"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

19 junho 2012

O "Ateísmo" da Igreja Primitiva



Por Rousas Rushdoony


A mensagem do apóstolo Pedro, registrada em Atos 4.12, aos presbíteros e escribas sintetiza perfeitamente o conflito em que estamos envolvidos hoje:: "E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos".

É importante compreendermos o contexto desse versículo. Com essa confissão, Pedro emitiu efetivamente uma declaração de guerra espiritual contra o império romano. Quando em Roma, César Augusto assumiu o governo e consolidou o próprio poder, houve uma grande comemoração por todo o império romano, à qual denominaram de a celebraçaõ do "Advento': termo muito significativo e também muito religioso. Era a celebração do Advento porque César Augusto tinha vindo, em toda a plenitude do seu poder. Os arautos - outra palavra interessante - foram enviados às partes mais remotas do império romano com a proclamação do grande Advento: "Não há nenhum outro nome abaixo do céu, pelo qual os homens possam ser salvos senão pelo nome de César Augusto!". Era a proclamação de César, do Estado, como salvador dos homens.

Podemos entender, então, por que o conflito entre Cristo e César era inevitável, por que a igreja passou por todas as tribulações que passou, ano após ano, e por que os homens foram martirizados pela fé. Foi em razão desta pergunta: "Quem é o Senhor, ou soberano?" Quem é o salvador?".

O Estado moderno está dizendo novamente, como César na antiguidade, "Nós somos o senhor; somos os soberanos da criação"... Não podemos confessar a soberania do Estado e a soberania de Cristo ao mesmo tempo... Todo homem, toda instituição, todo governo civil, toda escola, tudo, tem de reconhecer no tempo oportuno o senhorio e a soberania de Cristo, pois em nenhum outro há salvação...

O império alegava que essa nova instituição era uma agência do ateísmo. A igreja também foi acusada de crimes graves, especialmente de canibalismo e incesto. Os estudiosos têm, de modo geral, negligenciado essas acusações. Não conheço ninguém que tenha analisado as acusações do império romano contra  a igreja primitiva. Normalmente elas são rejeitadas como comprovação do tipo de calúnia à qual os cristãos estavam sujeitos. Mas quando examinamos a literatura da igreja primitiva e a reação dela a essas acusações, como também as acusações em si mesmas, vemos que seria melhor levar a sério as alegações de Roma e entender o que elas significam.

O interessante é que a acusações partiam, não do povo das ruas, mas dos filósofos - homens de prestígio, homens que, da nossa perspectiva, deviam conhecer melhor os fatos...

Havia um conflito entre Roma e a igreja primitiva. Segundo a política religiosa geral de Roma, nenhuma religião tinha o direito de existir se não fosse religião lícita, devidamente autorizada pelo império e tivesse um certificado ou validação, que  os membros da religião ou seita eram obrigados a exibir na parede do lugar onde se reuniam. Parte do processo para se alcançar a condição de religião lícita consistia em dirigir-se a um dos centros da Roma imperial para queimar um pouco de incenso num braseiro diante da imagem do imperador ou de uma insígnia de batalha e dizer brevemente: "César é o Senhor!". Bastava isso. Era o reconhecimento da soberania de César em todas as áreas da vida e do pensamento.

Mas os cristãos estavam conscientes de que, em vez disso, eles tinham sido chamados para levar tudo cativo à obediência de Cristo. Sabemos pelas pesquisas, por exemplo, de J.N.D.Kelly, historiador britânico, que a confissão batismal exigia que todo crente da igreja primitiva ficasse de pé diante da congregação e declarasse: "Jesus é o Senhor", ou "Jesus Cristo é o Senhor". Fazendo isso, os cristãos botavam o pescoço no cepo do carrasco. Eles tinham se tornado numa força subversiva, pois com essa confissão negavam o senhorio de César. Era esta toda a razão do conflito. Quem era o Senhor: Cristo ou César?

A posição da igreja primitiva era a de que Cristo é o Senhor de César, e não César, o Senhor de Cristo. Os cristãos recusaram-se a receber a condição de religião lícita. Essa luta repetiu-se continuamente ao longo de toda a Idade Média... Se não reconhecermos as nossas raízes na Escritura, na igreja primitiva e na Idade Média, não conseguiremos compreender qual é a nossa riqueza como cristãos. As lutas pelas quais os santos cristãos morreram estarão perdidas.

Fonte: Do ótimo livro O "Ateísmo" da Igreja Primitiva, pg 17-20, Editora Monergismo
Tradução de Marcos José de Vasconcelos
Publicado com autorização do editor Felipe Sabino

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