Não tenho por hábito escrever sobre política; nem quero tê-lo. Não que
haja algum problema, que o tema seja proibido ou irrelevante. Não é
isso. É que não me considero capacitado para tal tarefa, a despeito de
ter aprendido muito nos últimos anos sobre o assunto. Acontece que há
uma defasagem grande, e que não sei se serei capaz de sincronizá-la com o
tempo, interesses e aptidão, e com a ignorância que ainda persiste.
Porém, não tenho dúvidas de que um dos males do século passado, e que se
espalha perigosamente no presente século, é o marxismo. Eu mesmo me
descobri marxista apenas após ser confrontado pelo pensamento de alguns
irmãos; e devo um especial agradecimento à Norma Braga, ao André Venâncio, aos irmãos de O Tempora, O Mores e ao Edson Camargo,
entre outros. A sociedade, de uma forma geral, sem saber, assim como eu
não sabia, defende o que não conhece e vive o que considera extinto,
com o agravante de realizar um culto necrófilo, e se comunicar com os
mortos.
Pois bem, assim como o nazismo, sua alma gêmea, o
marxismo, escancara o ideário comum e a prova de que pertencem ao mesmo
gênero ideológico. Como uma religião suprema, ele se vê como o
absoluto, o arbitrário e todo-poderoso "deus", numa tentativa frustrada
de substituir o Deus Vivo e bíblico. De alguma forma, se
define como o salvador do homem, no sentido de que o homem se perdeu na
história, e de que está capacitado a recriá-lo ao seu modo. Coloca-se
como único habilitado a construir o homem ideal, restabelecer o homem
primevo a partir da recriação da vontade sob a base ideológica estabelecida no cientificismo, mais notoriamente o darwinismo, partindo-se de um sentido evolutivo e purificador gnosticista.
Mais do que se pensa, há uma ligação intrínseca entre marxismo e
nazismo, de tal forma que Hitler capturou muitos dos métodos de Lénin e
Stalin aplicando-os em sua política genocida. Redefiniram
a moral, dando-lhe uma roupagem que a distinguisse da velha moral
bíblica; mas sempre a partir desta, como parasitas alimentando-se dela,
produzindo, porém, um produto corrompido capaz de destruir a velha ordem
e reestabelecer uma ordem nova. Para
isso são necessários todos os meios para se reconstruir o regime e o
homem novos, mesmo com a desculpa de se destruir uma pseudo-raça ou
pseudo-classe. Eles se tornam irrelevantes, sejam quais forem, pois o
objetivo, o que importa, é o fim a ser atingido. Os
atos ruins e imorais que se pratica e comete são transformados em bons
numa insidiosa e progressiva inversão de valores, redefinindo o senso
comum de moral. O
significado é claro: a destruição de uma pseudo-raça poluída, impura
[nazismo], ou pseudo-classe contaminada pelo capitalismo [comunismo]. E
criar um ídolo a partir do homem, mas que estará sobre o mesmo homem,
como um pacificador a cultivar a trégua a partir de uma guerra
interminável.
Mas se há algo que os marxistas fizeram com maestria foi jogar para
debaixo do tapete todos os seus crimes e táticas hediondas, apelando
para uma falsa moralidade que justificasse os meios utilizados tanto
para se chegar ao poder como para mantê-lo. O nazismo
foi e é execrado publicamente como a mais odiosa manifestação
totalitária, e o comunismo é esquecido em seus crimes igualmente odiosos
e totalitários. Por que?
Enquanto ao nazismo
se deu a valorização real de suas atividades, revelando-o em seu
caráter mais cruel, sanguinário e injusto, ao comunismo se deu um
caráter minimizador e reducionista; mas mais do que isso. No decorrer da
história, seus crimes, o apelo à crueldade e injustiça máximas, foram
tomados como modos legítimos de se "salvar" o homem, a partir da
intervenção "milagrosa" do estado totalitário. E isso se deveu à
distorção da moral, à corrupção do bem, que tornou possível as mentes
contempladoras e cúmplices adotarem um discurso messiânico a partir da
rebelião e sublevação da ordem moral. Aplica-se
a "pedagogia da mentira", a qual, quando dita muitas vezes, acaba por
se tornar em verdade. No comunismo, essas questões impoem-se mais
sutilmente, em princípio, ao ponto em que partidos e movimentos
marxistas não se apercebem da intoxicação absoluta da consciência moral
pelo domínio ideológico completo. Está-se impossibilitado de discernir a
corrupção que se processou, e passa-se uma vida inteira sem perceber
isso. A
prova maior é a de que não existem partidos nazistas no mundo [não com
essa terminologia], enquanto não somente há partidos marxistas como
governos comunistas espalhados planeta afora. E como isso é possível,
diante de todos os crimes, barbárie e destruição nos lugares onde o
comunismo se estabeleceu?
