"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

25 abril 2010

História da Confissão de Fé de Westminster





A Confissão de Fé de Westminster é a principal declaração doutrinária adotada oficialmente pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Ela foi um dos documentos aprovados pela Assembléia de Westminster (1643-1649), convocada pelo Parlamento inglês para elaborar novos padrões doutrinários, litúrgicos e administrativos para a Igreja da Inglaterra. Para se entender as circunstâncias da formulação desse importante documento, é preciso relembrar a história da Reforma Inglesa.


1. Antecedentes

Até 1534, a Inglaterra havia sido católica romana por muitos séculos. Nesse ano, sob a liderança do rei Henrique VIII, essa nação rompeu com Roma e aprovou o Ato de Supremacia, pelo qual o rei passou a ser o chefe da Igreja da Inglaterra. Assim sendo, passou a existir uma igreja nacional inglesa, separada de Roma, mas ainda católica, com o nome de Igreja Anglicana.


Com a morte de Henrique VIII em 1547, subiu ao trono o seu filho adolescente Eduardo VI. Sob a liderança de Thomas Cranmer, arcebispo de Cantuária, foram elaborados dois importantes documentos, ambos influenciados pela teologia calvinista: os Trinta e Nove Artigos e o Livro de Oração Comum. Várias outras reformas foram realizadas, tendo-se a impressão de que a fé protestante iria triunfar. Todavia, a morte prematura do jovem rei, em 1553, interrompeu bruscamente esse processo.

Eduardo foi sucedido por sua meia-irmã, Maria Tudor, mais tarde conhecida como “Maria, a Sanguinária”. Ela era filha de Henrique VIII e da princesa católica espanhola Catarina de Aragão. De imediato, Maria se dispôs a anular o que seu pai e seu irmão haviam feito e levar a Inglaterra de volta para a Igreja de Roma. O arcebispo Cranmer e muitos outros líderes da Reforma foram queimados na fogueira.

Muitos protestantes fugiram para o continente, sendo que um bom número deles se refugiou em Genebra, onde o reformador João Calvino estava no auge da sua influência. Eles organizaram uma igreja presbiteriana, tendo como pastor um dos refugiados, o escocês João Knox. Outro refugiado, Miles Coverdale, e alguns companheiros fizeram uma nova tradução das Escrituras, que ficou conhecida como a Bíblia de Genebra. Foi a primeira Bíblia de tamanho pequeno a ser publicada e a primeira Bíblia em inglês na qual os livros eram divididos em capítulos e versículos.

Com a morte de Maria em 1558, sua meia-irmã Elizabete subiu ao trono para um longo reinado de 45 anos. O Ato de Supremacia foi restabelecido e os protestantes exilados tiveram permissão para retornar. Eles voltaram para a Inglaterra e a Escócia com a sua Bíblia de Genebra e com maior convicção acerca do calvinismo e do presbiterianismo.


2. Os Puritanos

Nesse contexto, solidificou-se um movimento cujas raízes mais remotas vinham desde o pré-reformador João Wyclif (século 14), passando pelo tradutor da BíbliaWilliam Tyndale (†1536) e muitos outros líderes. Firmemente apegados às Escrituras e à teologia calvinista, esses protestantes começaram a insistir numa reforma genuína da igreja inglesa, com uma forma de governo, um sistema de doutrinas, um culto e uma vida mais puros, ou seja, mais bíblicos. Com isso, por volta de 1565 eles passaram a ser chamados de “puritanos”.

A rainha Elizabete alarmou-se com o crescimento do puritanismo e tudo fez para forçar os puritanos a se submeterem aos padrões religiosos vigentes. Todavia, o movimento continuou a crescer. Um autor diz que a Inglaterra nunca experimentou uma transformação moral tão grande como a que ocorreu entre o meio do reinado de Elizabete e a convocação do Longo Parlamento. A Inglaterra se tornou o povo de um livro, a Bíblia, que era lida nas igrejas e nos lares, gerando grande vitalidade espiritual. (Ver John Richard Green, em Uma Breve História do Povo Inglês).

Com a morte de Elizabete em 1603, Tiago VI da Escócia, filho de Maria Stuart, tornou-se Tiago I, rei da Inglaterra e da Escócia, e chefe da igreja. Os puritanos nutriam grandes esperanças em relação ao novo rei, que havia sido educado pelos presbiterianos da Escócia. Todavia, ele os decepcionou profundamente, visto estar muito apegado ao sistema episcopal de governo eclesiástico. Ele disse: “Vou fazer com que se submetam ou os expulsarei do país, ou coisa pior”. No seu reinado, um grupo de puritanos foi inicialmente para a Holanda e depois para a Nova Inglaterra, na América do Norte. A única coisa positiva que esse rei fez na área religiosa foi aprovar uma nova e influente tradução da Bíblia, que ficou conhecida como a Versão do Rei Tiago (King James Version, 1611).


3. A Assembléia de Westminster

Tiago foi sucedido no trono por seu filho Carlos I, que reinou de 1625 a 1649. Seu principal conselheiro era William Laud, arcebispo de Cantuária, um adepto da teologia arminiana e da uniformidade religiosa. Em 1637, Carlos I e Laud tentaram fazer com que os presbiterianos da Escócia se submetessem ao governo e culto da Igreja da Inglaterra, com seu sistema episcopal (bispos e arcebispos). No ano seguinte, os escoceses assinaram um Pacto Nacional no qual se comprometiam a defender o presbiterianismo e entraram em guerra contra o rei.

Carlos precisava de mais homens e dinheiro para lutar contra os escoceses e assim foi forçado a convocar a eleição de um Parlamento. Para seu horror, os ingleses elegeram um Parlamento puritano. Ele rapidamente dissolveu o parlamento e convocou nova eleição, que resultou em uma maioria puritana ainda mais expressiva. O rei novamente tentou dissolver o Parlamento, que entrou em guerra contra ele. Estava iniciada a guerra civil inglesa.

