"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

23 maio 2012

Piper e o dom de línguas


[John Piper, um dos grandes expoentes atuais do neocalvinismo. 
Créditos: Rachel Ford James (sob Creative Commons)]

Por Vanderson M. da Silva

E não é que o pastor e escritor batista reformado americano John Piper defende a contemporaneidade do dom de línguas? Confira o leitor mesmo aqui.

A posição dele sobre essa questão é compartilhada por outros que, juntamente com Piper, são os expoentes do chamado neocalvinismo, como Paul Walsher e Mark Driscoll (malgrado divergirem entre si sobre outras questões). Discordam, assim, que a Bíblia ensine que certos carismas da Igreja Primitiva hajam cessado no presente, como os dons de línguas e o de profecia — embora seja lícito questionar como este último dom pode se coadunar hoje com o princípio de Sola Scriptura, por exemplo.

Todavia, quero me ocupar aqui com o dom de línguas, manifestando minha discordância quanto à sua continuidade atual e expondo minhas razões para assim pensar. É o que farei a seguir.

Pois bem, o Senhor Jesus disse que línguas eram um “sinal” (Mc 16.17). Nas ocorrências em Atos, fica implícito que se tratava de um sinal indicativo da universalidade do Evangelho, destinado não só aos judeus (os primeiros recipientes da mensagem), mas também aos prosélitos (cap. 2), gentios (cap. 10) e mesmo aos joanitas (19.1-7). Portanto, confirmando que absolutamente todos os grupos possíveis eram abarcados pelo cristianismo. Mesmo o remanescente dentre a nação judaica (representado pelos apóstolos) teve dificuldades para aceitar que os gentios foram “enxertados” na oliveira (Romanos 11), mas o sinal das línguas serviu para atestar tal verdade aos judeus fieis (At 11.1-18).

Mas o que fica implícito nesse livro, Paulo deixa explícito em 1 Coríntios 14.21,22. Lemos ali: “Está escrito na lei: Por gente de outras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis”. O que o apóstolo queria dizer com isso? Simplesmente, que o dom de línguas (que se manifestava em Corinto) era sinal para o povo judeu (os “infiéis”), e isso para cumprir a profecia de Isaías 28.11,12. Lembremos ainda que, desde o seu estabelecimento na cidade, tal igreja enfrentou forte oposição judaica (cf. At 18: parece mesmo que aquela ficava bem ao lado de uma sinagoga, v. 7; ainda, tal oposição recrudesceu justamente quando Paulo decidiu “partir para os gentios”, vv. 6ss).

A profecia citada por Paulo é um trecho de um capítulo que fala do juízo de Deus sobre Efraim e Judá por causa de sua impenitência. É também em Isaías 28 que temos o bem conhecido versículo: “Portanto assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse” (v. 16). Tal pedra é Cristo, rejeitada pelos judeus, em sua maioria, os quais sofreriam o devido castigo pela rebelião ( 1Pe 2.1-10), castigo do qual Jesus trata em seu longo Sermão Profético (Mt 24, 25). O propósito de tal carisma foi cumprido: independentemente da visão escatológica que se adote, nenhuma contempla a volta da necessidade da manifestação das línguas para atestação à nação judaica do caráter universal da religião de Cristo.

Todavia, alguns ainda insistem que tal dom poderia ter por finalidade viabilizar a proclamação do Evangelho para falantes de outros idiomas, e usam o próprio texto de Atos 2.1ss para respaldar tal ideia. Nesse caso, porém, não é crível que os judeus de outras partes do mundo, que ali estavam em peregrinação, e que visitavam a Judeia regularmente, não tivessem um meio comum de comunicação com os seus compatriotas locais, seja aramaico, hebraico ou mesmo grego koiné. Assim, as línguas manifestadas eram cumprimento de profecias do AT e sinal de que o Evangelho era de fato universal — e que abrangia também os odiados gentios, em cujas terras aqueles judeus viviam como estrangeiros, em hostilidade e desconfiança.

Por tudo isso, entendo que, pelo menos quanto ao dom em apreço, não se pode cogitar que ele não tenha cessado para a nossa era.

5 comentários:

Tom Alvim disse...

Concordo com o autor! Parabéns pelo texto.

"LABAREDAS DE FOGO" disse...

