"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

27 agosto 2009

A Luta dos Monstros

Por Olavo de Carvalho

Que tal descansar por uns instantes do caos político nacional, contemplando o caos intelectual do mundo? Quem sabe um breve rodeio pela confusão alheia não acabará esclarecendo um pouco a confusão local?
Semanas atrás, a TV educativa estatal americana PBS, fazendo eco a uma declaração conjunta de 67 sociedades científicas, proclamou que “praticamente todos os cientistas do mundo acreditam na teoria da evolução”. Poucos dias depois, seiscentos cientistas, pertencentes a essas sociedades e a outras tantas, divulgaram um manifesto dizendo que não acreditavam nessa teoria de maneira alguma.
O debate, evidentemente, já não é mais científico: é político, é ideológico. Carl Schmitt definia o reino da política como aquele campo de conflitos em que nenhuma arbitragem racional é possível, só restando a cada um dos contendores reunir os “amigos” contra os “inimigos”. O número de partidários de cada corrente e a manifesta inexistência de critérios de arbitragem aceitos por ambos os lados mostram que a disputa de evolucionistas e anti-evolucionistas é política, nada mais que política. No confronto, a vantagem institucional está com os primeiros. Eles dominam a maior parte dos órgãos de pesquisa e ensino, têm o apoio dos governos e o respaldo da grande mídia. Os segundos, em minoria, têm uma militância mais ativa e vêm logrando abrir espaços que, trinta anos atrás, pareciam definitivamente conquistados pelo adversário. Mas ainda estão longe de obter o que mais querem: que suas objeções sejam ensinadas nas escolas, junto com os argumentos evolucionistas. Se a evolução fosse uma teoria científica, seu próprio ensino abrangeria necessariamente o estudo dessas objeções. Mas os evolucionistas não se contentam com isso: querem que sua doutrina seja universalmente proclamada um “fato”, uma verdade terminal cuja contestação, em nada ajudando o progresso do conhecimento, deve ser suprimida como uma provocação intolerável, uma heresia, um crime.
Intelectualmente, os anti-evolucionistas têm um trunfo notável. Ao contrário do que sucede na arte militar, onde a batalha defensiva é mais fácil do que a ofensiva, nos confrontos de doutrinas o atacante entra em campo com vantagem: contra qualquer teoria que pretenda ter autoridade explicativa universal, um único exemplum in contrarium, devidamente confirmado, é de uma força explosiva ilimitada -- e contra o evolucionismo esses exemplos são tantos quantas as formas intermediárias, infinitas em princípio, faltantes para provar a evolução contínua de uma única espécie animal. Durante quase um século o evolucionismo conseguiu escapar dessa dificuldade letal por meio de dois expedientes: forjar criaturas intermediárias, vendendo-as como provas científicas, e alegar a inexistência de teorias concorrentes. Mas, com o primeiro desses truques, expôs-se ao ridículo, e com o segundo atraiu inevitavelmente a objeção de que o desconhecimento da verdade não é um argumento válido em favor da mentira.
Enquanto se mantiveram numa posição puramente crítica, os inimigos do evolucionismo podiam se considerar intelectualmente invencíveis, mas isso não os satisfazia, porque a crítica não tem sobre a psicologia das massas o poder sugestivo que têm as crenças afirmativas, mesmo falsas. Enquanto o anti-evolucionismo se refugiava na torre-de-marfim das superioridades incompreendidas, seu adversário, incapaz de fornecer em seu próprio favor senão indícios que eram invariavelmente impugnados por outros indícios, conseguia no entanto um sucesso estrondoso como “concepção do mundo”, como mito fundador do moderno Estado leigo -- seja comunista ou democrático. À medida que dinossauros e antropóides emergiam dos livros de paleontologia para os filmes de ficção científica, a imaginação popular tornou-se decisivamente “evolucionista”, e tanto mais satisfeita com a sua visão mitológica quanto mais persuadida de falar em nome da “ciência” e não da mera “fé” [no sentido mais vulgar e estereotipado destes termos].
Um dia, cansados de buscar no isolamento um abrigo contra os risos fáceis do populacho, os anti-evolucionistas decidiram trocar a certeza intelectual da crítica pela construção de um mito científico reativo, que hoje opõem ao evolucionismo sob o título de “design inteligente”. Segundo essa doutrina, o universo é coerente e harmônico demais para ter-se formado pela mera conjunção fortuita de causas físicas: deve haver uma intenção, um propósito consciente por trás de tudo. Tanto quanto o próprio evolucionismo, o design inteligente não é uma teoria científica: é uma concepção do mundo, que mistura a elementos de argumentação científica requintada o atrativo nostálgico da fé religiosa, do mesmo modo que o evolucionismo mistura pedaços de boa ciência com o apelo quase irresistível do ódio anti-religioso, portador de ofertas sedutoras como a liberação sexual, o casamento gay, a satisfação de todas as exigências do feminismo enragé e a distribuição estatal de drogas para os aficionados.
