Por Igor Miguel*
"Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta." (Marx & Engels no Manifesto do Partido Comunista).Não posso concordar com Marx/Engels neste sentido! Não posso concordar com o pressuposto de uma revolução será desencadeada pela ideia de luta de classe. A ideia de "conflito constante" e de "guerra ininterrupta" como algo natural, que conduzirá o homem a uma transformação revolucionária, como se houvesse algum tipo de "desenvolvimento" como afirmará em vários pontos de seu manifesto, é insuportável. Se eles sustentam um "desenvolvimento" pela contradição, pelo conflito, então sugere que há algo de bom na tensão entre os interesses humanos, que é a própria cooptação do mal primevo, já afirmado por Adam Smith (auto-interesse).
O auto-interesse do autor da Riqueza das Nações, agora domado, torna-se o germe, que no final "redimirá" o mundo por meio de processos revolucionários que culminarão com o desenvolvimento da sociedade e por fim a humanidade. O que Millbank [1] chama de "vontade demiúrgica do individualismo humano", torna-se a mola propulsora para o desenvolvimento. O paganismo aqui é explícito! O paganismo de trazer o Olimpo para o mundo, de divinizar os homens e colocá-los na condição de seres autônomos. Aquilo que já era perverso nas raízes do capitalismo, torna-se ainda mais perverso na pena de Marx, pois o que era mau, agora torna-se o próprio meio que conduzirá os homens ao “paraíso” comunista. Adam Smith admitira o auto-interesse, procurou usá-lo para um fim objetivo, domando-o, legislando-o, Marx, diviniza-o, lhe dá um tratamento messiânico, um sabor escatológico à instauração da guerra dos deuses, dos indivíduos.
De acordo com a tradição cristã, principalmente de raiz reformada, é insuportável a ideia de revolução por meio da subversão contra autoridades determinadas. Biblicamente, as autoridades foram instituídas por Deus, que em sua soberania, eleva e abate os poderosos, principados e potestades. Logo, quem “conspira” contra um poderoso, conspira contra os desígnios de Deus.
Neste sentido assevera Abraham Kuyper:
... segue-se que todos os homens ou mulheres, rico ou pobre, fraco ou forte, obtuso ou talentoso, como criaturas de Deus e como pecadores perdidos, não têm de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos como iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens, exceto a que tem sido imposta pelo próprio Deus, visto que ele deu a um autoridade sobre o outro, ou enriquece um com mais talentos do que o outro, para que o homem de mais talentos sirva o homem de menos, e nele sirva a seu Deus. (A. Kuyper em O Calvinismo)Isso significaria passividade ante à corrupção? Absolutamente não! Isto não significa em hipótese alguma que a tradição judaico-cristã seja “passiva” ante a corrupção, a injustiça e o abuso de poder. Diante destes males, tomamos a frase de São Pedro, “mais importa obedecer a Deus do que a homens”. Neste sentido, se uma autoridade falha em seu papel, julga-se que não se deve “derrubá-lo” pela “mão armada”, ou por qualquer tipo de “crime”. Pois isto seria responder “mal por mal”, seria fazer uso de tirania para derrubar o tirano.
Compete-nos, denunciar a injustiça pela justiça, confrontar a iniquidade com a lei, denunciar o “roubo” com o “não roubarás”. A exposição da lei, o exercício da denúncia profética, no estilo João Batista que denunciou as orgias de Herodes. Mas, nunca, nunca se deixar seduzir pela revolução, jamais fazer uso da mesma lógica dos tiranos, a lógica do golpe. Nunca dar ouvido ao jacobino que procurou seduzir William Wilberforce, que finalmente optou pela transformação pelos caminhos da justiça ao invés da conspiração. Neste sentido, uma percepção política cristã, deveria se basear na “reforma” ou na “restauração” e nunca na “revolução”, na imposição violenta e na conspiração.
Não há como ser progressista, não há como confiar no homem sob efeito da queda. Neste sentido, a visão agostiniana [2] de “queda” concebia que o cristão é um ser em permanente estado de “desconfiança” a respeito do homem e absoluta “confiança” na soberania de Deus sobre os poderosos. Não é possível confiar na revolução a partir da luta de classes, a resposta judaico-cristã envolve uma luta com classe e a sofisticação necessárias, para com graça, manifestar justiça onde opera a iniquidade.
“… o homem que vemos todos os dias – o trabalhador.... o pequeno funcionário... está mentalmente preocupado demais para preocupar-se com a liberdade. Ele é mantido sob controle com literatura revolucionária. É acalmado e mantido em seu lugar por meio de uma constante sucessão de filosofias insensatas. Ele é marxista num dia, nietzcheano no outro, super-homem (provavelmente) no dia seguinte e escravo todo os dias.” (G.K. Chesterton em Ortodoxia)._____________________
[1] MILBANK, John. Theology & Social Theory: beyond secular reason. Malden, USA: Blackwell Pub., 2006.
[2] Se bem, que a visão de queda tem raízes profundas, mesmo em eras pré-paulinas. Há evidências de uma teologia da queda na escatologia dos essênios.
*Texto gentilmente cedido pelo autor
Fonte: Pensar...
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