Entre outras coisas, esse Parlamento puritano voltou sua atenção para a questão religiosa. Há 75 anos os puritanos vinham insistindo que a Igreja da Inglaterra tivesse uma forma de governo, doutrinas e culto mais puros. Assim sendo, o Parlamento convocou a “Assembléia de Teólogos de Westminster”, que ficou composta de 121 dos ministros mais capazes da Inglaterra, além de 20 membros da Câmara dos Comuns e 10 membros da Câmara dos Lordes. Todos os ministros, exceto dois, eram da Igreja da Inglaterra. Praticamente todos eles eram puritanos, calvinistas. Infelizmente, não havia unanimidade entre eles quanto à forma de governo: a maioria era composta de presbiterianos, muitos eram partidários da forma congregacional e alguns defendiam o episcopalismo. Os debates mais longos e acalorados foram travados nessa área.

A Assembléia de Westminster iniciou seus trabalhos na Abadia de Westminster, em Londres, no dia 1° de julho de 1643, e continuou em atividade durante cinco anos e meio. Nesse período, houve 1163 reuniões do plenário e centenas de reuniões de comissões e subcomissões.


4. A Conexão Escocesa

Mal haviam começado os trabalhos, as forças parlamentares começaram a ficar em desvantagem na guerra. Rapidamente foi enviada uma delegação à Escócia em busca de auxílio. Os escoceses concordaram em enviar socorro, mediante duas condições: (a) todos os membros da Assembléia de Westminster e do Parlamento deviam assinar uma Liga e Pacto Solene a ser redigido pelos escoceses; (b) os escoceses iriam nomear alguns representantes junto à Assembléia de Westminster. Ao assinarem esse documento, os ingleses se comprometeram a manter e defender a Igreja Presbiteriana da Escócia e a realizarem uma reforma da igreja “na Inglaterra e na Irlanda em sua doutrina, governo, culto e disciplina, de acordo com a Palavra de Deus e o exemplo das melhores igrejas reformadas”.

Os escoceses enviaram seis delegados à Assembléia de Westminster – quatro pastores e dois presbíteros – sem direito a voto. Os ministros eram: Alexander Henderson, Robert Baillie, George Gillespie e Samuel Rutherford. Esses poucos representantes escoceses exerceram uma influência decisiva sobre a Assembléia. Com a chegada dos escoceses e a assinatura da Liga e Pacto Solene em setembro de 1643, houve uma mudança radical no trabalho da Assembléia. Antes disso, a maior parte do tempo havia sido dedicada a uma revisão dos Trinta e Nove Artigos e não se pensara em elaborar uma nova Confissão de Fé. Agora os Trinta e Nove Artigos foram postos de lado e passou-se a fazer uma reforma profunda na Igreja da Inglaterra.

A Assembléia de Westminster era um conjunto de homens não somente eruditos, mas profundamente espirituais. Gastou-se muito tempo em oração e tudo foi feito com espírito de reverência. Robert Baillie, um dos representantes escoceses, descreveu um dos dias de jejum e oração: “Depois que o Dr. Twisse deu início com uma breve oração, o Sr. Marshall orou longamente por duas horas, confessando mui piedosamente os pecados dos membros da Assembléia... Depois disso, o Sr. Arrowsmith pregou por uma hora, e então foi cantado um salmo. Em seguida, o Sr. Vines orou por quase duas horas, o Sr. Palmer pregou por uma hora e o Sr. Seaman orou por quase duas horas; em seguida, foi cantado um salmo. Depois disso, o Sr. Henderson os levou a uma breve e suave reflexão sobre as faltas confessadas e outras faltas vistas na Assembléia, para serem corrigidas. O Dr. Twisse encerrou com breve oração e bênção. Deus estava presente de modo tão claro nesse exercício devocional que nós certamente esperamos uma bênção tanto sobre os assuntos da Assembléia quanto sobre todo o reino”.


5. O Trabalho da Assembléia

Durante seus cinco anos e meio de atividade, a Assembléia de Westminster produziu os chamados Padrões Presbiterianos. À medida que era concluído, cada documento era encaminhado ao Parlamento como o “humilde conselho” da Assembléia. O Parlamento não aprovou automaticamente o trabalho da Assembléia, mas gastou muito tempo estudando e discutindo cada documento. Os Padrões Presbiterianos, na ordem em que foram concluídos pela Assembléia, são os seguintes: (a) Diretório do Culto Público a Deus: foi concluído em dezembro de 1644 e aprovado pelo Parlamento em janeiro de 1645. Substituiu o Livro de Oração Comum. (b) Forma de Governo Eclesiástico e Ordenação: foi concluída em novembro de 1644 e aprovada pelo Parlamento em 1648. Era uma forma presbiteriana de governo e substituiu o episcopalismo na Igreja da Inglaterra. (c) Confissão de Fé: foi concluída em dezembro de 1646 e aprovada pelo Parlamento em março de 1648. (d) Catecismos Maior e Breve: foram concluídos no final de 1647 e aprovados pelo Parlamento em setembro de 1648. (e) Saltério: versão métrica dos salmos para o culto; havia várias versões concorrentes, mas a de Francis Rous, membro do Parlamento e da Assembléia, foi finalmente aprovada em novembro de 1645, após uma extensa revisão. Foi aprovado pelo Parlamento no ano seguinte.


6. A Confissão de Fé

O esboço inicial da Confissão de Fé de Westminster foi preparado por duas comissões a partir de outubro de 1644, com a plena participação dos representantes da Igreja da Escócia. O plenário da Assembléia discutiu o documento de julho de 1645 a dezembro de 1646. Alguns dos debates foram acalorados, especialmente sobre temas como o Decreto de Deus, a Liberdade Cristã e a Liberdade de Consciência, e a liderança de Cristo. De um modo geral, houve uma notável unanimidade entre os participantes.

No dia 26 de novembro de 1646 o texto ficou pronto, com a exceção do prefácio e de algumas emendas. Estes foram concluídos no 4 de dezembro, quando a Confissão de Fé foi apresentada à Câmara dos Comuns. Todavia, o Parlamento exigiu a apresentação de textos bíblicos de apoio, cuja preparação e discussão continuou até abril de 1647. Em 29 de abril, a Confissão com as passagens bíblicas foi apresentada às duas câmaras. A Câmara dos Comuns determinou a impressão de 600 cópias, somente para os membros do Parlamento e da Assembléia. O título era: “O humilde conselho da Assembléia de teólogos que por autoridade do Parlamento ora está reunida em Westminster... com respeito a uma Confissão de Fé, com a adução de citações e textos da Escritura”.