Quando Darwin ainda não existia nem como espermatozóide, Immanuel Kant já havia notado que toda teoria evolutiva das espécies animais esbarraria no problema das séries infinitas, insolúvel por definição. Os evolucionistas não perceberam isso até hoje, mas não estão nem aí. Para o seu nível de exigência intelectual, esse problema é demasiado “metafísico”. Não por coincidência, a doutrina de seus adversários também tropeça num problema “metafísico” para o qual eles não estão nem ligando. É que nenhuma coleta de indícios físicos, por mais vasta e meticulosa, pode provar a existência de um “sentido” por trás do que quer que seja. Se existe um Deus criador infinitamente perfeito, bondoso e inteligente, Ele não pode ter transmitido à criação senão uma parcela ínfima das Suas perfeições: o exame do tecido do cosmos revelará sempre tantos indícios de ordem e harmonia quanto de desordem e absurdidade. Ainda que os primeiros sejam, em princípio, superiores em número, a prova final disso requereria o conhecimento quantitativo integral de todos os fatos cósmicos sem exceção. O “significado” está sempre para além da estrutura material do significante. Se isso acontece na linguagem humana, não há razão para que seja diferente na linguagem divina. O significado de um livro, por exemplo, não pode ser alcançado pela análise físico-química do papel e da tinta, pela medição do seu formato ou pelo desenho geométrico das letras. Ele não está “no” livro: está na mente do autor e do leitor, unidos pela posse comum de procedimentos de codificação e decodificação. O sentido é, por definição, “transcendente”. Não pode ser apreendido pelo conhecimento anatômico, fisiológico ou físico-químico da imanência.
O significado do cosmos está para além do cosmos, para além do espaço e do tempo. Longe de poder ser demonstrado pela ordem racional da natureza ou da história, ele tem de ser pressuposto para que a idéia mesma dessa ordem racional se torne pensável. O filosofo americano Glenn Hughes, nesse livro maravilhoso que é Transcendence and History (University of Missouri Press, 2003), observa que, sem a idéia de um Deus transcendente, a própria concepção de uma unidade da espécie humana – para não falar da unidade da história -- seria inalcançável por falta de um molde superior unificante. O curso integral da história não pode provar ou desprovar Deus, mas sem Deus não teríamos a visão de um curso integral da história. O design inteligente não pode provar Deus porque Deus não pode ser espremido para dentro do corpo imanente do cosmos. Por mais sinais da Sua presença que se observem no universo, eles nunca provarão nada, pela simples razão de que estarão sempre misturados a sinais da Sua ausência e incomensurabilidade. Sto. Tomás já havia observado que a relação entre o conhecimento do mundo e o conhecimento de Deus não é lógica, mas analógica. A analogia é uma síntese ordenada de semelhanças e diferenças. Para que o design inteligente provasse Deus, seria preciso que as semelhanças engolissem as diferenças. O céu e a terra podem “celebrar” a glória de Deus, mas não podem contê-la em si materialmente ao ponto de tornar possível prová-la em laboratório.
Criando seu próprio mito científico, os críticos do evolucionismo abdicaram da autoridade intelectual para poder concorrer com o adversário no seu próprio terreno. Não resta dúvida de que com isso conseguiram espaço na mídia, atenção de governos e algumas vitórias judiciais modestas mas promissoras. Se isso ajudar a quebrar a carapaça dogmática de uma doutrina que pretende continuar científica sem admitir discussão científica, o resultado pode ser proveitoso. Mas, se for para reduzir o sentido do cosmos a um elemento do próprio cosmos, então o efeito último da empreitada será levar a humanidade para mais longe de Deus do que jamais poderia levá-la o materialismo puro e simples. Proclamar a divindade da imanência seria encerrar definitivamente a humanidade na prisão cósmica, seria fechar a porta dos céus.
A seriedade aparente do debate entre os evolucionistas e os adeptos do design inteligente revela, na intelectualidade acadêmica mundial – para não falar da mídia “cultural” –, uma assustadora incapacidade para a análise filosófica e uma confiança excessiva na autoridade da “ciência” como árbitro final de todas as disputas humanas.
Que é uma “ciência”, afinal? É um esforço contínuo e sistemático de reduzir a uns quantos princípios explicativos comuns, por meio de procedimentos de verificação consensualmente admitidos, os fenômenos observados dentro de um campo de realidade recortado segundo o que, de início – e antes de que se pudesse ter qualquer prova disso --, parecia ser a esfera de validade possível desses mesmos princípios. Resultado: quando a observação empírica não confirma os princípios, quase nunca se pode estar seguro de que não virão a fazê-lo amanhã ou depois; quando confirma, é muito difícil garantir que o campo não foi recortado de propósito para produzir artificialmente esse efeito. Na melhor das hipóteses, uma boa descoberta científica é um meio-termo sensato entre uma aposta no escuro e uma profecia auto-realizável. Buscar esse meio-termo é um desafio que está acima das forças de qualquer ciência em particular e transcende os limites de toda “metodologia científica” usual. Depende inteiramente da análise filosófica, para a qual a maioria dos cientistas de ofício não recebe qualquer treinamento apreciável. Sem o filtro dessa análise, a “ciência” não é uma atividade intelectualmente muito séria. Com ele, ela é freqüentemente obrigada a admitir que seu trabalho consiste num estudo cada vez mais preciso de objetos cada vez mais hipotéticos, evanescentes e inapreensíveis. Se pessoas dedicadas a um empreendimento tão incerto aparecem de repente enrijecidas em suas posições e inflamadas em suas crenças como se fossem teólogos medievais a disparar anátemas recíprocos, isso se explica pela mesma causa psicológica que incendiava as disputas medievais. Um teólogo do século XII, como um cientista de hoje, não era um simples buscador de conhecimento: era ao mesmo tempo o representante do establishment, do poder cultural supremo. O poder não discute, não dialetiza: afirma e dá ordens. Dizer que ele reprime as contradições é pouco: ele nega a existência delas. Seu ideal é tornar-se indiscernível da estrutura da realidade, personificar a força do inevitável, a lei da natureza ou a vontade de Deus. Quando o homem incumbido disso é um intelectual, um letrado, logo ele se vê prisioneiro de um conflito interior dilacerante. De um lado, a consciência que ele tem das ambigüidades, das contradições, das perguntas insolúveis. De outro, a necessidade de fingir em público uma certeza inabalável. O dilema é geralmente resolvido pelo expediente neurotizante de exagerar histericamente a ostentação de certeza. Teólogos defendendo aos gritos hipóteses que só poderiam ser confirmadas por uma nova revelação divina faziam exatamente o mesmo que os zelotes evolucionistas fazem hoje, ao demitir da profissão acadêmica o adversário propugnador de uma objeção para a qual sabem perfeitamente que não têm nenhuma resposta definitiva. Transpondo o debate da esfera racional para as decisões de autoridade, encontram uma solução política para um problema que, na origem, era intelectual e científico.
A brutalidade crescente das proclamações dogmáticas evolucionistas não é mera coincidência: ela vem junto com a instauração progressiva de uma Nova Ordem global cujo discurso legitimador é eminentemente de ordem “científica”. Prepotência globalista e autoritarismo científico são uma só e mesma coisa. A pretensão ao poder mundial absoluto tem de passar pelo desafio preliminar de dar à profissão científica uma autoridade final comparável à dos concílios. Por exemplo, é preciso impor à população a mentira idiota de que a falta de provas científicas de alguma coisa é prova cabal da inexistência dessa coisa. Esse preceito, para se sustentar de pé, exige a anuência geral a dois axiomas psicóticos: (1) a ciência já sabe tudo; (2) nada do que ela vier a descobrir amanhã pode impugnar o que ela diz hoje. A autoridade da ciência para afirmar a inexistência do que ela desconhece baseia-se na negação radical do próprio conceito de ciência, mas isso não impede que o apelo a essa autoridade tenha, na perspectiva do establishment global, uma validade jurídica inapelável. Quando um sujeito vai para a cadeia por ter dito que o homossexualismo é doença, a lei que o pune é inteiramente baseada no pressuposto de que, não havendo provas científicas do que ele diz, ele não tem o direito de conjeturar em voz alta que essas provas possam vir a ser encontradas amanhã ou depois.
A situação torna-se ainda mais desesperadoramente absurda quando a autoridade da ignorância científica é alegada como prova de algo que, por definição, está excluído do campo de investigação dessa mesma ciência. A embriologia, por exemplo, confessa não ter como distinguir entre um feto humano e um feto de chimpanzé aos três meses de gestação. Isso prova uma limitação da ciência embriológica, e não do potencial que homens e chimpanzés, já desde o início da gestação, têm para continuar a desenvolver-se e diferenciar-se depois de encerrado o processo embriológico, isto é, depois de saírem da alçada da embriologia. Não obstante, a autoridade da embriologia é usada como prova de que abortar um feto humano até os três meses não é mais grave do que fazer o mesmo com um macaquinho da mesma idade -- com a diferença de que provocar o aborto de um macaquinho dá cadeia, sem que se possa alegar nem mesmo que ele é um feto humano de três meses, descartável como uma camisinha usada. Mutatis mutandis, a antropologia exclui do seu campo o estudo das diferenças de valor entre as várias culturas, mas sua autoridade é em seguida usada pelos relativistas e multiculturalistas como prova de que essas diferenças não existem. Em suma: cada ciência fica tanto mais habilitada a emitir sentenças finais no debate público quanto mais o assunto do debate é alheio ao seu domínio de estudos.
Entre os anos 20 e 60 do século XX, as discussões entre evolucionistas e anti-evolucionistas eram polidas como qualquer outra discussão acadêmica, contrastando com as inflamadas disputas científico-teológicas oitocentistas. A Nova Ordem mundial, na sua ambição de suprimir as tradições religiosas ou subjugá-las a uma nova religião de cunho gnóstico improvisada por planejadores sociais, adotou o evolucionismo como uma de suas principais armas de ataque. Daí que o debate, subitamente politizado, tenha se tornado ainda mais feroz do que era no século XIX. Mas nem tudo é ordem e coerência no projeto globalista. Sua afeição nominal ao compromisso democrático dá margem a que os inimigos do evolucionismo também se organizem politicamente para impor a vigência do seu próprio mito.
A luta formidável dos poderes mitológicos repete a imagem bíblica de Leviatã e Behemoth, o crocodilo da rebelião que se agita no fundo das águas e o hipopótamo da ordem divina que o esmaga sob seus pés. Na Bíblia, Deus aponta de longe as duas criaturas ao perplexo Jó, advertindo-lhe que ambos são monstros temíveis. Se confinado no interior da alma, o conflito espiritual poderia levar à sabedoria. Materializado sob a forma dos poderes políticos que se entrechocam no cenário da história, torna-se fonte de sofrimento e obscuridade sem fim.