O comunismo é dissimulado e muito mais perverso e perigoso do que o
nazismo [ainda que o nazismo seja perigoso e perverso também],
exatamente pelo seu caráter doutrinário "sutil", ao valer-se e servir-se
do espírito de justiça e bondade para difundir e perpetrar o mal. Cada
experiência recomeça na inocência, como se não se estivesse a praticar
atos imorais, criminosos, espúrios e destrutivos. É essa subversão que o
torna tão maligno, ao sugerir que o homem continuará sendo bom mesmo
praticando efetivamente o mal, tudo para se alcançar um bem
comum, destruindo-se o inimigo [e esse inimigo pode ser praticamente
tudo, desde que se possa defini-lo como colaborador da classe
capitalista; e, por isso, essa e outras definições estão sempre em
reconstrução, ganhando novos ares e contornos ao bel-prazer do discurso
marxista de perverter a verdade transformando-a em a mentira]. Enquanto o
nazismo pede, diretamente, que o homem atue conscientemente como um
criminoso. Não lhe é sugerido nada mais além disso. Que ele destrua o
inimigo, ao qual ele de antemão já sabe quem é.
A reeducação comunista, na verdade, faz o homem acreditar que o mal é
bom, escondida atrás da moral comum, travestindo-se dela, com o intento
de pervertê-la, transtornando a realidade e a moral; almejando
sobreviver em um nível "superior" de imoralidade.
Essas ideologias, em seus cernes, estão sempre a construir o homem, tornando-o em besta, fazendo-o crer ser um anjo. Por
isso não há possibilidades de arrependimento no comunismo,
especificamente, pois não há do que se arrepender [em contrapartida, o
âmago do Cristianismo é exatamente o arrependimento]. A mente está
condicionada e domesticada a tratar dos assuntos sempre pelo crivo da
nova moral marxista [ou imoralidade], e, para tanto, não existem
contigências que possam julgar e condenar os fins quando obtidos. Eles
estão sempre justificando os seus erros com a idéia de que é para o bem
de todos, quando, nem todos, ou melhor, a maioria é privada desse bem,
seja com suas vidas, consciência, fé, e para isso, o indivíduo não
somente tem de ser adestrado mas recriado, para que o coletivo se
purifique. É engraçado como uma ideologia que oprime de todas as formas o
indivíduo possa apelar para o senso de liberdade ao fazê-lo. E o pior
ainda é que muitos acreditam que isso é possível.
A busca incessante dos fins, sempre "justificáveis", nunca levará o
homem a obtê-los, mas a uma guerra persistente e interminável de,
delirantemente, querer atingi-lo. Mesmo com todas as evidências
contrárias, revelando exatamente o oposto do que o discurso dialético
apregoa, o marxista sempre estará disposto a tornar o doce em amargo e o
amargo em doce, o bem em mal e o mal em bem. E o novo homem apenas é uma deformação ainda maior da velha e naturalmente corrompida humanidade, fruto da Queda, no Éden.
Outro ponto que me chama a atenção é a questão da memória, a qual já
falei. Mas a capacidade de se lembrar das atrocidades nazistas não tem o
mesmo lugar e intensidade quando se trata de lembrar das atrocidades
marxistas. Parece que àqueles o perdão é impossível mesmo diante do
arrependimento, enquanto a estes tudo é permitido, e não se é requerido o
arrependimento e, portanto, o perdão é compulsório e subliminar. O
mundo parece estar sempre disposto a execrar o nazismo [no que está
certo], mas, incoerentemente, é contemplativo e contemporizador com os
"feitos" marxistas, sendo capaz de até mesmo louvá-los.
O mais impressionante é que o marxismo tem suas origens no
cristianismo [uma espécie de anti-cristianismo], o qual, servindo às
mentiras de seu "mestre", o diabo, incorporou à retórica elementos
nitidamente cristãos, tais como a solidariedade, a piedade, o amor ao
próximo, a justiça, etc, para abandoná-los tão logo assumi-se o poder; o
que acentua o caráter incoerente e contraditório de cristãos que também
são marxistas. Na verdade eles estão prontos e de prontidão para
defenderem a ideologia, e nem tanto para defender a doutrina bíblica; e
em sua incoerência, esquecem-se dos milhões de cristãos mortos, presos e
marginalizados pelos regimes comunistas em toda a história e ainda
hoje, simplesmente porque é intolerável ao estado que se creia e adore o
Deus ao invés do ídolo, o próprio estado, que deseja se apossar do
trono que não lhe pertence nem pertencerá.