A Confissão foi aprovada pelo Parlamento somente em 1648, com o seguinte título: “Artigos de religião cristã, aprovados e sancionados por ambas as casas do Parlamento, segundo o conselho da Assembléia de teólogos ora reunida em Westminster por autoridade do Parlamento”.

A Confissão de Fé é uma expressão da teologia agostiniana e calvinista que há mais de um século vinha influenciando os teólogos ingleses. Especificamente, a forma da Confissão foi influenciada pelos chamados Artigos Irlandeses, elaborados pelo bispo Ussher em 1615. Quanto ao esquema teológico geral sob o qual os teólogos de Westminster agruparam suas principais doutrinas, trata-se do sistema conhecido como Teologia Federal ou Teologia do Pacto (Pacto das Obras e Pacto da Graça).

Como uma declaração da doutrina reformada e como uma afirmação do calvinismo do século 17, a Confissão de Fé é um documento extremamente moderado e judicioso. William Beveridge conclui: “Devemos agradecer a Deus por essa declaração sábia, completa e equilibrada de nossa fé, que chegou até nós como uma preciosa herança da Assembléia de Westminster”.


7. Eventos subseqüentes

Com o auxílio dos escoceses, as forças parlamentares lideradas por Oliver Cromwell esmagaram o rei Charles e seus exércitos. Cromwell e o exército inglês eram partidários do congregacionalismo; assim sendo, os presbiterianos foram expulsos do Parlamento em 1648. O rei foi decapitado na Torre de Londres em janeiro de 1649, sendo então criada a Comunidade (Commonwealth), tendo Cromwell como Lorde Protetor da Inglaterra e da Escócia.

Cromwell morreu em 1658 e dois anos depois foi restaurada a monarquia, com Carlos II no trono dos dois países. O episcopado foi restaurado, sendo aprovadas rígidas leis que impunham submissão ao governo e ao culto da Igreja da Inglaterra. Cerca de dois mil ministros presbiterianos foram expulsos de suas igrejas e residências. Seguiu-se um longo período de intolerância e cerceamento. Somente no século 19 foi organizada a Igreja Presbiteriana da Inglaterra (1876).

Na Escócia, os Padrões de Westminster foram prontamente adotados pela Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana, substituindo os antigos documentos que vinham desde a época de John Knox. Isso é notável se lembrarmos que a Assembléia de Westminster era composta de 121 ministros puritanos ingleses e apenas quatro ministros escoceses. Os presbiterianos escoceses agiram assim por causa dos méritos intrínsecos dos Padrões de Westminster e em especial devido ao seu desejo de promover a unidade entre os presbiterianos das Ilhas Britânicas. Através da imigração e do esforço missionário dos presbiterianos escoceses, esses padrões foram levados para a Irlanda do Norte, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Brasil e até aos confins da terra.


8. Relevância Atual

A Confissão de Fé de Westminster é considerada uma das melhores e mais equilibradas exposições da fé reformada já escritas. Suas definições doutrinárias foram cuidadosamente elaboradas por alguns dos homens mais cultos e piedosos do século 17. Talvez a sua linguagem e algumas de suas ênfases pareçam estranhas à nossa mentalidade do início do século 21. Todavia, temos de reconhecer que a maior parte das suas formulações continuam plenamente válidas para os dias atuais. Embora seja um documento muito importante e valioso para os reformados, ela não está no mesmo nível da Escritura, ficando subordinada à mesma.

A Confissão de Fé pode ser considerada um pequeno manual de teologia bíblica. Seus 33 capítulos abordam os temas mais importantes da teologia cristã, conforme segue: a doutrina da Escritura Sagrada – cap. 1; a doutrina de Deus (ser e obras) – caps. 2-5; a doutrina do homem e da redenção – caps. 6-9; a doutrina da aplicação da salvação – caps. 10-15; a doutrina da vida cristã – caps. 16-19; a doutrina do cristão na sociedade – caps. 20-24;  a doutrina da igreja – caps. 25-31; e a doutrina das últimas coisas – caps. 32-33.

Os principais temas da teologia reformada são abordados na Confissão de Fé de Westminster: (a) a autoridade das Escrituras – cap. 1; (b) a soberania de Deus e a eleição – caps. 3, 10; (c) o conceito do pacto – cap. 7; (d) a integração da doutrina com a vida cristã – cap. 16; (e) a relação entre lei e evangelho – cap. 19; (f) a importância da igreja e dos sacramentos – caps. 25-29; (g) o sistema de governo – cap. 31; (h) o relacionamento entre o reino de Deus e o mundo. Esperamos que essa considerações estimulem os leitores a conhecerem melhor esse documento histórico que é parte essencial da nossa identidade presbiteriana.


Referências

A Confissão de Fé, O Catecismo Maior, O Breve Catecismo. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991.

Hodge, A.A. Confissão de Fé de Westminster comentada por A.A. HodgeSão Paulo: Editora Os Puritanos, 1999.

Beveridge, William. A short history of the Westminster Assembly. Revised and edited by J. Ligon Duncan III. Greenville, SC: Reformed Academic Press, 1993.

De Witt, John Richard, Terry L. Johnson e F. Solano Portela. O que é a fé reformada? São Paulo: Editora Os Puritanos, 2001.

Lingle, Walter L. Presbyterians: their history and beliefsRichmond: John Knox, 1960.