Publicado no Diário do Comércio, 26 de junho de 2006
http://www.olavodecarvalho.org/semana/060626dc.html

09 agosto 2009

A Moral Faria Sentido Sem Deus?



Por Mario Persona*

Você escreveu: "esse papo de que a pessoa só pode ser boa se temer a um deus é totalmente sem sentido"

Eu acharia sem sentido viver sem um norte, sem uma definição absoluta de bem e mal dada por alguém acima de mim. Ao dizer "ser boa" você precisa desse referencial e também de uma razão para obedecer ou não esse padrão moral. Talvez você diga que seu motivo ou razão seja sentir-se bem, o que tornaria certo tudo o que nos fizesse sentir bem, inclusive tomar drogas.

Mas aí você poderá argumentar que no longo prazo as consequências não serão boas, e então estaremos falando de consequências no final, que podem ser boas ou ruins conforme as escolhas que fazemos. Se no final tudo se acaba, então não faz qualquer sentido pensar no futuro. Como escreveu Paulo, “se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos que amanhã morreremos”.

"Ser ateu é não acreditar em deus apenas, e não transformar tudo em uma anarquia", diz você, mas o que faz pensar que uma anarquia seja pior ou menos válida do que uma sociedade organizada? Se eliminarmos Deus como um juiz no final para condenar o ímpio, então não haverá mais o que temer e não precisaremos prestar contas de nossos atos. Poderemos sim viver em anarquia e sem qualquer autoridade, se isto nos fizer sentir bem e for conveniente para o momento presente.

Mas você diz que as leis e regras de conduta existem para garantir o bem estar do conjunto humano. Aí eu volto ao ponto de nossa conversa anterior. Sem um padrão superior ao ser humano não há como estabelecer leis e regras, pois a lei que favorece você vai desfavorecer o bandido. Embora alguns considerassem isso justo, o bandido estaria igualmente no seu direito de considerar isso uma injustiça se não existisse uma justiça suprema, acima de todos.

Citar Montesquieu, como você fez, dizendo que "é preciso que o poder limite o poder" é fazer o mesmo que eu faço quando cito a Bíblia. Creio e adoto o padrão "DEUS" como absoluto, e a Bíblia como Sua palavra. E Montesquieu, o que é para você? Sem Alguém maior que Montesquieu até o pensamento dele fica sem sentido. Afinal, baseado em quê alguém pode se arvorar no direito de querer limitar o poder? Só se for alguém com mais poder, o que nos leva ao mesmo desequilíbrio do qual você pensa escapar ao dizer que leis e regras existem para garantir o bem estar do conjunto? Não se iluda, você vai precisar de alguém acima de Montesquieu e se continuar subindo nessa pirâmide vai topar com Deus.

