
Walter
Williams: ""Há anos, os EUA subsidiam a desintegração familiar. Quando
uma adolescente pobre fica grávida, ganha direito a se inscrever em
programas habitacionais para morar de graça, recebe vale-alimentação,
vale-transporte e outros benefícios. O resultado é que 70% das crianças
negras são hoje filhas de mães solteiras" (Foto de Gilberto Tadday)
Nesta polêmica e extremamente instigante entrevista ao correspondente de VEJA em Nova York, André Petry, publicada em 9 de março passado, o respeitado economista americano, professor e autor de livros Walter Williams explica por que, em sua opinião, o sistema de cotas não funciona. E se declara de tal forma um adepto radical da liberdade que é capaz de produzir declarações como esta: “Uma biblioteca pública, que recebe dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos, não pode discriminar. Mas o resto pode. Um clube campestre, uma escola privada, seja o que for, tem o direito de discriminar. Acredito na liberdade de associação radical. As pessoas devem ser livres para se associar como quiserem”.
“Inclusive para reorganizar a Ku Klux Klan?”, pergunta o repórter. Resposta: “Sim, desde que não saiam matando e linchando pessoas, tudo bem. O verdadeiro teste sobre o nosso grau de adesão à ideia da liberdade de associação não se dá quando aceitamos que as pessoas se associem em torno de ideias com as quais concordamos. O teste real se dá quando aceitamos que se associem em torno de ideais que julgamos repugnantes.”
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Walter Williams é um radical. Na juventude, preferia o incendiário
Malcolm X ao pacifista Martin Luther King. Hoje, aos 74 anos, Williams
admira os dois líderes negros, repudia a violência e se define como um
libertário radical, como os americanos se referem aos que se opõem ao
excesso de ativismo do Estado e propugnam mais liberdade individual.
Fiel ao seu ideário, é contra ações afirmativas e cotas raciais, e
diz que o melhor instrumento para vencer a desigualdade racial é o livre
mercado: “A economia de mercado é o grande inimigo da discriminação”.
Criado pela mãe na periferia de Filadélfia, Williams acaba de publicar
uma autobiografia em que narra sua trajetória da pobreza à vida de
professor universitário (desde 1980, leciona economia na Universidade George Mason, na Virgínia).
Com 1,98 metro de altura, voz de barítono, bom humor, ele demonstra muita coragem nesta entrevista.
Quem lê sua autobiografia fica com a impressão de que ser
negro nos Estados Unidos das décadas de 40 e 50 era melhor do que ser
negro hoje.
Claro que os negros estão muito melhor agora, mas não em todos os
aspectos. Hoje, se os negros americanos fossem uma nação à parte, seriam
a 15ª mais rica do mundo. Entre os negros americanos, há gente
riquíssima, como a apresentadora Oprah Winfrey. Há famosíssimos, como o
ator Bill Cosby, que, como eu, vem de Filadélfia. Colin Powell, um
negro, comandou o Exército mais poderoso do mundo. O presidente dos
Estados Unidos é negro. Tudo isso era inimaginável em 1865, quando a
escravidão foi abolida. Em um século e meio, fizemos um progresso
imenso, ao contrário do que aconteceu no Brasil ou no Caribe, onde
também houve escravidão negra.
Isso diz muito sobre os negros americanos e sobre os Estados Unidos.
Em que aspectos a vida dos negros hoje é pior?
Cresci na periferia pobre de Filadélfia entre os anos 40 e 50.
Morávamos num conjunto habitacional popular sem grades nas janelas e
dormíamos sossegados sem barulho de tiros nas ruas. Sempre tive emprego,
desde os 10 anos de idade. Engraxei sapatos, carreguei tacos no clube
de golfe, trabalhei em restaurantes, entreguei correspondência nos
feriados de Natal.
As crianças negras de hoje que vivem na periferia de Filadélfia não têm essas oportunidades de emprego. No meu próximo livro, Raça e Economia,
mostro que em 1948 o desemprego entre adolescentes negros era de 9,4%.
Entre os brancos, 10,4%. Os negros eram mais ativos no mercado de
trabalho. Hoje, nos bairros pobres de negros, por causa da
criminalidade, boa parte das lojas e dos mercados fechou as portas.
Outra mudança dramática é a queda na qualidade da educação oferecida
às crianças negras e pobres. Atualmente, nas escolas públicas de
Washington, um negro com diploma do ensino médio tem o mesmo nível de
proficiência em leitura e matemática que um branco na 7ª série. Os
negros, em geral, estão muito melhor agora do que há meio século. Mas os
negros mais pobres estão pior.