E quanto a edificar-se; quanto a ter interpretação , sendo igualado por Paulo ao dom de Prefecia?

E quanto ao que disse Jesus, de que estes sinais seguiriam aos que cresem em Seu nome?

Casal 20 disse...

Jorge, acho que ainda estou sobre o efeito anestesiante dessa discoberta: Piper crê no dom de línguas! Mas a história não para por aí: a tal turma do neocalvinismo também crê (Diskroll e C&a). Sobre o Paul Washer até agora não li nada a respeito. Todavia, o que me deixou perplexo foi o Vicent Cheung também defender o dom de línguas. O que vc acha do Cheung? Estou usando um material muito bom dele sobre as parábolas de Jesus. Queria que vc desse uma lidinha neste post e nos comentários e me desse sua opinião: http://cincosolas.blogspot.com.br/2011/11/um-argumento-simples-favor-do-dom-de.html
Abraços!

Anônimo disse...

Fábio,

li o argumento do Cheung e alguns comentários [não dá para ler todos até, porque, muitos são repetições e conversas circulares, sem se chegar a lugar nenhum]. Sei que há vários reformados e calvinistas [não neo ou novos, mas calvinistas tradicionais] que reconhecem os dons de línguas para a atualidade, não como se vê entre os carismáticos e pentecostais, mas segundo o estabelecido por Paulo em 1Co.14.
A verdade é que os dons de línguas não são apontados, pelo próprio Paulo, como os dons mais desejados. Ele mesmo dizia falar mais em línguas do que qualquer um [o que indica não uma língua somente ou os rudimentos de uma, mas vários tipos de línguas, que são idiomas], mas que preferia "falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros do que dez mil palavras em línguas desconhecidas" [1Co 14.18-19].
Então, penso que se deve seguir o seu conselho de falar de forma inteligível para que todos sejam edificados.
Já li muitos livros do Cheung e gosto da maioria do que li. Sobre o Parábolas de Jesus, não o li, não posso opinar. Mas sei que você tem o discernimento suficiente e é capaz, muito mais do que eu, de saber onde ele acerta e onde erra.
Cheung, em termos de continuismo, seria um continuísta histórico, aquele que reconhece os dons espirituais para os dias de hoje, mas não como eles se manifestam entre a maioria continuísta.
Interessante que Paulo coloca vários outros dons à frente das línguas, mas as pessoas parecem hipnotizadas por elas.
Muitos dons e milagres me parecem ater-se ao período apostólico, e a prova são os milagres que eles realizavam e que ninguém mais realizou: as sombras de Pedro e João e as vestes de Paulo curavam cegos, coxos, leprosos, paralíticos, etc; eram sinais tão fantáticos que somente poderiam vir de pessoas usadas diretamente por Deus. Mas é importante lembrar que, como o Senhor Jesus, os apóstolos operavam milagres em conformidade com a exposição do Evangelho, confirmando que a doutrina apresentada era realmente de Deus, não de homens.
Quanto ao argumento do Cheung, em si mesmo, pareceu-me tosco ainda que válido, o que não quer dizer verdadeiro. Mas eu mesmo não tenho uma posição clara sobre o assunto, porque não o estudei devidamente. Mas de uma coisa tenho certeza, o que andam fazendo nas igrejas, a título de "espiritualidade", nada mais é do que confusão e carnalidade; e é exatamente o que Paulo adverte para que não seja feito.

Grande abraço!

Cristo o abençoe!

PS: E aquela nossa conversa, por email? Parou?

Casal 20 disse...

rsrsrs não parou não! É porque eu estou meditando no que vc disse... Eu fiquei meio pasmo, porque tudo aquilo que eu te disse sobre o romanismo o Olavo atribuiu ao Dugin e à Igreja Ortodoxa Russa. Você acredita? Estou terminando de ler este maravilhoso livro do debate entre ele e o Dugin, mas fiquei passado porque o Olavo usou os mesmos argumentos que eu te escrevi sobre uma "neoromanização", mas jogou-os contra a Igreja Ortodoxa e o Eurasianismo. Eu acho que ainda estou absorvendo isso. Mas vou continuar nossa conversa, meu caríssimo amigo. Saudades de teus estudos no Kálamos também. Quero me organizar para continuar, estão me fazendo muita falta. Abraços sempre afetuosos.