Apêndices

1. Documentos Aprovados pela Assembléia (Padrões Presbiterianos)
- Diretório do Culto Público (1644-1645)
- Forma de Governo Eclesiástico (1644-1648)
- Confissão de Fé (1646-1648)
- Catecismos Maior e Breve (1647-1648)
- Saltério (1645)


2. Etapas do Preparo da Confissão de Fé
- Início do trabalho das comissões: outubro de 1644
- Debates no plenário: julho de 1645 a dezembro de 1646
- Apresentação à Câmara dos Comuns: 4 de dezembro de 1646
- Preparação e discussão dos textos bíblicos: até abril de 1647
- Apresentação da Confissão com passagens bíblicas: 29 de abril de 1647
- Impressão de 600 cópias para membros do Parlamento e da Assembléia
- Aprovação final pelo Parlamento: 1648


3. Características e relevância
- Expressão da teologia calvinista
- Ênfase na teologia federal ou do pacto
- Influência dos Artigos Irlandeses (James Ussher, 1615)
- Influência dos delegados escoceses – Alexander Henderson, Robert Baillie, George  Gillespie, Samuel Rutherford



1.  Os Padrões de Fé de Westminster:
Observação:
em 1991, a Casa Editora Presbiteriana publicou uma edição especial da Confissão de Fé e dos Catecismos contendo, além do texto desses documentos, a reprodução de todas passagens bíblicas pertinentes a cada tópico.

(a)    Confissão de Fé: compõe-se de 33 capítulos, que abordam os seguintes tópicos:

A Doutrina das Escrituras
1. Da Escritura Sagrada

A Doutrina de Deus (Ser e Obras)
2. De Deus e da Santíssima Trindade 
3. Dos Decretos Eternos de Deus 
4. Da Criação 
5. Da Providência


A Doutrina da Salvação (Objetiva)
6. Da Queda do Homem, do Pecado e do seu Castigo 
7. Do Pacto de Deus com o Homem 
8. De Cristo o Mediador 
9. Do Livre Arbítrio


A Doutrina da Salvação (Subjetiva)
10. Da Vocação Eficaz 
11. Da Justificação 
12. Da Adoção 
13. Da Santificação 
14. Da Fé Salvadora 
15. Do Arrependimento para a Vida 
16. Das Boas Obras 
17. Da Perseverança dos Santos 
18. Da Certeza da Graça e da Salvação


A Doutrina da Vida Cristã
19. Da Lei de Deus 
20. Da Liberdade Cristã 
21. Do Culto Religioso e do Domingo


A Doutrina do Cristão na Sociedade
22. Dos Juramentos Legais e dos Votos 
23. Do Magistrado Civil 
24. Do Matrimônio e do Divórcio


A Doutrina da Igreja
25. Da Igreja 
26. Da Comunhão dos Santos 
27. Dos Sacramentos 
28. Do Batismo 
29. Da Ceia do Senhor 
30. Das Censuras Eclesiásticas 
31. Dos Sínodos e dos Concílios


A Doutrina das Últimas Coisas
32. Do Estado do Homem depois da Morte e da Ressurreição dos Mortos 
33. Do Juízo Final



Apêndice
34. Do Espírito Santo 
35. Do Amor de Deus


Observação quanto ao texto da Confissão de Fé encontrado em A Confissão de Fé, o Catecismo Menor e o Breve Catecismo: Exemplar do Líder, 1ª ed. especial (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991):

Os Capítulos 34 e 35 foram acrescentados pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (a Igreja do Norte) em 1903. A seção intitulada “A Autoridade da Confissão de Fé e dos Catecismos” (pág. 162-F) foi escrita pela Rev. John M. Kyle. (Ver a “Nota Histórica” que consta de edições anteriores da Confissão de Fé).

(b)    Catecismo Maior: compõe-se de 196 perguntas e respostas distribuídas em três seções:

1ª Parte: Da finalidade do ser humano, da existência de Deus, da origem e da veracidade das Escrituras – Perguntas 1-5

2ª Parte: O que o ser humano deve crer sobre Deus – Perguntas 6-90
Deus ....................................... 6-8 
Trindade ..................................9-11 
Decreto ...................................12-14 
Criação ....................................15-17 
Providência ..............................18-20 
Queda .....................................21-29 
Pacto ......................................30-35 
Cristo, o Mediador ......................36-56 
Salvação ..................................57-61 
Igreja ......................................62-65 
União Vital ................................66, 69 
Vocação Eficaz ..........................67-69 
Justificação ..............................70-73 
Adoção ....................................74 
Santificação .............................75-78 
Perseverança ...........................79-81 
Últimas Coisas ..........................82-90


3ª Parte: O que as Escrituras requerem do ser humano como seu dever – Perguntas 91-196
A Lei de Deus ........................91-97 
Os 10 Mandamentos ...............98-148 
Pecado ...............................149-153 
Meios de Graça .....................154 
Palavra ...............................155-160 
Sacramentos ........................161-177 
Oração ................................178-185 
O Pai Nosso ..........................186-196


(c) Breve Catecismo: possui 107 perguntas e respostas, sintetizando os pontos mais importantes dos documentos maiores. Inclui uma abordagem detalhada dos Dez Mandamentos (perguntas 41-81).


Alderi Souza de Matos


19 abril 2010

Uma oração rumo às trevas


quinta-feira, 15 de abril de 2010




Por Paulo Brasil *


ORA, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. (Hb 11.1).

(Sermão na I.B.R. Renascer - Manaus - 18.04.2010)
Todos argumentam e defendem sua própria fé. Digo, nenhuma certeza terão sobre tal validade, antes que o Senhor a prove e garanta sua autenticidade. E não será por meio de supostas aflições, pois a resposta ousada sobressai como aptidão espiritual. A fé, amados, primeiramente não vive para os sobressaltos da vida, mas sim para engrandecimento do nosso Deus, sendo Ele a fonte única de sua força.

Assim, passemos ao que diz o Senhor. Encontramos nas Escrituras "Amados, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos." (Judas 1:3). A atenção necessária nos leva a verificar que a Escritura emprega a palavra fé com a idéia de arranjos teóricos ou doutrinas. Neste caso, fé é a própria Palavra de Deus. Dizemos então que a fé, neste aspecto, é objetiva. Pois é possível pegá-la, verificá-la, compreendê-la e mesmo obedecê-la. 
De outra feita, quando lemos em Ef 2.8, que a salvação é pela fé, estamos frente a uma fé que não é palpável, perceptível. A fé que olhos não vêem, ouvidos não ouvem. Nenhum dos sentidos naturais do homem pode percebê-la. Assim, neste aspecto, a fé é subjetiva. Sem instrumentos humanos capazes de aferi-la. Você poderá proclamá-la a pleno pulmões. 
Contudo, esta que se afirma possuir não vive separada daquela, a objetiva, a Palavra de nosso Deus. Como gravura em baixo relevo, a visível – A Palavra - imprime a marca da invisível – a fé do crente. Podemos avaliar a fé invisível conhecendo o que Deus fala de Si e de suas promessas. Não suponha haver outro meio. Qualquer outra tentativa de prová-la estará corrompida pelo secularismo evangélico e o preço será caríssimo. Foge dela.
Esta verdade divina, obriga a todos submeterem sua fé, ou o que se entende por fé, ao escrutínio da Palavra e apenas Dela. Não podemos fazê-lo junto aos púlpitos dos encantadores evangélicos, não podemos fazê-lo pela artimanha sonora desse louvor das trevas, pelo balanço contábil das conquistas pessoais; muito menos pelas últimas revelações recebidas por corações ávidos pelos reinos da terra. 
É urgente tal avaliação, não podemos adicionar um segundo sequer ao tempo que nos resta, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Mesmo que seu coração e sua fé zombem daquilo que agora ouve, não se deixe demover, é necessário avaliá-la, não deixe para depois. Veja a multidão de pessoas simples, de poucas letras, que hoje sabem em quem têm crido e estão certas onde será sua morada eterna. 
Não há questões difíceis, complexas, são propostas para nosso entendimento. O Altíssimo, que nos dá a fé, dar-nos-á também a compreensão. Traga sua mente para próximo do Senhor, não a deixe vagar pelos parques da indiferença. 
A palavra do Senhor afirma que a fé dá certeza para esperança completa. Digo completa, pois em Deus a esperança é completa, para todo o sempre, eterna. Deus não daria sua palavra para manter suas criaturas rastejando no pó deste mundo vil, não! Deus, em suas promessas, segurou-nos o rosto, elevou-nos os olhos, fazendo-nos contemplar toda imensidão de sua bondade. Conduziu-nos em Cristo para lugares celestiais. 

Em sua fé estão abertos os braços do Senhor? Seu coração já entoa louvores celestiais? Sabe-se peregrino? Em terra estranha? Já experimentou a paz de Deus?
A fé que vem do Senhor não abre um espaço menor que este: a imensidão da eternidade junto a Triunidade e os santos de todas as eras. 

Logo, a fé, nos une às promessas eternas e nos faz servos da vontade santa de Deus. 

A fé que transpassou o coração do crente sabe que o Altíssimo enviou Seu Filho, único Filho, ao mundo. Sabe que naquela cruz foram, são e serão salvos incontáveis pecadores. 
Esta é a bendita obrigação da fé: crer em Jesus Cristo, o autor da vida e destruidor da morte. Celebremos nosso resgate, pois Ele está mais próximo que no princípio quando cremos. 
Se na sua fé não o faz olhar para os céus e sorrir sabendo que de lá virá o Salvador, ela de nada aproveita. 
Se na sua fé não há qualquer obrigação para com o Senhor, há dolo em seu coração, e sua fé não vem do alto, e para lá não lhe levará. O Espírito do Senhor ainda não o consumiu com o fogo regenerador; e seus pés falseiam rumo ao terrível destino. 

Clame ao Todo-Poderoso - Senhor dos céus, terra e mar - para que o livre de tão infame fé. 
A fé, amados, são cidadelas em torno do palácio do nosso coração e da nossa mente. É a primeira e última ala a nos proteger contra toda maldade do homem anterior - que permanece vivo. Pois, com ela que abatemos os mais vis pensamentos e por meio dela não consumamos aquilo que nos horroriza. 
A sabedoria, os recursos, a saúde, a família, os bens, as obras, tudo não resistirá à determinação do tempo. Apenas a fé definirá onde passaremos nossa eternidade. Se foi construída sobre a Rocha eterna - que é Cristo - as portas eternas da bem-aventurança se abrirão, para unidade definitiva com o Senhor. Mas, comprovada sua falsidade, as chamas eternas, sem direito a qualquer argumentação, serão o prêmio por tão grande rebeldia. 
Sua fé permite que os grilhões da morte perfurem dia e noite o seu coração? Ela nunca o avisou sobre o temor ao Justo? E você prefere caminhar com ela, mesmo assim. Não há celebração a ser feita. 
Pelo contrário, ao sair daqui, no fundo de sua alma, uma oração soará: Minha fé é o caminho para as trevas. 

Ao Senhor honra, gloria e louvor de eternidade a eternidade.

* Nota: Texto gentilmente cedido pelo autor e disponível originalmente em Através das Escrituras

12 abril 2010

Soberania Divina e Autocompatibilidade

Por Vincent Cheung


O Deus soberano contradiz a ideia de que o homem exercita o livre-arbítrio no que diz respeito a qualquer assunto, incluindo-se a salvação. A soberania divina e a liberdade humana são mutuamente excludentes. Afirmar uma delas significa negar a outra. Por consequência, a pessoa que insiste em ter aceitado Cristo por causa do livre-arbítrio, e não por causa da escolha soberana de Deus e de sua ação direta na alma, é incapaz de asseverar ao mesmo tempo o Deus soberano. Pelo fato de o único Deus apresentado na Bíblia ser absolutamente soberano, a pessoa que assevera o livre-arbítrio humano é incapaz de sustentar a crença em Deus sem contradição.

Alguns teólogos percebem esse dilema, e dessa forma escolhem crer em uma contradição. No entanto, isso faz com que pareçam estúpidos, e alguns deles não conseguem tolerar a humilhação. Assim eles inventam uma saída, e dizem que a soberania de Deus é “compatível” com a escolha humana. Às vezes afirmam até que a soberania divina é compatível com a “liberdade” humana no sentido de que o homem não é coagido ao fazer uma escolha, e sim que ele escolhe de acordo com o próprio desejo.*

É claro que o homem faz escolhas, mas o que o leva a escolher? Qual é a metafísica da escolha humana? E qual é a explicação metafísica do seu desejo? Se Deus é totalmente soberano, então ele também decide e causa a escolha e o desejo humanos. E se Deus é quem decide e causa a escolha e o desejo do homem, logo dizer que a soberania divina e escolha humana são compatíveis equivale apenas a afirmar que Deus é compatível consigo mesmo. Mas já sabemos disso, e o homem ainda não é livre.