Quando falei das abelhas e seu comportamento tão cruel quanto o das formigas do ponto de vista humano, já que elas não cuidam de seus doentes e velhos e só pensam na própria sobrevivência, você disse que se eu estudasse genética comportamental (nunca estudei) saberia que não existe vantagem evolutiva em matar deliberadamente outros seres vivos. Segundo você, "as abelhas têm esse espírito de união porque a evolução favoreceu as abelhas que se mantinham trabalhando juntas; se existiu um tipo de abelha egoísta que matava seus semelhantes deliberadamente, já foi extinta".

Bem, se o seu raciocínio fosse válido você e eu estamos extintos. No entanto aqui estamos nós, os seres dominantes neste planeta, apesar de descendentes da espécie que mais sangue derramou em toda a história de todos os seres vivos, a maior parte desse sangue sem qualquer objetivo que não fossem o egoísmo e a pura crueldade. Ou será que no andar da carruagem da evolução ainda nos resta a esperança de nos tornarmos abelhas?

"O ponto central do meu argumento foi: Deus não é necessario pra voce ser bom, esse é o ponto", diz você. Muito bem, e o que é ser bom? Quem vai decidir isso? Com base em quê. E se você decidir, por que eu devo aceitar? Quem é você para decidir? E se eu decidir, quem sou eu? Que poder tenho eu para - voltando a Montesquieu - limitar o seu poder de decidir?

Percebe como eu e você precisamos de Deus? Se Deus não existir vai ser preciso inventar um, talvez uma deusa com o nome de Minerva para nos tirar deste impasse. Sugiro pesquisarmos um pouco mais para vermos se não existe algum Deus de fato e direito, que não seja de pedra e nem tenha as imperfeições de Minerva.

Por que não começar com Jesus, que declarou ser Deus em várias ocasiões? Ao menos teremos um Deus que, além de Deus é também homem, ou seja, capaz de nos compreender perfeitamente. Se você quisesse se comunicar com as abelhas do nosso exemplo seria interessante se transformar em abelha para entender como elas vivem e poder falar com elas de abelha para abelha.

Seu argumento de que "se fossemos todos selvagens assassinos já estaríamos mortos" também não tem fundamento. Se estudar história verá que somos sim, todos nós, selvagens assassinos. Como eu disse da outra vez, "traição é uma questão de datas". Eu disse que foi Alexandre Dumas quem escreveu isso, mas na verdade ele citou Talleyrand-Périgord, ministro das relações exteriores de Napoleão. Terrorista é quem perde e vira oposição. Quem ganha, por mais assassinatos que tenha cometido e bombas que tenha explodido, deixa de ser chamado de terrorista para ser chamado de presidente, chanceler, imperador ou algum título de dignidade.

Em Romanos diz que "Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus". Faz sentido ler isto em Romanos, pois está numa Bíblia que se declara a Palavra de Deus e onde existe um código moral para podermos ter um referencial do que seja pecado. É bom lembrar que nela a palavra pecado aparece em dois sentidos: fazer a própria vontade (pecado) e os frutos da vontade própria (pecados).

Já que nos faltam os parâmetros para dizermos "se fossemos todos selvagens assassinos", vamos precisar de um padrão moral que não seja nem meu e nem seu. Então o que diz em Romanos pode ser um bom começo, já que não existe uma afirmação mais democrática do que a de que “todos pecaram”. Ao dizer isso a Bíblia coloca todos no mesmo nível. Não tem melhor nem pior, todos são igualmente incapazes, eu e você inclusive. Então não podemos esperar que algum de nós se arvore no direito de ditar normas para os outros seguirem e vamos precisar de um Deus que faça isso.

Ao que parece você não compreendeu a mensagem da Bíblia, e posso ver isto pelo que escreveu: “você quer colocar todo mundo como malvado, todo mundo como pecador, então as pessoas só ficaram boas depois da chegada dos judaico-cristãos”. Não foi o que eu disse. Eu disse que, apesar de você se dizer ateu, suas conclusões de bem e mal são formadas pela cultura judaico-cristã na qual está inserido.

Mas, ao contrário de seu raciocínio, as pessoas não se tornam melhores quando entram em contato com a Palavra de Deus: elas se tornam infinitamente piores, porque são colocadas diante do padrão de Deus, um padrão impossível de ser alcançado pelo homem pecador. A Palavra de Deus é a medida pela qual você será julgado, a menos que antes disso conheça o perdão de seus pecados que está disponível em Jesus.

Quando sugeri que começasse por Jesus, você perguntou: Porque Jesus? o que ele tem de tão especial que Maomé não tem? O que que o cristianismo tem de tão especial que o hinduísmo ou as religiões indígenas não tem?”

