também caiu em outras piores, assunto para outra ocasião.) E que ninguém se engane. Às portas e mesmo dos púlpitos de templos das denominações de grande tradição e legado intelectual é possível ouvir tais disparates.

Agostinho, numa de suas Cartas, afirmou:

“É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto, recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não busque razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos crer se não tivéssemos almas racionais”. 

Pode-se citar diversas passagens das Escrituras em que Cristo, os apóstolos e os profetas do Velho Testamento instigam as pessoas a usarem sua inteligência e a razão (p. ex. Is. 1:18, Mt. 22:36,37; 1Pe. 3:15). Portanto, o fideísmo é também uma heresia. Infelizmente, é fácil perceber que muitos cristãos, na prática, preferem ser cientistas no trabalho e intuitivos na fé. E o desastre se vê quando começam as conversas sérias: versículos evocados fora de contexto, má compreensão de preceitos elementares, papo superficial. Logo se apela para os testemunhos ralos e cheios de clichês tirados das musiquinhas da moda gospel, e fica por isso mesmo. Presenciar a tudo isso é tortura chinesa.

O fideísmo presente nas igrejas tem, entre suas causas, uma influência considerável da teologia pentecostal, de raízes irracionalistas – como bem admite o autor “penteca” Rick Nañez, em seu ótimo livro ‘Pentecostal de Coração e Mente’-, no ambiente evangélico brasileiro. O caos educacional e cultural em que o país mergulhou nas últimas décadas também deve ser levado em conta. Outro fator elementar, mas sempre digno de nota é aquele que vem do conhecimento simples da natureza humana: a maioria é preguiçosa, desleixada, a vida cristã pujante e plena é um desafio monumental, estudar toma tempo e requer mudança de hábitos mentais e comportamentais. E claro: na cultura de massas, quase tudo glamuriza a mediocridade e os medíocres, os tolos, os que desprezam obstinadamente aquilo que lhes é imprenscindível para uma vida não só digna, como frutífera. Mas o interessante é que o estúpido, o néscio, também é objeto de investigações e reflexões milenares. Que tal estudá-lo no livro de Provérbios? Há também as obras de José Ingenieros, Eric Voegelin, Ortega y Gasset, La Bruyére, entre outros.

Não que eu pense que a educação tenha esse caráter mágico que os progressistas e os modernetes pensam que ela tem. No entanto, a educação ajuda, se começar pela velha fórmula: “o temor do Senhor”… não é preciso completar, certo? Ela ajuda, se começar pela busca do autoconhecimento. O mandamento do apóstolo Paulo ao homem diante da ceia, “examine pois o homem a si mesmo”, sempre me lembra o de Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Esse vácuo de lideranças fortes explica-se numa geração de pessoas alienadas de si mesmas. Quando não se sabe quem é, não se sabe o que se deve fazer. E aí vemos, por exemplo, a importância de uma disciplina como a antropologia bíblica.

O fato é que algumas perguntas feitas por ateus, agnósticos e até por alguns dos batalhões bestificados pela cultura de massa e pela hegemonia cultural da esquerda, são, de fato, muito boas e desafiadoras. Penso que um cristão que busca a maturidade espiritual deve ter um desejo sincero em buscar respondê-las. O fundamental é viver na verdade, mas se preparar para expressá-la pode custar menos do que se pensa, certamente irá gerar frutos para o Reino e também (e por que não?) benefícios para a vida diária.

A seara é grande e a oportunidade está aí, pois a tal cultura pós-cristã já evidencia que pode ser qualquer coisa, menos “sustentável”. O cristianismo continua a crescer em vários pontos do planeta. A possibilidade de algo como o “Renascimento Cristão” (a qualidade do termo é discutível) que o antropólogo René Girard afirma que está próximo, pode, sim, acontecer. Não sei onde, nem quando, mas sei que temos um Deus poderoso, com uma Palavra viva e eficaz. Só ela instrui e capacita plenamente os homens para grandes transformações, como já se viu ao longo da história.

Cabe aos cristãos usarem a cabeça.

(Imagem: Pedro e Paulo, de El Greco, óleo sobre tela, 1590) 

14 setembro 2012

O rolo compressor do Projeto Sarney [Reforma do Código Penal pretende esmagar o que resta de valores cristãos]



Por Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz 
[Presidente do Pró-Vida de Anápolis]

Em 27 de junho de 2012, uma Comissão de Juristas entregou ao presidente do Senado, José Sarney, o anteprojeto de reforma do Código Penal. Seria de se esperar, que o texto fosse submetido à apreciação da sociedade para receber críticas e sugestões[1]. Isso, porém, não ocorreu. Em 9 de julho de 2012, apenas 11 dias depois, o Senador José Sarney subscreveu o anteprojeto convertendo-o em projeto de lei: o PLS 236/2012. Ao assinar o projeto, Sarney agiu de modo semelhante a Pilatos. Declarou-se, “por uma questão de consciência e religião”, contrário à eutanásia, ao aborto, ao porte de drogas e seu plantio para uso, mas não retirou nada disso do texto que subscreveu. Lavou as mãos, disse que era inocente do sangue de Cristo, mas decretou a sentença injusta. Favoreceu a presidente Dilma que, embora favorável ao aborto, havia prometido na campanha eleitoral não enviar ao Congresso qualquer proposta abortista.