É por isso que em matéria de Cristianismo os chamados
cristãos-marxistas não entendem nada do Evangelho, desconhecendo o seu
real significado e objetivo que é não tornar o homem perfeito na terra,
nem criar o homem ideal, mas que os cristãos sejam exatamente aquilo
para o que foram chamados: imitadores de Cristo. Em qual mundo é
possível se defender uma ideologia que, em sua história, massacrou e
ainda massacra milhões de irmãos? Apenas por amarem o Senhor de suas
vidas? Apenas por professarem a fé indestrutível? Apenas por não se
sujeitarem a "rezar" na cartilha esquerdista? E não adorarem o
deus-estado? E não crerem num falso-salvador? Somente neste mundo caído,
e miserável, e cego, e nu, no qual vivemos; em que vale mais dizer o
que se quer ser, como uma possibilidade ainda que irreal, do que viver o
que se diz ser.
Não acredito na redenção do homem pelo homem ou por qualquer sistema
ideológico. O homem somente será redimido pelo Evangelho de Cristo, pela
regeneração que o Espírito Santo operará nele através da Palavra. E o
que muitos cristãos esperam é que o estado faça esse trabalho, e o homem
seja perfeito dentro de um quadro de impiedade e imoralidade, como se a
natureza pecaminosa fosse capaz de produzir algum fruto além do pecado.
E esperam glorificar a Deus com isso, com seus trapos de imundície, com
uma justiça pessoal, a partir de suas obras, e não com a justiça
perfeita e santa de Cristo.
Não acredito no paraíso na Terra, porém, o
que os marxistas almejam é recriar um novo Éden, um céu bizarro onde a
injustiça, o anti-ético e o imoral prevaleçam sobre toda a justiça, a
ética e moral. Então, eles se utilizam da liberdade, da democracia, das
instituições legitimamente estabelecidas para, quando chegarem ao poder,
abolir exatamente a liberdade, implantar a tirania e a ditadura, e
destruir as mesmas instituições pelas quais foi-lhes possível o acesso
ao poder. E
os cristãos, aqueles que foram regenerados por Cristo, são os primeiros
da lista. E nem é preciso esperar para ver; basta uma rápida pesquisada
na história e nos noticiários que nos chegam através de grupos
missionários como o "A Voz dos Martires" e "Portas Abertas" para se descobrir que os crentes são tratados como inimigos pelo estado totalitário. E inimigos, devem ser destruídos.
Mas graças a Deus que o nosso reino não é daqui; contudo, no reino de
justiça do Senhor, aqueles que consentiram com o mal serão
responsabilizados, mesmo pelo mal que não fizeram, mas por não
combatê-lo; e outros, ainda mais, por se aliarem a ele.
Nota:
1-Escrevi o texto a partir de meus comentários ao livro "A infelicidade
do século" de Alan Besançon, os quais podem ser lidos AQUI. Motivado,
também, por uma conversa com um querido irmão que votará na Dilma e que
é marxista [ainda que ele não se reconheça como tal]. Em nossa
conversa, ele disse que a política acabava se reduzindo à escolha entre
Serra e Dilma, e que devíamos discutir mais ampliadamente. Por isso
decidi expor, ainda que desordenadamente e sem a capacidade necessária, o
por quê, no fim-das-contas, temos responsabilidade no que pensamos e
dizemos, mas sobretudo no que fazemos. E como fazemos. Ou como deixamos
de fazer.
2-Outro
ponto que sempre me chama a atenção quando vou discutir política com
crentes é que o Cristianismo pode e deve estar presente em todas as
áreas da vida, mas nunca na política. Dizem que a Bíblia não trata de
política, logo o crente está proibido de exercê-la em qualquer nível.
Mas o Senhor nos ordenou a ser luz em todos os lugares, e não está
reservado um lugar intocável para as trevas, no caso, a política. Elas
devem ser dissipadas, jamais preservadas; de outra forma, como a verdade
alcançará a mentira a fim de destruí-la?
3- Texto publicado originalmente no Kálamos, cujos comentários poderá ler lá.
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