A escolha humana é irrelevante, pois ela surge debaixo da soberania divina. Dizer que o homem não é coagido implica apenas em declarar que nesse caso Deus não faz um efeito do seu poder se chocar com outro efeito do seu poder, como acontece quando ele faz dois objetos colidirem. Contudo, se não há contradição quando Deus faz dois objetos colidirem, então mesmo a coação não acarreta nenhuma contradição. Isso poderia significar apenas que ele faz uma pessoa desejar uma coisa e escolher outra, enquanto o próprio Deus permanece compatível consigo mesmo. Qual seria o problema com isso?

De fato, a soberania absoluta de Deus e a responsabilidade moral do homem são compatíveis. Talvez seja por isso que os teólogos estejam tão incomodados. No entanto, o homem é moralmente responsável apenas pelo fato de Deus ter decidido fazer com que ele preste contas de seus atos. Isso não possui ligação necessária com a escolha ou a liberdade. Nem mesmo a coação elimina a responsabilidade. O que uma tem que ver com a outra? A responsabilidade moral do homem depende da soberania absoluta de Deus, e de nada mais. Portanto, dizer que o home é responsável, mais uma vez, significa afirmar apenas que Deus é compatível com ele mesmo.

Então permanece a incompatibilidade entre a soberania divina e a liberdade humana. Para que o homem seja livre em qualquer sentido relevante, ele deve ser livre de Deus, e se ele for livre de Deus em qualquer sentido e grau, Deus não é então totalmente soberano. Rejeita-se o Deus da Bíblia.

__________
* Refiro-me à doutrina do compatibilismo. Ela ensina uma forma de liberdade humana e apoia a responsabilidade moral nessa liberdade. Já a refutei ao demonstrar que o tipo de liberdade ensinado por ela é irrelevante ao debate sobre a soberania divina, e que não há relação necessária entre a liberdade e responsabilidade. De fato, a Bíblia nega esse relacionamento. (V. Vincent Cheung, O autor do pecado.)

Alguém afirmou que eu representei essa doutrina de forma equivocada ao declarar que ela assevera um tipo de liberdade humana e que ela lança a responsabilidade moral sobre essa liberdade. Essa pessoa disse que a doutrina apenas declara que a soberania divina é compatível com a escolha humana, e que por isso o homem não é coagido, mas escolhe de acordo com o próprio desejo. E indicou John Frame como representante dessa doutrina — e dessa forma como uma pessoa cuja visão eu representei erroneamente.

Assim, citaremos John Frame. Ele escreveu no livro Free Will and Moral Responsibility: “Um conceito alternativo à liberdade, coerente com a teologia reformada e sustentado por um número de filósofos […] é chamado designado com frequência ‘compatibilismo’, pois com base nele, o livre-arbítrio e o determinismo (o conceito de que todos os acontecimentos na criação são causados) são compatíveis. O compatibilismo afirma de maneira simples que a tomar decisões morais, somos livres para fazer o que quisermos, par seguirmos nossos desejos. [
] A teologia reformada reconhece que todas as pessoas contam com a liberdade na acepção compatibilista. […] Creio que a liberdade compatibilista é o tipo principal de liberdade necessária à responsabilidade moral”. Frame afirma de modo explícito que o compatibilismo ensina uma forma de liberdade, e ela é imprescindível à responsabilidade moral.

A pessoa que me acusou de representar equivocadamente também disse que o compatibilismo não assevera que o homem é livre de Deus, como escrevi. Ele me entendeu mal. Compreendo que o compatibilismo não declara o homem livre de Deus, e por essa razão é irrelevante. Meu ponto é a impossibilidade da existência de qualquer tipo de liberdade que preconize a liberdade de Deus, e qualquer tipo de liberdade que não preconize a liberdade de Deus é irrelevante. O fato de o homem não ser coagido também é irrelevante, pois sendo Deus soberano, é ele quem causa o desejo e a escolha dos seres humanos.

Quanto à minha posição, digo que a soberania divina e liberdade humana são incompatíveis e mutuamente excludentes, e pelo fato de Deus ser soberano, o homem não é livre. Aparentemente, a pessoa que me acusou gostaria de debater sobre este ponto, mas não soube como proceder. E não há como fazê-lo. Talvez a confusão tenha sido alimentada pela recusa em aceitar que sua doutrina acalentada tenha sido apresentada tão facilmente como algo ridículo e irrelevante.


Tradução: Rogério Portella



Fonte: Vincent Cheung

08 abril 2010

Por que também não sou de esquerda

Por Helder Nozina*
 
Nenhum sistema de governo ou de organização sociopolítico e econômico é de Deus. Essa afirmação é praticamente unânime nos meios evangélicos e é usada por muitas pessoas para dizer que não são nem capitalistas nem socialistas. Mas há duas ressalvas que precisam ser feitas.

A primeira é que isso não significa que todos os sistemas sejam igualmente bons aos olhos do Senhor. Há sim sistemas melhores do que outros. O fato de não existir um que seja perfeito não significa que não existam opções boas e ruins.

A segunda é que essa afirmação é um "praticamente" porque, na verdade, vários evangélicos agem como se certas bandeiras políticas fossem, de fato, o cumprimento do Reino de Deus na Terra. E quando esses modelos são criticados, a boca dos críticos é amordaçada.

Foi o que muitos esquerdistas fizeram com a articulista Norma Braga, que escreveu o artigo Por que não sou de esquerda, publicado na revista Ultimato. A teologia pode ser livre, desde que você não critique a esquerda. E aí começa, lá e em alhures, um rosário de acusações:

1) Que a autora foi simplista;
2) Que criticar a esquerda significa aceitar tudo o que vem da direita;
3) Que esquerda e direita se equivalem.