Muita coisa. Mas eu destacaria a improbabilidade como uma das mais atraentes. Foi isso que chamou a atenção de C. S. Lewis (autor de “As crônicas de Narnia”), um ex-ateu cujo amigo cristão e especialista em lendas (J. R. R. Tolkien autor de “O senhor dos anéis”) convenceu de que os evangelhos não eram uma lenda, mas um relato de fatos. Comece por Mateus e você já encontra uma improbabilidade nos primeiros versículos.

Na genealogia de Jesus você encontra um caso de incesto (Judá e Tamar), uma prostituta (Raab) e um adultério (Davi com a mulher de Urias). Quem escrevesse a genealogia de alguém tido como o Filho de Deus, o equivalente a ser Deus, teria omitido essas coisas, pois são péssimos antecedentes. Por que não falar simplesmente de Davi e de sua mulher Batseba? Por que lembrar o nome de Urias, um dos melhores amigos do Rei Davi, que este mandou abandonar na frente de batalha para ser morto com o inimigo e poder roubar sua mulher?

Continue lendo os evangelhos e você vai se surpreender com o tanto de vezes que os próprios autores evangelistas se colocam na posição de verdadeiros idiotas revelando suas falhas sem qualquer retoque. Você não vê isso nos textos de outras religiões. Eles são cuidadosamente escovados para deixar uma impressão positiva para a posteridade. Os evangelhos realmente formam um texto sui generis, muito semelhante ao Antigo Testamento que revela toda a mesquinhez do povo hebreu também sem retoques.

Você falou que não faz sentido em algo que não pode ser provado e deu o exemplo da gravidade, na qual você acredita porque pode ser provada pela ciência. Sim, pode, mas a ciência ainda não conseguiu explicá-la (as diferentes explicações tentadas pela ciência não funcionam em todos os casos). Deus também pode ser provado, mas não explicado, só que para isso você terá de usar instrumentos diferentes dos usados pelos cientistas. Para se ter uma prova da existência de Deus é preciso colocar os joelhos no chão e pedir a Ele para se revelar a você. Está disposto a fazer o teste? Não, você não está, pois existe o risco de precisar rever sua fé atual. Um dia eu fiz o teste e Ele não me decepcionou. Agora eu sei.

Provai, e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele confia.” Sl 34:8

* 1- Mario Persona é tutor do blog "O Que Respondi", cujo texto originalmente pode ser acessado AQUI
2 - A foto acima não faz parte do texto original
.
3- Este texto faz parte de uma sequência de respostas às inquirições de um ateu iniciada AQUI.

05 agosto 2009

Se não existe Deus, tudo está liberado?






Por Mario Persona
*

Você escreveu:

"Eu fico impressionado com esse tipo de pensamento de vocês crentes: Se não existe Deus então tudo é liberado, podemos matar, roubar, agredir e fazer tudo de errado porque o inferno não existe. Sempre quando ouço isso lembro do que Einstein disse: 'Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa após a morte, então realmente somos um grupo muito desprezível'"

A grande dificuldade do ateísmo tem a ver com a falta de um referencial absoluto. Deus é o referencial absoluto do crente, o seu norte. Considerando que o ateísmo não provê esse referencial, é preciso criar outro, e foi o que você fez aqui. Enquanto eu cito uma passagem da Bíblia para fundamentar um pensamento, você cita Einstein para fundamentar o que acredita. Assim como eu, você precisou lançar mão de um referencial, no caso o "deus" Einstein e seus oráculos. Não percebe que somos iguais quando fazemos isso?

Mas a realidade é que, se não existe Deus, tudo é liberado, pois não existe um referencial, uma lei ou autoridade moral que esteja acima da vontade própria do ser humano. Você, que crê na teoria da evolução, olhe à sua volta. A natureza é extremamente cruel, é uma competição acirrada pelo predomínio do mais forte. Quem comer o outro mais rápido sobrevive.

Se a sobrevivência do mais forte ou mais capaz é a tônica do pensamento evolucionista que exclui Deus de sua equação, então não havia nada de errado com Hitler em exterminar judeus, ciganos e portadores de deficiência. Eles ameaçavam a evolução do povo ariano. Então não há nada de errado com algumas tribos de índios brasileiros que continuam enterrando vivas a crianças deficientes, gêmeas e albinas. Nada de errado com o costume indiano, interrompido por pressão de cristãos, de imolar a viúva ao lado do marido falecido. Ou o costume oriental de afogar a primogênita caso fosse menina.

Quando você fala em "matar, roubar, agredir e fazer tudo de errado", baseado em quê decidiu que matar, roubar e agredir é errado? Gralhas roubam, leões matam e cangurus agridem, mas ninguém questiona seus atos. Por que os humanos não podem também matar, roubar e agredir, se isso ajudar a aumentar suas chances de sobrevivência? Traficantes fazem tudo isso e acreditam não haver nada de errado. Com que autoridade você diria a um traficante que ele está errado? Ele tem tanto direito quanto você de viver do jeito que acredita ser melhor para sua sobrevivência.