O Estado de bem-estar social, com toda a variedade de
benefícios sociais criados nas últimas décadas, não ajuda a aliviar a
situação de pobreza dos negros de hoje?
Todos os economistas, sejam eles libertários, conservadores ou
liberais, concordam que sempre cai a oferta do que é taxado e aumenta a
oferta do que é subsidiado. Há anos, os Estados Unidos subsidiam a
desintegração familiar. Quando uma adolescente pobre fica grávida, ela
ganha direito a se inscrever em programas habitacionais para morar de
graça, recebe vale-alimentação, vale-transporte e uma série de outros
benefícios.
Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Muitas
eram mandadas para o Sul, para viver com parentes. Hoje, o Estado de
bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que nos anos
da minha adolescência entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de
mãe solteira. Agora, são 70%. O salário mínimo, que as pessoas
consideram uma conquista para os mais desprotegidos, é uma tragédia para
os pobres. Deve-se ao salário mínimo o fim de empregos úteis para os
pobres. A obrigação de pagar um salário mínimo ao frentista no posto de
gasolina levou à automação e ao self-service. O lanterninha do cinema
deixou de existir não porque adoramos tropeçar no escuro do cinema. É
por causa do salário mínimo.
Na África do Sul do apartheid, os grandes defensores do salário
mínimo eram os sindicatos racistas de brancos, que não aceitavam
filiação de negros. Eles não escondiam que o salário mínimo era o melhor
instrumento para evitar a contratação de negros, que, sendo menos
qualificados, estavam dispostos a trabalhar por menos. O salário mínimo
criava uma reserva de mercado para brancos.
As ações afirmativas e as cotas raciais não ajudaram a promover os negros americanos?
A primeira vez que se usou a expressão “ação afirmativa” foi durante o
governo de Richard Nixon (1969-1974). Os negros naquele tempo já tinham
feito avanços tremendos. Um colega tem um estudo que mostra que o ritmo
do progresso dos negros entre as décadas de 40 e 60 foi maior do que
entre as décadas de 60 e 80. Não se pode atribuir o sucesso dos negros
às ações afirmativas.
As ações afirmativas não funcionam?
Os negros não precisam delas. Dou um exemplo. Houve um tempo em que
não existiam jogadores de basquete negros nos Estados Unidos. Hoje, sem
cota racial nem ação afirmativa, 80% são negros. Por quê? Porque são
excelentes jogadores. Se os negros tiverem a mesma habilidade em
matemática ou ciência da computação, haverá uma invasão deles nessas
áreas. Para isso, basta escola, boas escolas, grandes escolas.
Há um aspecto em que as ações afirmativas são até prejudiciais.
Thomas Sowell, colega economista, tem um estudo excelente sobre o
assunto. Mostra como os negros se prejudicam com a política de cotas
raciais criada pela disputada escola de engenharia do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma das mais prestigiosas
instituições acadêmicas dos Estados Unidos. Os negros recrutados pelo
MIT estão entre os 5% melhores do país em matemática, mas mesmo assim
precisam fazer cursos extras por alguns anos. Isso acontece porque os
brancos do MIT estão no topo em matemática, o 1% dos melhores do país.
Os negros, mesmo sendo muito bons, estão abaixo do nível de excelência
do MIT. Mas eles podiam muito bem estudar em outras instituições
respeitáveis, onde estariam na lista dos candidatos a reitor e sem
necessidade de cursos especiais.
Por causa de ações afirmativas, muitos negros estão hoje em posição
acima de seu potencial acadêmico. Se você está aprendendo a lutar boxe e
sua primeira luta é contra o Mike Tyson, você está liquidado. Você pode
ter excelente potencial para ser boxeador, mas não dá para começar
contra Tyson. As ações afirmativas, nesse sentido, são cruéis. Reforçam
os piores estereótipos raciais e mentais.
O senhor já teve alguma experiência pessoal nesse sentido?
Quando eu dava aula na Universidade Temple, em Filadélfia, tive uma
turma com uns trinta alunos, todos brancos, à exceção de um. Nas
primeiras aulas, eles me fizeram uma bateria de perguntas complexas.
Você pode achar que era paranoia minha, mas eu sei que o objetivo deles
era testar minhas credenciais. A cada resposta certa que eu dava, eu
podia ver o alívio no rosto do único aluno negro da classe.
De onde vinha esse sentimento, esse temor do aluno negro de que seu
professor, sendo negro, talvez não fosse suficientemente bom? Das ações
afirmativas. Não entrei na universidade via cotas raciais. Por causa
delas, a competência de muitos negros é vista com desconfiança.