Não é possível mesmo responder a tudo em um artigo de revista que deve caber em uma página. O jornalismo não é para profundidades, não há espaço para isso. Blogs também não. Mas há espaço para mostrar algumas razões que explicam por que não sou de esquerda:

1) O direito de propriedade é bíblico
O socialismo marxista defende o fim da propriedade individual, que deve ser coletiva. Até que cheguemos a um comunismo utópico, o Estado deve distribuir os bens entre os cidadãos. Vários cristãos citam a igreja de Jerusalém como um modelo desta utopia:
Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. (Atos 4:32)
O que parece escapar aos socialistas cristãos é que esse dividir era um ato voluntário e nunca foi uma exigência no Novo Testamento. É o que mostra a condenação de Pedro a Ananias:
Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder? (Atos 5:4a)
Na verdade, Jesus não tinha problema algum em ser sustentado pelas ofertas de mulheres que possuíam bens, provavelmente pessoas consideradas ricas na sociedade de seu tempo:
Aconteceu, depois disto, que andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens. (Lucas 8:1-3)
Logo, fica claro que não é e nem nunca foi o plano de Deus para este mundo a instituição da propriedade coletiva. Seja no Antigo ou no Novo Testamento, a Bíblia sempre reconheceu o direito de cada pessoa ter os seus bens e não condena a posse de riquezas.

Agora, claro, isso não significa endossar o capitalismo selvagem: a riqueza construída em cima da pobreza de outros. Contudo, o rico tem sim uma oportunidade de santificação (sim, santificação!), se fizer bom uso de seus bens:
Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida. (1 Timóteo 6:17-19)
Não há problema em ser rico! O problema é confiar nas riquezas e não em Deus, é não usar os seus bens para glorificar ao Senhor, servindo o próximo. Quando um rico dá emprego a outros, ele está fazendo isso. Quando ele faz obras de caridade, ele faz isso. Quando ele dá ofertas à Igreja e sustenta missionários (imagine o privilégio de assistir a Jesus!), ele faz isso.

Apenas este argumento seria suficiente para desmontar o projeto da esquerda. Mas há mais.

2) O Estado não é responsável pela sua felicidade
A esquerda confia muito no governo. Espera que ele sustente a todas as pessoas, crie cotas para os mais pobres, dê o Bolsa Família, gás, renda mínima, casa própria e tudo o mais para as pessoas. Pelo menos no Brasil é assim: os mais pobres querem bolsa-família, tem escola pública, querem lotes com casa do Governo, gás, leite...em Cuba é um pouco pior. O Estado decide o quanto de manteiga você pode comprar, o que você pode ler e que opiniões são ou não defensáveis e podem ser pensadas naquele país (não só lá...vide Google vs. China e nuestro amigo Chávez).

Na prática, o ideário de esquerda transporta em maior ou menor grau as responsabilidades dos indivíduos para o Governo. Contudo, o ensino bíblico é o de que, em condições normais (e isso inclui Império Romano e os reinados de Israel no AT), a prosperidade das pessoas depende delas, e não do Estado. Fatores como preguiça, trabalho e retidão contam para alguém enriquecer ou não:
O que trabalha com mão remissa empobrece, mas a mão dos diligentes vem a enriquecer-se. O que ajunta no verão é filho sábio, mas o que dorme na sega é filho que envergonha. (Provérbios 10:4-5)

O alongar-se da vida está na sua mão direita, na sua esquerda, riquezas e honra. (Provérbios 3:16)

Um pouco para dormir, um pouco para tosquenejar, um pouco para encruzar os braços em repouso, assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade, como um homem armado. (Provérbios 6:10-11)
Sim, existem pecados "estruturais" que provocam injustiça social e os profetas estão recheados de denúncias a isso. Não ser de esquerda não significa endossar essas injustiças. Mas significa sim, reconhecer que, em circunstâncias normais, as pessoas empobrecem ou enriquecem, prosperam ou definham por seu próprio mérito.

Vou além: se não existir um regime totalitário, mesmo em condições difíceis, as pessoas prosperam ou não independente dos tais pecados estruturais. José prosperou mesmo sendo um escravo no Egito. Jacó chegou sem nada e saiu rico trabalhando como assalariado de Labão. Neemias era copeiro e virou governador. Jefté era o filho de uma prostituta e virou juiz de Israel. E isso em sociedades onde a mobilidade social era bem mais difícil que nos regimes capitalistas do século XXI.

Repare: a Bíblia não joga sobre o Governo a responsabilidade de dar bem-estar material. O sucesso ou fracasso das pessoas depende muito mais delas mesmas do que do Estado.

3) A igualdade absoluta não existe
A igualdade parece ser o valor supremo da esquerda para a construção de uma sociedade. No entanto, esse ideal é utópico.

Basta mostrar um fato: nem mesmo no céu há igualdade.
Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo. (1 Coríntios 3:14-15)

Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, 
segundo o seu trabalho. (1 Coríntios 3:8)

Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão. (2 João 8)
A salvação é pela graça e não envolve mérito. Mas nem todos receberão a mesma coisa. Uns terão galardão completo. Outros, parece que só serão salvos, como que pelo fogo. Cada um receberá de acordo com o seu trabalho.

Se é assim no céu, naquilo que a Bíblia coloca como o Reino de Deus em plenitude...por que esperar uma igualdade tão grande neste mundo? Nem Jesus ensinava isso:
A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e, então, partiu. (Mateus 25:15)
Isso não é injustiça. Uma vez dada a salvação, as pessoas devem receber segundo a sua dedicação, capacidade, mérito. E este não é o pensamento da esquerda.

4) O Estado não deve patrulhar o pensamento
Reconheço que restringir ou censurar a liberdade de imprensa, de expressão e de opinião não é uma exclusividade da esquerda. Mas é inegável o fato de que ela recai muito mais neste pecado do que a direita ou o centro.

Sei que muitos cristãos, reformados inclusive, gostariam de um Estado teocrático, confessional, onde as leis de Deus fossem as leis da nação. Dar as pessoas a liberdade de pensarem e opinarem o que quiserem, mesmo que sejam pecados aberrantes, como o aborto, parece mais satânico do que santo.