O problema é que você não consegue viver sem um referencial, e adotou este, de que matar, roubar etc. sejam coisas erradas, sem conseguir explicar de onde tirou tal ideia ou não querer admitir que ela é fruto da influência judaico-cristã da sociedade ocidental onde você nasceu.

Ao dizer que é errado o traficante matar, você assume a mesma posição que assume ao dizer que é errado eu acreditar que exista um Deus. Mais uma vez estamos no mesmo barco, cada um de nós adotando um referencial próprio e dizendo para o outro que o outro está errado. A diferença é que, quando eu digo que matar etc. é errado estou atribuindo a Deus a origem dessa ideia. Não se engane: sempre nos baseamos em algo ou alguém superior a nós mesmos. No seu caso aqui um oráculo de Einstein lhe serviu bem para isso.

Outra vez em seu email você apelou para uma lei moral que não faz qualquer sentido se não existir uma autoridade superior. Você escreveu: "Você não consegue ser bom apenas por saber que é o certo?" Percebe o que está dizendo? Para mim "certo" é crer em Deus, portanto na minha opinião eu sei o que é certo e você não sabe. Mas é claro que esta é uma posição idêntica à sua, não é mesmo? É idêntica porque você também não é capaz de definir o certo e o errado sem uma autoridade superior.

Quando criança, seus pais definiam o certo e errado. Seus professores faziam o mesmo na esfera do ensino. Na sociedade é a polícia, o juiz, o governo quem determina o que é certo e o que é errado. Se você questiona o direito e autoridade de Deus em julgar, terá de questionar também todas as outras formas de autoridade. Afinal, que direito têm elas de castigar quem não anda segundo o seu catecismo? Talvez você diga que é diferente, pois essas autoridades são democraticamente constituídas. Não seja ingênuo, a maioria dos países e povos do mundo tem governos nem um pouco democráticos.

E mesmo os governos democráticos têm uma história que nem sempre lhes dá legitimidade. Acho que é de Alexandre Dumas a frase "traição é uma questão de datas". Quem ontem era terrorista, hoje é governo em muitos lugares do mundo. Até na história dos Estados Unidos o governo atual nada mais é do que uma consequência de um grupo de terroristas que derrubou o governo legalmente estabelecido pela coroa britânica quando assumiu a colonização da América. E que, por sua vez, derrubou o governo de direito dos índios que viviam na terra antes da chegada dos homens brancos. Adotamos as autoridades por conveniência ou por estarem em vigor no período de nossa existência. "Traição é uma questão de datas".

Mas precisamos de uma autoridade superior, precisamos de um pai, de um professor, de um chefe, de um delegado... Não entendeu que temos "deuses" em vários níveis da hierarquia da definição e imposição do que é certo e errado? Quem foi que inventou isso? E quando a pirâmide atinge o nível da autoridade máxima, quem você coloca lá? Se não existir ninguém lá, então a autoridade que está logo abaixo, seja ela uma autoridade civil ou um filósofo ateu, acaba sendo o pico da pirâmide, o seu deus.

Você continua seu raciocínio que, na verdade, dá voltas:

"Vocês vivem afirmando que nós, seres humanos, somos superiores aos outros animais mas não parece. As abelhas vivem em harmonia entre elas sem precisar ter medo de um Deus punitivo, os peixes de um cardume vivem bem entre si sem precisar ter medo de um grande deus peixe que manda pra grelha eterna os peixes pecadores".

A ideia de abelhas e peixes vivendo em harmonia é uma falácia romântica. Para que qualquer coisa atinja um equilíbrio harmônico é preciso que exista uma equiparação das forças que atuam sobre essa coisa, um equilíbrio de forças. Já criei abelhas e elas não são anjinhos. Existe uma hierarquia e, do ponto de vista humano, abelha não tem coração. Você não encontra enfermarias para abelhas doentes numa colmeia. Elas simplesmente são eliminadas quando adoecem ou envelhecem. É a lei da sobrevivência do mais forte. Além disso, elas vivem num ambiente extremamente competitivo e cruel. Quando criava abelhas perdi 5 colmeias para as formigas, que as atacaram pelo simples motivo de que a cera e as larvas eram apetitosas e boa fonte de proteína para a sobrevivência do formigueiro.