O anteprojeto – agora convertido em projeto – foi muito mais audacioso que o de 1998. Pretendeu reformar não só a parte especial do Código Penal, mas também a parte geral e a imensa legislação penal extravagante. E tudo isso no curto prazo de seis meses![2] O resultado foi um conjunto de 544 artigos cheios de falhas graves.

Animais e pessoas

Segundo a linha ideológica do PLS 236/2012, o ser humano vale menos que os animais. A omissão de socorro a uma pessoa (art. 132) é punida com prisão, de um a seis meses, ou multa. A omissão de socorro a um animal (art. 394) é punida com prisão, de um a quatro anos. Conduzir um veículo sem habilitação, pondo em risco a segurança de pessoas (art. 204) é conduta punida com prisão, de um a dois anos. Transportar um animal em condições inadequadas, pondo em risco sua saúde ou integridade física (art. 392), é conduta punida com prisão, de um a quatro anos. Os ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre não podem ser vendidos, adquiridos, transportados nem guardados, sob pena de prisão, de dois a quatro anos (art. 388, §1º, III). Os embriões humanos, porém, podem ser comercializados, submetidos à engenharia genética ou clonados sem qualquer sanção penal, uma vez que ficam revogados (art. 544) os artigos 24 a 29 de Lei de Biossegurança (Lei 11.101/2005).

Terrorismo e invasão de terras

O terrorismo é criminalizado (art. 239). Mas as condutas descritas (sequestrar, incendiar, saquear, depredar, explodir...) deixam de constituir crime de terrorismo se “movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios” (art. 239, §7º). Os invasores de terra são favorecidos, uma vez que “a simples inversão da posse do bem não caracteriza, por si só, a consumação do delito” (art. 24, parágrafo único).

Prostituição infantil

Atualmente comete estupro de vulnerável quem pratica conjunção carnal com menor de 14 anos (art. 217-A, CP). O projeto baixa a idade: só considera vulnerável a pessoa que tenha “até doze anos”. Isso vale para o estupro de vulnerável (art. 186), manipulação ou introdução de objetos em vulnerável (art. 187) e molestamento sexual de vulnerável (art. 188). Deixa de ser crime manter casa de prostituição (art. 229, CP) ou tirar proveito da prostituição alheia (art. 230, CP). Quanto ao favorecimento da prostituição ou da exploração sexual de vulnerável, a redação é ainda mais assustadora: só será crime se a vítima for “menor de doze anos” (art. 189). Deixa de ser crime, portanto, a exploração sexual de crianças a partir de doze anos.

Drogas

Quanto às drogas, somente o tráfico permanece crime (art. 212). Deixa de ser crime o consumo pessoal de drogas (art. 212, § 2º). Presume-se que a quantidade de droga apreendida destina-se a uso pessoal quando ela é suficiente para o consumo por cinco dias (art. 212, § 4º).

Aborto

Quanto ao aborto, o projeto reduz ainda mais as penas já tão reduzidas. O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, atualmente punido com detenção de um a três anos, passa a ter pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 125). O terceiro que provoca aborto com o consentimento da gestante, atualmente punido com reclusão de um a quatro anos, passa a sofrer pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 126). Se o aborto for provocado sem o consentimento da gestante, o terceiro é punido com prisão, de quatro a dez anos (art. 127). Curiosamente, ele recebe um aumento de pena de um a dois terços se, “em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente” (art. 127,§1º). Esse parágrafo parece ter sido incluído para estimular o aborteiro a fazer abortos “bem feitos”, evitando que, por “descuido”, ele deixe a criança com vida e má formada.

As maiores mudanças, porém, estão no artigo 128. Ele deixa de começar por “não se pune o aborto” e passa a começar por “não há crime de aborto”. O que hoje são hipóteses de não aplicação da pena (escusas absolutórias) passa a ser hipóteses de exclusão do crime. E a lista é tremendamente alargada. Basta que haja risco à “saúde” (e não apenas à “vida”) da gestante (inciso I), que haja “violação da dignidade sexual” (inciso II), que a criança sofra anomalia grave, incluindo a anencefalia (inciso III) ou simplesmente que haja vontade da gestante de abortar (inciso IV). Neste último inciso o aborto é livre até a décima segunda semana (três meses). Basta que um médico ou psicólogo ateste que a gestante não tem condições “psicológicas” (!) de arcar com a maternidade.

Eutanásia e suicídio assistido

“Matar por piedade ou compaixão” (eutanásia) passa a ser um crime punível com prisão, de dois a quatro anos (art. 122), muito abaixo da pena prevista para o homicídio: prisão, de seis a vinte anos (art. 121). Porém, o juiz pode reduzir a pena da eutanásia a zero, avaliando, por exemplo, “os estreitos laços de afeição do agente com a vítima” (art. 122, § 1º). Também o auxílio ao suicídio, em tese punível com prisão, de dois a seis anos (art. 123), pode ter sua pena reduzida a zero, nos mesmos casos descritos para a eutanásia (art. 123, §2º).

Renúncia ao excesso terapêutico

O artigo 122, § 2º parece inspirado na doutrina, aceita pela Igreja, de que o paciente pode renunciar a tratamentos desproporcionais aos resultados, que lhe dariam apenas um prolongamento penoso e precário da vida[3]. A redação, no entanto, é infeliz: fala em deixar de fazer uso de meios “artificiais” para manter a vida do paciente em caso de “doença grave e irreversível”. Ora, a medicina é uma arte e todos os seus meios são artificiais. Do modo como está escrito, o parágrafo pode encobrir verdadeiros casos de eutanásia por omissão de cuidados normais devidos ao doente.

Infanticídio indígena

Há tribos indígenas que costumam matar recém-nascidos quando estes, por algum motivo, são considerados uma maldição. De acordo com o projeto, tais crianças ficam sem proteção penal, desde que se comprove que o índio agiu “de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo” (art. 36).

“Preconceito” de gênero

De todos os males contidos no projeto, o mais difícil de corrigir são as cláusulas onde foi inserida a ideologia de gênero, que considera o homossexualismo (e talvez também a pedofilia e a bestialidade) como uma legítima “opção” sexual ou “orientação” (ao invés de desorientação) sexual. O PLC 122/2006 (projeto anti-“homofobia”) da Senadora Marta Suplicy (PT/SP) foi todo inserido no PLS 236/2012. Está no alvo do projeto o bispo diocesano que não admite um homossexual no seminário ou que o afasta do seminário após descobrir sua conduta (art. 472, V), o dono de hotel que se recusa a hospedar um “casal” de homossexuais (art. 472, VI, a) e a mãe de família que demite a babá que cuida dos seus filhos após descobrir que ela é lésbica (art. 472, II). Poderá talvez ser acusado de “tortura” o pregador que, ao comentar um texto bíblico desfavorável ao homossexualismo, “constranger alguém” do auditório, causando-lhe sofrimento “mental” (art. 468, I, c). Segundo o projeto, tais condutas são motivadas por “preconceito” de “gênero”, “identidade ou orientação sexual”. São crimes imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 474 e 468, § 7º).

A perseguição religiosa está preparada e tende a ser violenta. No entanto, o motivo mais grave que nos deve levar a rejeitar tais cláusulas não está nas suas consequências práticas, mas nos princípios em que se baseiam. Toda pessoa, ainda que pratique condutas sexuais reprováveis, como a pedofilia, o estupro, o incesto, a bestialidade ou o homossexualismo, continua sendo pessoa. E é somente na qualidade de pessoa que ela tem direitos. A deformidade moral que a atinge não pode acrescentar-lhe direitos. Quem aceitaria que alguém, ao assassinar um pedófilo, recebesse, além da pena devida ao homicídio, uma pena extra por demonstrar “intolerância” ou “preconceito” contra a pedofilia? É justamente isso que pretende o projeto. Agravar a pena de todos os crimes, se eles forem praticados por “preconceito” de “orientação sexual e identidade de gênero” (art. 77, III, n). Essa inadmissível agravante genérica aparece também em crimes específicos, como o homicídio (art. 121, §1º, I), a lesão corporal (art. 129, § 7º, II), a injúria (art. 138, § 1º), o terrorismo (art. 239, III), o genocídio (art. 459), a tortura (art. 468, I, c) e o racismo (art. 472).

Deus se compadeça de nós.

Notas:
[1] Assim aconteceu com o anteprojeto de Código Penal de 1998, que depois de publicado pelo Ministério da Justiça, ficou por um bom tempo sujeito às críticas da sociedade, inclusive dos Bispos. Porém, nunca chegou a tornar-se projeto de lei.
[2] Em 16/06/2011 o Senador Pedro Taques (PDT/MT) apresentou o Requerimento 756/2011 solicitando a criação de uma Comissão de Juristas para reformar o Código Penal no prazo de 180 dias. O requerimento foi aprovado pelo plenário em 10/08/2011. A Comissão começou a trabalhar em 18/10/2011.
[3] Cf. JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae, n. 65.


Meu Comentário: Se alguém ainda duvida das intenções dos marxistas no poder [vide PT e cia], de instalarem o caos, a injustiça, a guerra social, e o absurdo no país de maneira "legal", consumando o trabalho de anos e anos empenhados em construir uma "realidade" à base da supressão da dignidade humana, estejam certos, esse dia está próximo. E tudo começou com o desprezo e rebelião deliberados contra Deus, com a pretensão de "exaltar" o homem, e que acabará em colocá-lo, definitivamente, na condição mais vil e miserável que alguém poderá chegar: de nu, não ter com o que cobrir a própria vergonha [JFI]