Contudo, a esperança da vinda completa do Reino de Deus não é para este mundo. Como bem diz a Bíblia, aguardamos uma pátria diferente:
Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se na verdade, se lembrassem daquela onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade. (Hebreus 11:13-16)
A sociedade ideal não será alcançada aqui. E todo regime político ou econômico deve levar em consideração que vivemos em um mundo caído de pessoas imperfeitas que jamais se curvarão espontaneamente a Cristo. E não tem jeito: trigo e joio devem crescer lado a lado até o fim. Não há como separar aqui.

Talvez por isso Jesus e os apóstolos jamais pediram ao Império Romano que o Estado apoiasse a Igreja. Nem condenaram os romanos por permitirem a idolatria. Na verdade, o que parece transparecer em Atos é que o desejo dos cristãos era o de pregarem livremente a Palavra. Quando Paulo apela ao direito romano (e Atos mostra favoravelmente Paulo usando a sua cidadania), o que ele busca (e de certa forma consegue) é a liberdade de pregar, enquanto os judeus querem calá-lo.

Considerando que os judeus queriam uma uniformidade judaica e que os pagãos queriam uma uniformidade pagã (por isso odiavam judeus e cristãos), os cristãos deveriam ser os primeiros a defender a liberdade de ação, de opinião, de pensamento, de expressão. O Império Romano não é o baluarte da democracia, mas deu uma liberdade aos seus cidadãos maior que a de impérios anteriores, tanto que tornou possível que Paulo usasse o Estado para preservar o pescoço e continuar pregando.

Quando o Império Romano perseguiu os cristãos ou mesmo matou a Jesus, apenas se desviou do alvo, feriu as suas próprias regras, corrompeu o que havia de belo em seu governo. Mas nada disso não muda o fato de que, quando Roma se aproximou da liberdade, o cristianismo encontrou defesa, apesar de ser uma minoria.

No totalitarismo isso não é possível. E não há comunismo sem ele, porque você só consegue produzir a igualdade de modo artificial: calando os descontentes, os diferentes, preservando a unidade às custas do indivíduo.

E, se os cristãos percebessem melhor o que Jesus e os apóstolos ensinaram sobre o Estado e conhecessem melhor a própria história, jamais aceitariam o totalitarismo. E como ele é indispensável à esquerda (como provam Chávez, os chineses, os norte-coreanos e, em certa medida, o PT), eu não entendo como os cristãos podem ser de esquerda.

Encerro aqui o meu texto. Não é exaustivo, não trata de tudo, talvez nem seja muito profundo. Mas creio que é suficiente.

*Nota: Texto gentilmente cedido pelo autor e disponível originalmente no blog 5 Calvinistas

05 abril 2010

A cruz de Jesus e a nossa

Por Folton Nogueira *

Embora não saibamos ao certo se a cruz que o Senhor Jesus carregou já estava montada ou era apenas a trave horizontal, temos certeza de que era pesada.
Jesus era carpinteiro e, apesar de usar boa parte das ferramentas de um carpinteiro de hoje, não contava com as mesmas facilidades. Se muito, encontrava um madeireiro. Porém, é mais provável que tivesse de derrubar e trazer a árvore.

Embora até pudesse confeccionar móveis o carpinteiro de então trabalhava mais com a construção de casas. Era quem escolhia as vigas de sustentação da cobertura, que geralmente era feita de barro sobre uma estrutura muito parecida com a que hoje usamos para o estuque. Assentava as vergas e os umbrais das portas e das janelas.

A palavra carpinteiro aparece no Evangelho de Mateus, referindo-se a profissão de seu pai José e no Evangelho de Marcos referindo-se a sua própria profissão. Em ambos traduz a palavra grega tekton, de onde vem nossa palavra arquiteto. Ou seja: Construtor. E isso se coaduna bem com sua declaração “vou preparar-vos lugar”.

O Verbo de Deus, sem cuja participação nada foi feito, ao tomar nossa natureza, toma também a profissão de construtor. E, voltando à casa do Pai, deixa-nos sua promessa de continuar construindo. Agora, a nossa casa.
Não devemos imaginar-lhe com o porte quase feminino retratado na maioria dos filmes. Ele era tão musculoso quanto os trabalhadores braçais de então. Isaías falando dele disse que ele era: “homem de dores e que sabe o que é padecer”.

Homem forte e acostumado a esforços, entretanto não conseguiu carregar a cruz que lhe foi posta aos ombros. Pelo menos não conseguia carregá-la com a velocidade que os soldados romanos impunham e foi ajudado por Simão Cireneu. Por que?

Desde a noite anterior ele estava sofrendo de muitas maneiras. Primeiro a falta de amigos que não conseguiam permanecer acordados. Depois as traições: o beijo de Judas, a negação de Pedro e a sublevação daqueles que deveriam zelar pela religião: seus levitas, armados de varas e porretes, o prenderam e espancaram. Seus sacerdotes e os demais membros do Sinédrio montaram um julgamento fraudado. Condenaram-no e o entregaram nas mãos de ímpios. 

E o que dizer da tortura e das zombarias? 

Mesmo que fosse apenas a parte horizontal da cruz, era pesada. Tão pesada que ele, acostumado a trabalhar com vigas, vergas, traves e aduelas, precisou da ajuda de Simão.

Não podemos esquecer também que junto com aquele pedaço de madeira, que pesava sobre as costas do Senhor, pesava também os nossos pecados. E este peso Simão, mesmo que fosse muito forte, não conseguiria agüentar. Simão levou a parte leve da cruz.

Apesar de não ser como a que Simão ajudou a carregar nem ter o mesmo propósito da que somente Jesus carregou, cada um de nós recebeu também uma cruz. Elas não salvarão ninguém, nem a nós mesmos. Mas nos manterão crucificados para o mundo e vivos para Deus. 

Elas atestam quem é o nosso Senhor: “os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências” (Gálatas 5.24)

Nota: Texto gentilmente cedido pelo autor, e disponível originariamente em Folton