Quanto aos peixes, não existe ambiente mais impiedoso do que o fundo do mar. Diga rápido o nome de uma criatura subaquática vegetariana. Demorou. A quase totalidade dos peixes e outros animais marinhos é carnívora. Na natureza o maior come o menor, e você mesmo vive fazendo isso quando toma uma inocente canja de galinha. É vegetariano? Não adianta. O que o faz pensar que tem mais direito de sobreviver do que um pé de alface? Até mesmo quando usa antibióticos ou derrama desinfetante na privada para matar as bactérias você está agindo em seu próprio interesse de sobrevivência. Se todos os seres têm direitos iguais, por que matar um ser humano seria errado, e usar desinfetantes não? A competição é constante: se você não matar os mais fracos antes, eles acabam matando você. Sem Deus, esta deve ser a forma lógica da sobrevivência.

Você mais uma vez faz a mesma pergunta, só de outra forma: "A gente precisa temer o inferno pra agir corretamente?" A ideia de que uma pessoa se torna cristã por medo do inferno é típica de quem não conhece o evangelho (explico isto aqui). Muito bem, vamos eliminar Deus da equação e eu pergunto: Quem tem o direito de decidir o que é "agir corretamente"? Para um muçulmano radical, agir corretamente é extrair o clítoris das meninas para que não tenham prazer no ato sexual quando crescerem. Existe um movimento hoje contra isso, o que é obviamente resquício da influência judaico-cristã na sociedade ocidental, mas o que dá a esse movimento o direito de dizer aos muçulmanos radicais como devem agir?

Dentro da sociedade deles, extrair o clítoris de uma criança pode ter o mesmo papel cerimonial de cortar o prepúcio de um garotinho judeu. Em ambos os casos, agora raciocinando como faria um antropólogo ateu evolucionista, a manutenção de uma cultura religiosa com todos os seus rituais pode ter sido útil para a sobrevivência da espécie e a harmonia dentro do "cardume", só para usar o seu raciocínio. Eliminar isso poderia ser tão fatal para uma tribo ou sociedade quanto proibir a extração da vesícula ou de um apêndice supurado seria uma ideia absurda para a prática da medicina moderna.

Uma das sociedades mais evoluída e organizada de todos os tempos foi a sociedade romana de há dois mil anos. Os romanos viviam muito bem com sua prática de jogar no lixo bebês do sexo feminino e enxergarem a prostituição como prática salutar como alternativa para a mesmice da vida de um casal. O que hoje chamamos de pedofilia não era mais pecado do que ter um poodle de estimação. Um homem adulto podia comprar um menino para ter em casa como fazemos hoje com um animal de estimação, com a diferença de que o romano usava o menino como escravo sexual. Possuir meninos para práticas sexuais era algo normal, não só na Roma antiga, mas na Grécia e no oriente. Foram os abelhudos cristãos, depois dos judeus, que exerceram influência na sociedade romana contra práticas como aborto, infanticídio, adultério, prostituição e pedofilia. Que direito tinham os cristãos de dizer aos romanos o que era certo ou errado se não existe um Deus e se a Bíblia não passa de um conto de fadas?

Existe um argumento do ateísmo que alega que o pensamento religioso fez parte da evolução do ser humano, tendo sido necessário por milênios até como uma forma de preservação da espécie. O pensamento evolucionista alega que não passamos de uma feliz combinação de átomos e nossos pensamentos e crenças nada mais são do que interações químicas favoráveis à sobrevivência, portanto essas sinapses religiosas teriam sido muito úteis até aqui. Mas, alegam alguns ateus, atingimos um grau de evolução que nos permite abrir mão dessas sinapses religiosas e seguirmos adiante acreditando apenas na razão.

O problema é que, neste caso, as sinapses da razão não serão diferentes das sinapses da religião, pois a construção desse raciocínio fundamenta-se em reações químicas do cérebro tanto quanto a construção do raciocínio religioso. Se assim for, o que garante que amanhã não iremos chegar a uma nova conclusão de que a crença na razão não passou de um período evolutivo quando isso era importante para a sobrevivência de nossa espécie? Mesmo assim, o próximo raciocínio também estará comprometido pela mesma lógica.

Como pode ver, o ateísmo tem muitas coisas não resolvidas e é preciso mais fé para crer nisso do que para crer que exista um Deus criador, mantenedor e juiz. Eu acho que você precisa mesmo é de Deus. Sugiro que comece lendo a respeito de Jesus. Há muito o que aprender com ele. Afinal, se você crê na evolução, não irá querer pensar que a opinião que defende hoje é a derradeira, não é mesmo? Sua crença na evolução deve incluir até mesmo a possibilidade de se tornar um crente em sua próxima etapa evolutiva. A menos que considere isso errado, mas aí voltamos ao início de nossa conversa: quem tem o direito de determinar o que é certo e errado?
* 1- Mario Persona é tutor do blog "O Que Respondi", cujo texto originalmente pode ser acessado AQUI
2 - A foto acima não faz parte do texto original
. Ela reflete a insensatez do ateu, que aparenta estar seguro, mas realmente estará?