Num país como o Brasil, onde os negros não avançaram tanto quanto nos Estados Unidos, as ações afirmativas não fazem sentido?
A melhor coisa que os brasileiros poderiam fazer é garantir educação
de qualidade. Cotas raciais no Brasil, um país mais miscigenado que os
Estados Unidos, são um despropósito. Além disso, forçam uma
identificação racial que não faz parte da cultura brasileira. Forçar
classificações raciais é um mau caminho. A Fundação Ford é a grande
promotora de ações afirmativas por partir da premissa errada de que a
realidade desfavorável aos negros é fruto da discriminação.
Ninguém desconhece que houve discriminação pesada no passado e há
ainda, embora tremendamente atenuada. Mas nem tudo é fruto de
discriminação. O fato de que apenas 30% das crianças negras moram em
casas com um pai e uma mãe é um problema, mas não resulta da
discriminação. A diferença de desempenho acadêmico entre negros e
brancos é dramática, mas não vem da discriminação. O baixo número de
físicos, químicos ou estatísticos negros nos Estados Unidos não resulta
da discriminação, mas da má formação acadêmica, que, por sua vez, também
não é produto da discriminação racial.
Qual o meio mais eficaz para promover a igualdade racial?
Primeiro, não existe igualdade racial absoluta, nem ela é desejável.
Há diferenças entre negros e brancos, homens e mulheres, e isso não é um
problema. O desejável é que todos sejamos iguais perante a lei. Somos
iguais perante a lei, mas diferentes na vida. Nos Estados Unidos, os
judeus são 3% da população, mas ganham 35% dos prêmios Nobel. Talvez
sejam mais inteligentes, talvez sua cultura premie mais a educação, não
interessa.
A melhor forma de permitir que cada um de nós – negro ou branco,
homem ou mulher, brasileiro ou japonês – atinja seu potencial é o livre
mercado. O livre mercado é o grande inimigo da discriminação. Mas, para
ter um livre mercado que mereça esse nome, é recomendável eliminar toda
lei que discrimina ou proíbe discriminar.
O senhor é contra leis que proíbem a discriminação?
Williams: é fácil defender a liberdade de expressão quando dizem o que julgamos positivo e sensato.
Sou um defensor radical da liberdade individual. A discriminação é
indesejável nas instituições financiadas pelo dinheiro do contribuinte. A
Universidade George Manson tem dinheiro público. Portanto, não pode
discriminar. Uma biblioteca pública, que recebe dinheiro dos impostos
pagos pelos cidadãos, não pode discriminar. Mas o resto pode. Um clube
campestre, uma escola privada, seja o que for, tem o direito de
discriminar. Acredito na liberdade de associação radical. As pessoas
devem ser livres para se associar como quiserem.
Inclusive para reorganizar a Ku Klux Klan?
Sim, desde que não saiam matando e linchando pessoas, tudo bem. O
verdadeiro teste sobre o nosso grau de adesão à ideia da liberdade de
associação não se dá quando aceitamos que as pessoas se associem em
torno de ideias com as quais concordamos. O teste real se dá quando
aceitamos que se associem em torno de ideais que julgamos repugnantes.
O mesmo vale para a liberdade de expressão. É fácil defendê-la quando
as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas
nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à
prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos
absolutamente repulsivas.
O senhor exige ser chamado de “afro-americano”?
Essa expressão é uma idiotice, a começar pelo fato de que nem todos
os africanos são negros. Um egípcio nascido nos Estados Unidos é um
“afro-americano”? A África é um continente, povoado por pessoas
diferentes entre si. Os vários povos africanos estão tentando se matar
uns aos outros há séculos. Nisso a África é idêntica à Europa, que
também é um continente, também é povoada por povos distintos que também
vêm tentanto se matar uns aos outros há séculos.
A presença de Obama na Casa Branca não ajuda os negros americanos?
Na autoestima, talvez. Mas não por muito tempo, o que é lamentável.
Em 1947, quando Jackie Robinson se tornou o primeiro negro a jogar
beisebol na liga profissional, ele tinha a obrigação de ser excepcional.
Hoje, nenhum negro precisa ser tão bom quanto Robinson e não há perigo
de que alguém diga “ah, esses negros não sabem jogar beisebol”. No caso
de Obama, vale a mesma coisa. Por ser o primeiro negro, ele não pode ser
um fracasso. O problema é que será. Aposto que seu governo, na melhor
das hipóteses, será um desastre igual ao de Jimmy Carter. Vai ser ruim
para os negros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário