"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

12 abril 2010

Soberania Divina e Autocompatibilidade

Por Vincent Cheung


O Deus soberano contradiz a ideia de que o homem exercita o livre-arbítrio no que diz respeito a qualquer assunto, incluindo-se a salvação. A soberania divina e a liberdade humana são mutuamente excludentes. Afirmar uma delas significa negar a outra. Por consequência, a pessoa que insiste em ter aceitado Cristo por causa do livre-arbítrio, e não por causa da escolha soberana de Deus e de sua ação direta na alma, é incapaz de asseverar ao mesmo tempo o Deus soberano. Pelo fato de o único Deus apresentado na Bíblia ser absolutamente soberano, a pessoa que assevera o livre-arbítrio humano é incapaz de sustentar a crença em Deus sem contradição.

Alguns teólogos percebem esse dilema, e dessa forma escolhem crer em uma contradição. No entanto, isso faz com que pareçam estúpidos, e alguns deles não conseguem tolerar a humilhação. Assim eles inventam uma saída, e dizem que a soberania de Deus é “compatível” com a escolha humana. Às vezes afirmam até que a soberania divina é compatível com a “liberdade” humana no sentido de que o homem não é coagido ao fazer uma escolha, e sim que ele escolhe de acordo com o próprio desejo.*

É claro que o homem faz escolhas, mas o que o leva a escolher? Qual é a metafísica da escolha humana? E qual é a explicação metafísica do seu desejo? Se Deus é totalmente soberano, então ele também decide e causa a escolha e o desejo humanos. E se Deus é quem decide e causa a escolha e o desejo do homem, logo dizer que a soberania divina e escolha humana são compatíveis equivale apenas a afirmar que Deus é compatível consigo mesmo. Mas já sabemos disso, e o homem ainda não é livre.

A escolha humana é irrelevante, pois ela surge debaixo da soberania divina. Dizer que o homem não é coagido implica apenas em declarar que nesse caso Deus não faz um efeito do seu poder se chocar com outro efeito do seu poder, como acontece quando ele faz dois objetos colidirem. Contudo, se não há contradição quando Deus faz dois objetos colidirem, então mesmo a coação não acarreta nenhuma contradição. Isso poderia significar apenas que ele faz uma pessoa desejar uma coisa e escolher outra, enquanto o próprio Deus permanece compatível consigo mesmo. Qual seria o problema com isso?

De fato, a soberania absoluta de Deus e a responsabilidade moral do homem são compatíveis. Talvez seja por isso que os teólogos estejam tão incomodados. No entanto, o homem é moralmente responsável apenas pelo fato de Deus ter decidido fazer com que ele preste contas de seus atos. Isso não possui ligação necessária com a escolha ou a liberdade. Nem mesmo a coação elimina a responsabilidade. O que uma tem que ver com a outra? A responsabilidade moral do homem depende da soberania absoluta de Deus, e de nada mais. Portanto, dizer que o home é responsável, mais uma vez, significa afirmar apenas que Deus é compatível com ele mesmo.

Então permanece a incompatibilidade entre a soberania divina e a liberdade humana. Para que o homem seja livre em qualquer sentido relevante, ele deve ser livre de Deus, e se ele for livre de Deus em qualquer sentido e grau, Deus não é então totalmente soberano. Rejeita-se o Deus da Bíblia.

__________
* Refiro-me à doutrina do compatibilismo. Ela ensina uma forma de liberdade humana e apoia a responsabilidade moral nessa liberdade. Já a refutei ao demonstrar que o tipo de liberdade ensinado por ela é irrelevante ao debate sobre a soberania divina, e que não há relação necessária entre a liberdade e responsabilidade. De fato, a Bíblia nega esse relacionamento. (V. Vincent Cheung, O autor do pecado.)

Alguém afirmou que eu representei essa doutrina de forma equivocada ao declarar que ela assevera um tipo de liberdade humana e que ela lança a responsabilidade moral sobre essa liberdade. Essa pessoa disse que a doutrina apenas declara que a soberania divina é compatível com a escolha humana, e que por isso o homem não é coagido, mas escolhe de acordo com o próprio desejo. E indicou John Frame como representante dessa doutrina — e dessa forma como uma pessoa cuja visão eu representei erroneamente.

Assim, citaremos John Frame. Ele escreveu no livro Free Will and Moral Responsibility: “Um conceito alternativo à liberdade, coerente com a teologia reformada e sustentado por um número de filósofos […] é chamado designado com frequência ‘compatibilismo’, pois com base nele, o livre-arbítrio e o determinismo (o conceito de que todos os acontecimentos na criação são causados) são compatíveis. O compatibilismo afirma de maneira simples que a tomar decisões morais, somos livres para fazer o que quisermos, par seguirmos nossos desejos. [
] A teologia reformada reconhece que todas as pessoas contam com a liberdade na acepção compatibilista. […] Creio que a liberdade compatibilista é o tipo principal de liberdade necessária à responsabilidade moral”. Frame afirma de modo explícito que o compatibilismo ensina uma forma de liberdade, e ela é imprescindível à responsabilidade moral.

A pessoa que me acusou de representar equivocadamente também disse que o compatibilismo não assevera que o homem é livre de Deus, como escrevi. Ele me entendeu mal. Compreendo que o compatibilismo não declara o homem livre de Deus, e por essa razão é irrelevante. Meu ponto é a impossibilidade da existência de qualquer tipo de liberdade que preconize a liberdade de Deus, e qualquer tipo de liberdade que não preconize a liberdade de Deus é irrelevante. O fato de o homem não ser coagido também é irrelevante, pois sendo Deus soberano, é ele quem causa o desejo e a escolha dos seres humanos.

Quanto à minha posição, digo que a soberania divina e liberdade humana são incompatíveis e mutuamente excludentes, e pelo fato de Deus ser soberano, o homem não é livre. Aparentemente, a pessoa que me acusou gostaria de debater sobre este ponto, mas não soube como proceder. E não há como fazê-lo. Talvez a confusão tenha sido alimentada pela recusa em aceitar que sua doutrina acalentada tenha sido apresentada tão facilmente como algo ridículo e irrelevante.


Tradução: Rogério Portella



Fonte: Vincent Cheung

Nenhum comentário: