"A Verdade não precisa de defesa; por si mesma ela se defende. A Verdade precisa ser proclamada!"

24 junho 2011

"Posse non pecare?"


POR RICARDO MAMEDES


Ousarei caminhar por uma trilha difícil ao falar sobre o pecado original , bem como a condição de anjos e homem pré-queda. Diz-se que o primeiro casal vivia numa condição de completa inocência exatamente por desconhecer o pecado. Diz-se mais. Assevera-se que o casal primevo, antes da queda, vivia em estado de completa pureza e em perfeita harmonia com Deus-Criador. E eu creio nisso, pois a Bíblia, no livro de Gênesis, nos informa assim.

Todavia, a pergunta que não quer calar e que cavouca a minha mente e de tantos outros cristãos que me antecederam, a exemplo de Agostinho, o bispo de Hipona, é: por que houve o mal e o pecado? A resposta a tal pergunta há de desaguar em um tal entendimento que leve, ou à soberania completa de Deus, ou a um certo compatibilismo, onde se concederia ao casal primeiro não somente a vontade livre, como uma completa autonomia do Criador, podendo "escolher não pecar".

Sinceramente, a mim, a afirmação agostiniana acerca do "posse non pecare" vinculado ao casal antes da queda equivale ao livre arbítrio, uma vez que, podendo escolher "não pecar" , mas pecando, dá-se ao homem, ainda que pré-queda, autonomia da vontade. E com isto eu não concordo, embora reconhecendo que a metafísica agostiniana está além da minha capacidade de compreensão.

Na minha compreensão o homem (ou anjo) jamais viveu sob a condição de "poder não pecar", uma vez que a sua natureza, ainda que não caída, mesmo desconhecendo o pecado, não lhe capacitava a tanto. Quero crer que a capacidade de pecar, ou a possibilidade de infringir a Lei Moral sempre acompanhou o homem - e anjos -, estando incrustada na sua natureza.

Dir-se-ia que o homem, feito à imagem e semelhança de Deus (imago Dei), e ainda limpo de pecaminosidade, trazia em si toda a possibilidade de não pecar. A mim essa afirmação implica em que o homem pré-queda se igualava então a Deus, sendo não mais "à sua imagem e semelhança" , mas idêntico a Ele.

Negrito
Resumindo, creio que ninguém jamais teve livre arbítrionem mesmo o primeiro homem e a primeira mulher criados. Tampouco anjos jamais o possuíram, muito menos Lúcifer. E ainda assim, todos os que caíram, Adão, Eva e anjos, foram e são absolutamente responsáveis pela sua queda.

Na medida em que há na eternidade um plano decretivo de Deus que antecede toda a criação, prevendo e determinando todos os acontecimentos futuros, antes que nada houvesse (Salmo 139), não cabe falar em livre arbítrio.

A meu ver, criatura alguma se reveste de tal condição, uma vez que somente o Não-Criado, o Eterno, o Insondável, possui autonomia, logo, a capacidade eterna e imutável de não-pecar. Com isto, não quero impor a Deus a responsabilidade ou a autoria do mal e do pecado, uma vez que nesse aspecto eu me alinho com a CFW e com Agostinho. O mal e o pecado não existem de per se, não tendo identidade própria, por assim dizer. Concordo que o mal não tem existência ontológica, enquanto o bem sim, por fazer parte da essência de Deus. Confesso não querer continuar por esta seara, por me faltar conhecimento metafísico sobre o assunto. Porém, concordo que o mal, neste aspecto, por não ter existência ontológica, é não-ser. Logo, o mal, para existir, depende da ação efetiva de uma criatura, sendo impossível existir pela ação direta de Deus, ou mediante a sua execução direta. Assim, a meu ver, ainda que tal raciocínio esteja colocado de forma simplista, o mal existe porque criaturas existem. Todavia, o mal jamais existiria se não fosse a vontade de Deus em criar . E nisto Deus é soberano, tudo existindo por Ele e para Ele; para a sua glória Eterna.

Acredito que toda a problemática pode residir no fato de o homem ter sido criado "à imagem e semelhança de Deus", mas não exatamente como Ele. Fosse o homem criado exatamente como Deus, poderia ele não somente "não pecar", como seria Deus.

Houve um decreto eterno de Deus que, sabiamente, proveu o homem de inúmeras capacidades, porém limitadas. Da mesma forma os anjos. Deus, na sua insondável sabedoria, fez criaturas menores. O fato de serem menores do que Ele , obrigatoriamente os levaria à queda. É uma espécie de lógica. Assim, a meu ver, não havia a menor possibilidade da não ocorrência da queda, posto que a lógica da criação era esta.

Pode ser que esta minha visão seja mais próxima do supralapsarianismo, uma vez que Deus decretou a queda antes mesmo da criação, num plano eterno e independente. Eis que a ordem do decreto Eterno independe de limitações temporais.

A conclusão a que chego é que somente Deus tem livre arbítrio. Nenhuma criatura, homem ou anjo, jamais o tiveram. Talvez os termos usados aqui neste pequeno e humilde arrazoado sejam simplistas, assim, peço antecipadamente desculpas aos que se dispuserem a lê-lo.

Um comentário:

Gabriel disse...

Meu caro, primeiramente bom dia.
Sua tese, no que diz a respeito da soberania de Deus está correta "todas as coisas feitas por ele e para ele". Porém seguindo ainda segundo a sua linha de raciocínio, Deus não poderia criar o mal, pois todas as obras de Deus são boas e o mal, não é uma coisa,é imatéria, necessita de um ser para que ele exista.
O mal não existia e Lúcifer cobiçou o trono, passando a existir, não existia para Adão e Eva, até o momento em que desobedeceram a Deus. O mal nada mais é, do que algo contrário a vontade de D'Ele.
Para eles (Adão, Eva e Lúcifer) existia com certeza o livre arbítrio (se opor a sua natureza) ao contrário de nós que se pecarmos, é o velho homem, se deixarmos de pecar somos novo homem, não podendo nos opor a ambos, e quando glorificados passaremos a perdendo então a velha natureza e não possuindo livre arbítrio de fato.
Se quiser debater o assunto vieira.gabriel45@hotmail.com